ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO COMIGO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. O pelo formulário no próprio blog. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. O título NISIAFLORESTAPORLUISCARLOSFREIRE foi escolhido pelo fato de ao autor estudar a vida e a obra de Nísia Floresta desde 1992 e usar esse equipamento para escrever sobre a referida personagem. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto trechos com menção da fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

sexta-feira, 30 de maio de 2025

A ONÇA NO RIO PARDO (MEMÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA)...

Eu devia ter treze anos. Eventualmente passávamos finais de semana ou feriado na fazenda do meu cunhado. Era muito distante, diferente da distância da fazenda contada ontem no episódio das pamonhas, já mais próxima. A propriedade dista quase cem quilômetros da cidade, de maneira que percorríamos longa distância sem ver uma única casa ou pessoa. Quando em vez passávamos por um carro. É mato dos dois lados da estrada de terra.


Alguns trechos formavam túnel de árvores nativas quilômetros a fio, de maneira que era comum nos depararmos eventualmente com manadas de pacas, antas, capivaras, Caititu (porco do mato), veados, seriemas, tamanduás, jaguatirica, anta, cutia e todo tipo de fauna menos hostil daquela região aninhada no Mato Grosso do Sul.


Obviamente havia onças-pintadas, mas essas não percorriam locais com barulho, de maneira que só se viam os seus rastros pela estrada ao amanhecer, acaso descesse do carro. Nas praias dos rios percebia-se ter havido sossegados passeios de adultos e filhotes pelo marchetado na areia fofa das margens.


A fazenda era cortada pelo imenso e caudaloso rio Pardo, que fazia uma curva sinuosa a uns trezentos metros dali, desenhando uma sutil enseada que atraia bichos e gente. Justamente nessa curva havia a ponta de um objeto de ferro de algo submergido no Pardo. Diziam os mais velhos ser uma embarcação que afundou durante a guerra do Paraguai. Raros homens adultos empreendiam atravessar esse manancial a nado.


A sede da fazenda guardava um silêncio que nunca mais experimentei. Os únicos sons eram proporcionados por pássaros e a bicharada. E vez em quando um rosnado rasgava a quietude da mata. Durante a noite as matas, campinas e pastos eram pinceladas de luzinhas vagantes que não eram vaga-lumes. Eram olhos. Olhos que andavam macio.


Como a própria cidade onde morávamos era emoldurada de matas e rios, não nos daríamos ao luxo de estranhar o aspecto bucólico daquele recôndito, mas vivíamos a experiência interessante do silêncio absoluto, cuja terra se emendava com o céu num misto de olhos e estrelas como pinguinhos de ouro na vastidão tisnada. A luz da casa se dava por lampiões. Lamparinas eram usadas na necessidade de se deslocar ao terreiro. Tudo era breu. Ficávamos sentados nos bancos da varanda do casarão, conversando e olhando para a placa do horizonte preto, rompido pela escuridão do céu, furado de pontinhos reluzentes. Nunca vi céu mais lindo.


Durante o dia, eu e minha irmã costumávamos percorrer a fazenda, apreciando tudo. A começar por um pequeno rio que ficava atrás do casarão. Rasinho e com cardumes de lambaris, ligeiros. Pareciam sombras se locomovendo. Andávamos no mato à cata de marolo, goivira, ingá e outras frutas silvestres, deliciosas e inesquecíveis.


Nesses passeios silvestres gostávamos de correr dentro dos túneis feitos por capivaras e antas. Elas tricotavam tanto essasestradas que pareciam canos dentro da mata. São caminhos redondos, esculpidos naturalmente pelo vai e vem desses bichos. Quase um labirinto. Andar por essas tocas era diferente de rasgar o mato à mão para avançá-lo, portanto sentíamos a desenvoltura dos bichos, como se o fôssemos. Assim percorríamos as matas com maestria, incorporados de antas pacas.


Recordo-me de uma experiência com uma onça, certa vez, quando passeava sozinho nesses labirintos misteriosos, mas atraentes. Assim que deixei o túnel, dei-me com as margens do assustador rio Pardo. As águas caudalosas emitem um som único e indescritível. As copas gigantes das árvores parecem seres fantásticos quando sombreiam as águas, despertando nossos sensores de fantasias. É uma presença indescritível de algo que só se sente estando ali.


Na outra margem do rio uma multidão de ariranhas entrava e saia de suas tocas no barranco ribeirinho. Mais adiante, numa pequena enseada, dezenas de capivaras tomavam sol na prainha de areias alvas. Pareciam contemplar o silêncio daquele paraíso. São impressionantes as delícias da natureza. Elas proporcionam um misto de medo e envolvimento irresponsável naquelas peles, naqueles couros, seduzindo-nos.


Eis que nesse estado de natureza olho para a mata ribeirinha e dou-me com a visão de uma onça pintada sobre o braço de imensa ingazeira. Deitada despreocupada e elegantemente. Um portentoso exemplar. Tal e qual essa bela espécie da fotografia aqui postada. Logicamente que não era essa, mas exatamente igual. Havia entre nós a distância da largura de duas BR, de maneira que ela poderia ter-me tornado sua refeição num disparo de segundos. Se eu entrasse na água, elas são excelentes nadadoras. Se eu subisse numa árvore, elas são exímias escaladoras. Correr seria em vão, mas me era alternativa instintiva, pois havia uma casa há uns trezentos metros.


Fiquei como um toco, fincado ali sem movimento. Logo aquele ser imponente, de beleza extraordinária saltou na água e deu na outra margem, num nado impressionante, indiferente à força da água. As capivaras irromperam dali, desaparecendo como se entrassem nas árvores. As ariranhas não se importaram, mas ficaram tesas. Onça sabe bem quem são as ariranhas. Fiquei observando, almejando vê-la novamente, mas a mata era muito fechada. Todo esse enredo foi-me coisa de segundos. Então disparei para a sede da fazenda. Coração ameaçando rebentar boca afora.


À noite, durante as conversas de lampião, meu cunhado disse que ela estava alimentada, e jamais me faria mal. Ou talvez estivesse interessada na manada de capivaras do outro lado do rio. Talvez ela dormisse naquele momento e minha presença a despertou.


Onças sentem cheiro à longa distância. São iguais aos Guarani-Kaiowá e Guató que adivinham alguém chegando a quilômetos. Ele orientou que jamais eu fosse ali sem companhia e evitasse andar à tardinha próximo ao rio ou nos túneis. A peonada dali só anda de faca e arma de fogo. As onças se afastam ao menor barulho. Jamais se aproximam de lugar com ronco de motores ou converseiros e risadas. Assim também são as sucuris.


Animais silvestres pertencem às matas, devem ser louvados e nada mais. Eles estão no espaço deles. Sempre tive aversão a quem fere qualquer animal. Mas, por falar em onça, as pegadas da onça-pintada assustam. São grandes e carimbam pesadamente o chão. A pata dianteira é bem maior que a traseira. A dianteira tem uns 12 cm de comprimento e uns 13 cm de largura. A pata da pegada traseira tem uns 11 cm de comprimento a 10 cm de largura, com almofada grande e arredondada. Os dedos são arredondados e sem marcas das unhas.


Pois bem, essa é a história de uma onça que estava em paz em seu habitat, eu a perturbei, e ela, por alguma razão, me poupou. Seguem outras imagens. Elas, no caso, são imagens reais do rio Pardo contornando a cidade em que nasci. Essas matas tiveram parte comigo. Esse rio conheceu a minha infância. Quantas vezes saltei de sua velha ponte de madeira e nadei até a margem como quem acabara de experimentar o feito de um heroi… 7.8.2020.


quarta-feira, 28 de maio de 2025

MARINA SILVA: MULHER ULTRAJANTE ou MINISTRA ULTRAJANTE?

 


Quando estive no Mato Grosso do Sul pela última vez, fui a Campo grande com minha irmã e transitei numa BR recém-inaugurada, cortando contínuo trecho de mata, ligando cidades locais à capital, senti um aperto no coração. Cada km vencido um zoológico de cadáveres de mamíferos selvagens se descortinava. Os despojos, alguns recentes, outros ressequidos, amassados como tapetes, gritavam silêncios do moto das noites em que, ariados pelos faróis, perdiam a vida. ISSO REFLETE UM ESTADO EM QUE NINGUÉM PLANEJOU MUDAR ESSA HISTÓRIA VERGONHOSA, POIS QUER VER DIZIMADA A SUA FAUNA SILVESTRE AO QUE PARECE.


O QUE ACONTECE COM A MINISTRA MARINA SILVA, ONTEM, É ALGO PARECIDO.


Impressionante - mas não surpreendente - o que fizeram com ela, ontem, durante a audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado. Ela foi convidada pela para tratar de unidades de conservação na Margem Equatorial, mas na verdade foi jogada num covil de lobos com outros interesses. Esses senadores que a atacaram – mesmo que seus currículos e o caráter de cada um fossem impecáveis – ainda não teriam direito a tal truculência, pois respeito cabe em todo lugar, portanto recomendo aos leitores que pesquisem sobre a trajetória política e pessoal desses caras.


Simplesmente Marina não pode falar. A ministra, como sabemos, é uma mulher de voz notadamente frágil – fruto de um problema de doença no passado, o que a faz se esforçar mais para falar. Não significa que frágil também seja a sua personalidade e sua competência, diga-se de passagem. Ela estava num ambiente em que, se tivesse sido respeitada, teria respondido todas as perguntas com serenidade, sem precisar de esforço algum. Mas ela se viu diante de uma arena com leões cheios de fome de colocar para fora a misoginia típica desses senhores. ELES JAMAIS FARIAM ISSO SE ESTIVESSEM DIANTE DE UM HOMEM. A GENTE JÁ CONHECE ESSA HISTÓRIA.


Em meio aos ataques machistas, ela deixou a sessão depois que o senador Plínio Valério disse que "a mulher merece respeito, a ministra, não". MISOGINIA PURA, POIS NÃO HÁ DIFERENÇA: A MINISTRA É UMA MULHER E A MULHER ESTÁ MINISTRA.


Plínio Valério é o mesmo senador que falou recentemente em enforcar Marina durante um evento no Amazonas. "Imagina vocês o que é ficar com a Marina 6 horas e 10 minutos sem ter vontade de enforcá-la", disparou, na ocasião. ESSES CARAS NÃO SUPORTAM UMA MULHER COM PODER DIANTE DELES.


Marina também foi ultrajada pelo senador Marcos Rogério que cortou várias vezes o microfone dela. E quando ela disse "O senhor quer que eu seja uma mulher submissão; eu não sou". O senador respondeu: "Me respeite, ministra. Se ponha no seu lugar". O QUE ISSO QUER DIZER? ELE SENTIU-SE DESRESPEITADO POR ELA TER SE DEFENDIDO AO INVÉS DE TER FICADO QUIETINHA E COM MEDO (COMO ELE ESPERAVA). ELES TAMBÉM NÃO ACEITAM QUE AQUELE ESPAÇO PERTENÇA A UMA MULHER (BASTA ISSO), E A OJERIZA AUMENTA QUANDO É UMA PRETA E UMA PESSOA DE ORIGEM HUMILDE, OU SEJA, ELA É CONVIDADA A SE COLOCAR NO LUGAR DELA QUANDO ERA POBRE, DOENTE E MASSACRADA PELOS ANTECESSORES DELE DESDE O BRASIL COLONIAL. NADA MAIS!


Marina não foi convidada para o fim oficial, mas para ser massacrada, aliás, para tentarem massacrá-la, pois ninguém massacra uma mulher com tal currículo. Podem até fazer o que fizeram – isso é típico do bolsonarismo -, mas cerceá-la, humilhá-la, impedi-la de falar, jamais conseguirão.


O senador Omar Aziz se somou a esses desrespeitos, tentando desestabilizá-la aos ímpetos de defesa que ela fazia após os ataques dele. Em nenhum momento ela desrespeitou ninguém. Apenas pontuou falas de forma cirúrgica sobre as alegações maldosas feitas sobre o assunto em voga. E quando ela expôs que, para fazer a pavimentação da rodovia BR-319 era necessária “uma avaliação ambiental estratégica com uma mistura de técnica e ética”, o cara é tão maldoso que, mesmo entendo a colocação da ministra, deturpou que ela insinuava que ele não tinha ética, portanto julgou-se com propriedade para despejar uma série de ofensas equivocadas pertinentes a ações anteriores da ministra. Enfim, o senador fez escola em determinado capítulo de “O Príncipe”.


E esses caras são tiranos. Quando é alguém que se inclui no bojo do que eles não gostam – mesmo que a pessoa seja extremamente digna e competente – eles a desestabilizam para tentar fazê-la partir para a violência; usam argúcias típicas para tirar a pessoa do sério (tipo quebrar microfone, atirar livro em alguém etc) para depois ir para a imprensa – todo “por cima da carne seca" – tentar passar a mensagem de que tal pessoa é desequilibrada, incompetente etc. Isso pode ser visto com clareza nas declarações do fascista Marcos Rogério para a imprensa.


A RAIVA DESSES ENTREGADORES DISFARÇADOS DE PATRIOTAS E DEFENSORES DO BRASIL, É A REIVINDICAÇÃO DE MARINA PARA LEREM, REFLETIREM E DECIDIREM O MELHOR SOBRE O RELATÓRIO, O QUAL FOI ENTREGUE SEM SER LIDO POR QUASE TODOS, HORAS ANTES. COMO APROVAR UM DOCUMENTO TÃO SÉRIO SEM LÊ-LO? MAS É O QUE ELES QUERIAM.


O documento traz pontos frágeis e necessários de serem mudados, como a redução do papel de órgãos colegiados, o enfraquecimento da consulta a povos indígenas e a introdução do licenciamento por adesão que elimina a análise técnica de impactos indiretos relevantes.


MARINA É ULTRAJANTE PORQUE É MULHER E, PARA PIORAR, NÃO É O NOVO TIPO DE “PATRIOTA” QUE INVENTARAM ULTIMAMENTE. 27.5.2025.


sábado, 17 de maio de 2025

É CHEGADA A HORA DE PLANTAR OUTRO BAOBÁ NA SÃO JOSÉ...

Baobá do Poeta na rua São João, Natal/RN

Há dois dias recebi essas fotografias feitas pela escritora Ana Cláudia Trigueiro. Ela estava no velório de uma pessoa conhecida e percebeu que o famoso “Baobá do Poeta” da rua São José (que fica num terreno de frente à casa de velório) estava partido ao meio. Cena triste ver uma árvore tão singular dando sinais de sua possível morte.

Baobá do Poeta na rua São João, Natal/RN

Nas minhas pesquisas antigas, descobri que há quase 200 anos existiu um baobá que é pai de todos os baobás que existem em Nísia Floresta. Era o famoso “Baobá de Olheiros”, plantado no velho distrito de Tororomba (final da enxurrada), nos tempos da “Villa Imperial de Papary”.

Baobá de Nísia Floresta, filho do Baobá de Olheiros de Tororomba

Desse baobá foi levada a muda que se tornaria o famoso baobá existente no centro de Nísia Floresta, árvore de uma beleza que impressiona sempre. Nunca enjoo de contemplar os baobás, inclusive participei da plantação de uma espécie dessa na terra de Manoel Machado, cujo diâmetro impressiona, nem parece tão novo. Atualmente está com o triplo do tamanho comparado à fotografia abaixo.

Baobá da terra de Manoel Machado em 2015, hoje tem o triplo do tamanho

MAS OS BAOBÁS MORREM SE NÃO FOREM CUIDADOS

Não sei o que aconteceu com o “Baobá do Poeta”. Não foi raio. Vi-o pela última vez – inclusive na mesma circunstâncias em que Ana Cláudia viu – num velório – o velório da escritora Ana Angélica Timbó -, ocasião em que fui até ele, peguei de um galhinho novo e o depositei sobre as mãos de Angélica. Ela era fascinada por essa árvore, inclusive o seu marido Clark Smith Jr. (in memorian), que era norte-americano (da Nasa), fez inúmeras imagens dos baobás do Rio Grande do Norte, com destaque para o de Nísia Floresta. Cheguei a fazer uma exposição com essas fotografias creio que em 1998.

Baobá do Poeta na rua São José, Natal/RN.

Pelas fotografias feitas por Ana Cláudia, nota-se uma parte “buxenta”, ocada, como se o seu cerne fosse cavernoso (o que é muito comum a qualquer árvore). Essa bucha parece seca. Vê-se muito isso, tendo em vista que a pele da planta é a grande responsável por transportar a vida da raiz. Inclusive em alguns países da África famílias moram dentro dos baobás, como verdadeiras cavernas. É impressionante. Seria a idade? A idade despenca mesmo, não adianta “harmonização” facial ou liposcultura.

PODE SER VELHICE MESMO.

Como não vi, não sei. Também não sei se a árvore está morrendo, embora possa ser. Mas, para quem desconhece, há uma planta parasita, semelhante a uma trepadeira (parece rama de maracujá com folhas menores) também conhecida como visco. É um perigo. É planta assassina. O baobá da terra de Manoel Machado está acometido dela. Avisei a inúmeras pessoas sobre a necessidade de fazer um tratamento, mas até agora, nada. Daqui a pouco será necessário avisar à Câmara.

Baobá do Poeta na rua São José, Natal/RN.

Essas plantas parasitas são deixadas ali em sua fase de semente, trazidas pelos pássaros e morcegos que defecam onde pousam. O desenvolvimento dessa planta-parasita mata lentamente os galhos das árvores onde ela cresce, pois como ela não vive no solo, onde haveria os nutrientes necessários, alimenta-se dos líquidos da planta, que é o que alimentaria a árvore. Ela mata qualquer árvore aos poucos, como câncer sem tratamento.

TERIA SIDO ISSO?

Enfim, esse episódio nos convida – em especial – ao escritor Diógenes da Cunha Lima -, a plantar outro Baobá no referido terreno, exatamente no centro ou nos fundos, pois já estaria crescendo para fazer parceria ou, se for o destino, reencarnar o que parece estar se despedindo... Se ele quiser, sei onde existem baobás que se tornam belos em pouco tempo... vou mandar até esse texto para ele... rssss.


Baobá da terra de Manoel Machado hoje


CELEBRANDO O CENTENÁRIO DE CLARA CHARF: UMA VIDA DE CORAGEM, DEDICAÇÃO E INSPIRAÇÃO



No próximo mês, comemoraremos o centenário de nascimento de Clara Charf, uma mulher cuja trajetória representa um exemplo de resistência, coragem e compromisso com a justiça social. Conhecê-la pessoalmente, em 2006, foi uma experiência que marcou profundamente minha vida. Tive a oportunidade de conversar com ela por cerca de uma hora no Palácio do Planalto, momento em que pude testemunhar sua serenidade, sua consciência aguçada do Brasil e seu compromisso inabalável com a luta por um país mais justo. Troquei cartas com Clara, e essa troca de correspondências reforçou ainda mais o orgulho que sinto por ter tido a chance de estabelecer uma conexão com uma mulher de tamanha integridade e dedicação.

Clara Charf foi esposa de Carlos Marighella, uma figura emblemática na história da resistência brasileira contra a ditadura militar. Marighella foi político, escritor e guerrilheiro marxista-leninista, foi um dos principais organizadores da luta armada contra o regime, chegando a ser considerado o inimigo número um do Estado. Clara foi uma defensora incansável de seu legado, responsável por divulgar sua memória e preservar sua história, contribuindo para que suas ações e ideais não fossem esquecidos.



Nascida em 1925 na capital alagoana e criada no Recife, Clara veio de uma família de origem judaica russa que fugiu da perseguição antissemita no Leste Europeu. Desde jovem, foi influenciada por um ambiente de efervescência política, marcado pela vitória soviética e pelo fim da Segunda Guerra Mundial. Sua militância começou cedo, inicialmente participando de comícios e propagando ideias comunistas, motivada pela pobreza e miséria ao seu redor. Aos 21 anos, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), apesar da oposição de seu pai, Gdal Charf, que não acreditava na sustentabilidade da democracia e desaprovava sua militância.

Durante sua trajetória, Clara enfrentou inúmeros obstáculos, incluindo prisões, perseguições e exílio. Sua coragem foi demonstrada ao fugir de casa após o conflito com seu pai, refugiando-se na casa de uma deputada e, posteriormente, vivendo na clandestinidade ao lado de Marighella. Sua atuação na militância foi marcada por dedicação intensa, desde a organização de movimentos femininos até a participação em missões internacionais, como sua viagem à China e sua atuação na formação de escolas em Campinas.

A relação de Clara com Marighella foi marcada por amor, companheirismo e resistência. Apesar das dificuldades, eles permaneceram juntos por 22 anos, enfrentando a repressão e a clandestinidade. Sua prisão em Campinas, sua prisão por suspeita de espionagem e sua subsequente exilação em Cuba, onde trabalhou como tradutora por nove anos, são testemunhos de sua coragem e determinação.


Ao retornar ao Brasil após a promulgação da Lei da Anistia, Clara continuou sua luta por justiça e direitos humanos. Filiada ao PT, candidatou-se a deputada estadual, atuou na Secretaria de Mulheres e na Secretaria de Relações Internacionais do partido, além de fundar a Associação Mulheres pela Paz. Sua trajetória é marcada por reconhecimentos, como o Diploma Bertha Lutz, o Prêmio Rose Marie Muraro e o título de cidadã paulistana, concedido pela Câmara Municipal de São Paulo.

Ter tido a oportunidade de estabelecer uma relação, ainda que sutil, com essa notável mulher, é algo que considero uma chama que acende em mim uma luz interior, fortalecendo minha coragem e determinação para lutar contra os desafios e as injustiças que permeiam nosso país. A inspiração que Clara Charf representa é um farol que ilumina o caminho de todos aqueles que buscam um Brasil melhor para todos. Nada mágico, mas um Brasil sem diferenças econômicas abismais, onde os pobres tenham dignidade e vivam numa nação verdadeiramente civilizada. Viva Clara Charf! Luís Carlos Freire. 17.05.2025, 11h42

 

 


terça-feira, 13 de maio de 2025

Nísia Floresta e Princesa Isabel – Um Paralelo Histórico Entre Pioneirismo e Conveniência


Aproveitando a simbólica data de 13 de maio, marco da assinatura da Lei Áurea em 1888, convido à reflexão sobre duas figuras femininas notáveis da história brasileira: Nísia Floresta Brasileira Augusta e a Princesa Isabel. Ambas mulheres de seu tempo, ambas inseridas em contextos sociais distintos, mas que, de modos diferentes, dialogaram com a questão da escravidão no Brasil. Contudo, é fundamental destacar que, muito antes de a Princesa Isabel ter se tornado conhecida como a "Redentora", Nísia Floresta já erguia, de forma solitária e corajosa, sua voz em prol da liberdade.

Nísia Floresta nasceu em 12 de outubro de 1810, falecendo em 24 de abril de 1885. Princesa Isabel veio ao mundo bem depois, em 29 de julho de 1846, e morreu em 14 de novembro de 1921. Antes mesmo de Isabel nascer, Nísia já havia firmado seu nome como autora, educadora, feminista e — como nos interessa aqui — precursora do pensamento abolicionista no Brasil.

Apenas três anos após o nascimento de Isabel, Nísia, em uma de suas obras, questionava com lucidez:

“Que uma raça não fez para sobre as outras ter revoltante primazia, ilimitado poder?”

E, quando a futura princesa contava sete anos, Nísia dirigia palavras contundentes às autoridades brasileiras:

“Senhores do Brasil, esse solo abençoado em que respirais, mostrai-vos dignos dele, fazendo desaparecer do meio de vós a maior vergonha dos povos cristãos! Vergonha que macula ainda os vossos altivos vizinhos do Norte, apesar dos admiráveis progressos do seu gênio empreendedor e dinâmico. Cessai uma horrível profanação da natureza humana: ela deve ter, cedo ou tarde, como resultado, terríveis represálias.”

Tais declarações não se resumem a episódios isolados. Ao longo de sua trajetória, Nísia Floresta reiterou suas críticas ao regime escravocrata, ainda em um Brasil profundamente imerso no conservadorismo colonial. Suas ideias precederam em décadas o florescimento do Movimento Abolicionista organizado, que só ganharia corpo e capilaridade a partir da década de 1870, com nomes como José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, André Rebouças, Luís Gama e Castro Alves, entre outros — incluindo, é claro, muitos abolicionistas negros cujas contribuições ainda carecem de pleno reconhecimento.

O pioneirismo de Nísia Floresta é indiscutível. Em uma sociedade patriarcal e escravocrata, ela ousou denunciar as mazelas sociais por meio de livros e artigos publicados na imprensa, num esforço que exigia sutileza e firmeza. Seu abolicionismo não foi instantâneo, mas sim construído a partir de uma consciência crítica em desenvolvimento, enfrentando o ambiente hostil do Brasil oitocentista — marcado por um ethos escravocrata profundamente enraizado. Nesse processo, ela enfrentou preconceitos múltiplos: por ser mulher, intelectual e insurgente.

Não se trata de atribuir superioridade moral a Nísia em relação a Isabel, mas de compreender os diferentes papéis que ambas desempenharam no curso da história. A princesa, filha do imperador Dom Pedro II, agiu num momento politicamente decisivo — mas sua assinatura na Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, embora simbólica, foi resultado de intensa pressão popular e política. Àquela altura, a abolição já era inevitável. Havia motins, fugas em massa, quilombos se rearticulando, e uma sociedade civil mobilizada por meio da imprensa, das artes e dos clubes abolicionistas.

A narrativa de que a abolição foi fruto da “bondade” de uma princesa carece de profundidade histórica. A Lei Áurea foi, de fato, um desfecho tardio e sem medidas compensatórias aos libertos, que foram lançados à própria sorte, sem acesso à terra, à educação ou a quaisquer políticas públicas de inclusão. Era, em última instância, uma tentativa do Estado imperial de evitar o que chamavam de “perigo social”: a reforma agrária. Soltar os cativos sem lhes oferecer alternativas reais era manter as estruturas de exclusão sob nova roupagem. Foi como abrir a gaiola de um pássaro que jamais aprendeu a voar.

A abolição, portanto, não significou liberdade plena. Seguiu-se a ela um longo período de marginalização. Sem acesso a direitos, os ex-escravizados foram relegados às periferias urbanas, dando origem às primeiras favelas. Muitos continuaram servindo às elites, agora sob o disfarce da "liberdade contratual", em condições de subalternidade. As consequências sociais, políticas e econômicas desse abandono ainda se fazem sentir nas estatísticas de criminalidade, no racismo estrutural e na desigualdade persistente.

Dizer que apenas pessoas negras cometem crimes é uma falácia perversa. A criminalidade está diretamente ligada à exclusão, à falta de acesso a oportunidades dignas e ao abandono histórico de parcelas inteiras da população por parte de sucessivos governos. E essa negligência começa exatamente ali: no dia seguinte à abolição.

O 13 de maio, por isso, deve ser lembrado não como um gesto de compaixão monárquica, mas como um marco de luta social. Um ponto de chegada (tardio) de uma causa que já mobilizava intelectuais como Nísia Floresta desde os primeiros anos do século XIX. A comparação entre Nísia e Isabel é reveladora: enquanto uma antecipava o futuro por meio da razão e da escrita, enfrentando solidão e silenciamento, a outra se tornou símbolo de um gesto oficial, tardio e sem desdobramentos efetivos para os libertos.

Importa, ainda, refletir sobre o contraste entre o pensamento de Nísia — mulher, crítica, progressista — e certas posturas contemporâneas de mulheres que, em pleno século XXI, apoiam ideologias retrógradas, autoritárias, misóginas e racistas. O que aconteceu com o legado daquelas que, como Nísia, ousaram pensar o mundo de maneira mais justa? Onde estão as que hoje se calam diante da barbárie?

Em suma, reconhecer Nísia Floresta como precursora do abolicionismo no Brasil — e, mais amplamente, na América Latina — é resgatar a memória de uma mulher que foi, sem dúvida, muito além de seu tempo. Conhecer sua biografia e confrontá-la com a de figuras mais celebradas, como a Princesa Isabel, nos permite reavaliar o passado com mais honestidade histórica e sensibilidade crítica. Fica, assim, o convite à leitura e à reflexão.

L.C.F. 1998




COMO SE DEU O ABOLICIONISMO EM NÍSIA FLORESTA?

 


Nísia Floresta e o Abolicionismo: Reflexões sobre um Brasil Escravocrata

Imaginemos, ainda que com dificuldade, a perspectiva de um indivíduo branco nascido em um contexto profundamente marcado pela instituição da escravidão. Um tempo no qual os serviços mais básicos — como a preparação das refeições, a higiene pessoal ou mesmo o simples ato de afugentar o calor com um leque — eram desempenhados por pessoas escravizadas, geralmente negras, que compunham a estrutura doméstica e econômica das famílias das elites brasileiras. Crianças brancas, ao crescerem nesse ambiente, testemunhavam adultos comandando, humilhando e, muitas vezes, torturando física e psicologicamente os cativos. Trata-se de uma cena semelhante àquela presenciada por Sigmund Freud em sua visita ao Brasil, que o marcou profundamente.

Foi nesse ambiente que nasceu Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810–1885), uma das primeiras vozes femininas da intelectualidade brasileira a emergir com autoridade crítica sobre as estruturas de poder e exclusão do século XIX. Sua família fazia parte da elite nordestina, proprietária de terras e de numerosos escravizados. Seus ascendentes diretos — como o Capitão Leonardo Pinheiro Teixeira e Mônica Borges da Rocha Bezerra, seus bisavós; e o Capitão-mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, seus avós — estiveram intimamente ligados à economia escravista e possuíam cativos em suas propriedades. A própria Nísia foi criada sob os cuidados de Pepé, uma jovem negra possivelmente adquirida como ama ou dama de companhia, cuja presença é registrada com afeto em seus escritos, embora sem muitos detalhes sobre sua trajetória pessoal.

A escravidão, portanto, não era um fenômeno distante ou apenas rural; era um componente central da vida familiar e social da elite brasileira, inclusive na região da Vila Imperial de Papary, atual Nísia Floresta (RN). Ali, os engenhos de açúcar proliferavam e mantinham o sistema escravista em pleno funcionamento. Nísia, ainda jovem, presenciava o comércio de seres humanos próximo ao Engenho São Roque, sob a sombra de um velho pé de Oiti — local de compra e venda de escravizados, conforme relatos orais preservados por descendentes das famílias locais.

Neste contexto, a naturalização da escravidão era esperada. Crianças brancas aprendiam, desde cedo, a associar a diferença de cor ao status de servidão, internalizando as hierarquias raciais impostas pela sociedade colonial e imperial. Assim como os animais de carga — bois e burros — eram açoitados ao não suportarem o peso das carroças, o mesmo destino era reservado aos escravizados, que muitas vezes morriam de exaustão nos canaviais e engenhos.

No entanto, Nísia Floresta apresenta um percurso de consciência singular. Ainda jovem, demonstra incômodo diante da forma desumana como os negros eram tratados. Embora suas primeiras manifestações não demandassem diretamente o fim da escravidão — talvez por não conceber ainda essa possibilidade em um país onde a escravidão era legal e amplamente legitimada —, ela já propunha melhorias nas condições de vida dos escravizados. É fundamental compreender que, em sua trajetória, o pensamento abolicionista foi amadurecendo gradualmente, refletindo um processo interior de transformação ética e intelectual.

Certa vez, uma publicação no Diário de Natal, cuja autoria não me recordo no momento, acusou Nísia de apoiar a escravidão, baseando-se na interpretação isolada de um trecho de sua obra no qual criticava mulheres brancas por entregarem seus filhos para serem amamentados por escravas “sujas”. No entanto, essa acusação ignora o contexto e a intenção da autora. Nísia não depreciava as mulheres negras, mas sim denunciava as péssimas condições de higiene e salubridade das senzalas, e condenava a prática das elites de terceirizar um ato tão íntimo e afetivo quanto a amamentação por motivos de vaidade ou comodismo.

Mais tarde, já na Europa, ela ampliaria essa crítica ao constatar práticas semelhantes na França — onde bebês eram enviados às aldeias para serem cuidados por amas de leite em condições precárias — e as denunciaria em seus escritos, como no livro A Mulher. Esse olhar humanista atravessa sua obra, ainda que muitas vezes de forma sutil ou marginal ao tema central. Mesmo quando não tratava diretamente da escravidão, Nísia incorporava o questionamento das relações sociais baseadas na desigualdade, lançando as sementes de uma consciência abolicionista em formação.

Obras como A Lágrima de um Caeté (1847) são exemplos marcantes dessa postura crítica. Embora não dedicada exclusivamente à denúncia da escravidão, a narrativa aproveita-se da figura do indígena como símbolo da opressão colonial para também questionar a desumanização do negro escravizado. Tal posicionamento levou inclusive à censura da obra pelo Império — um sinal claro de que sua mensagem causava incômodo aos defensores da ordem vigente.

Nísia Floresta, portanto, não apenas foi uma precursora do feminismo no Brasil, mas também uma pensadora que desenvolveu, ao longo da vida, um discurso sofisticado e progressivamente incisivo contra a escravidão. Inicialmente dissimulado, talvez como estratégia de sobrevivência intelectual em um ambiente hostil à dissidência, seu pensamento evoluiu para um abolicionismo mais explícito, especialmente em suas obras posteriores.

A compreensão da trajetória de Nísia exige, por isso, a devida contextualização histórica. O Brasil oitocentista era um país profundamente escravocrata, onde mesmo as instituições religiosas — como demonstra a separação física dos espaços de culto entre brancos e negros nas igrejas — reforçavam a desumanização da população negra. Nísia não foi isenta desse ambiente, mas soube, com o tempo, elaborar uma crítica ética e política a ele, contribuindo de maneira singular para o pensamento social brasileiro.

Por fim, reconhecer esse percurso é também reconhecer a complexidade das consciências formadas em contextos de opressão. A crítica à escravidão que brota nos escritos de Nísia Floresta não nasce do radicalismo, mas da observação empática e do amadurecimento moral. Sua contribuição, por isso mesmo, é valiosa: não como um grito isolado, mas como uma voz que, ao emergir de dentro do sistema, soube desestabilizá-lo com lucidez e coragem crescentes. L.C.F. 2023.

quinta-feira, 8 de maio de 2025

EXPOSIÇÃO DE ARTES PLÁSTICAS - PINACOTECA DE NATAL...


A Há poucos minutos estive na Pinacoteca. A arte potiguar está em festa. Nesta quinta-feira (8), o Palácio Potengi, sede da Pinacoteca Potiguar, será palco da abertura do VIII Salão Dorian Gray de Arte Potiguar, uma das mais importantes exposições coletivas do Rio Grande do Norte. A edição deste ano presta homenagem especial ao folclorista Luís da Câmara Cascudo e à Academia Norte-rio-grandense de Letras (ANL), numa celebração que entrelaça artes visuais, literatura e memória.


Idealizado e promovido pela Associação dos Amigos da Pinacoteca e pelo projeto Arte Potiguar, o salão reúne mais de 150 artistas visuais, entre nomes consagrados e novos talentos das artes plásticas do RN. São escultores, pintores, ilustradores, desenhistas e artistas multimídia que ocupam o espaço expositivo com obras autorais que refletem a pluralidade estética e poética do Estado.


Com curadoria coletiva e participação de figuras reconhecidas como Iaperi Araújo, Assis Costa, Elke Cunha, Rosângela Fernandes, Nilson Nivaldo, entre outros, o salão oferece um panorama da produção artística contemporânea do RN. A lista de artistas inclui também nomes de diferentes gerações e regiões do estado, como Ayala Guéguar, Cláudia Lange, Azol, Avelino Pinheiro, Tony, Olympia Bulhões, Verônica Maria, Jayr Peny, entre tantos outros.

O Salão Dorian Gray reafirma seu papel de difusor da arte e da identidade potiguar, valorizando o acervo humano e criativo do estado. O nome do salão homenageia o artista plástico e crítico de arte Dorian Gray Caldas, um dos maiores incentivadores da cultura local.

A entrada é gratuita e a exposição ficará aberta ao público nos salões da Pinacoteca Potiguar, no centro histórico de Natal.

O VIII Salão Dorian Gray de Arte Potiguar é uma realização conjunta com a Fundação José Augusto, governo do estado, Secretaria Especial da Cultura e Ministério da Cultura, com apoio da Lei Paulo Gustavo.






























quarta-feira, 7 de maio de 2025

ALMIR PADILHA: UM DIAMANTE NEM TÃO PERCEBIDO

 

ALMIR PADILHA 

(OBSERVAÇÃO: essa biografia estava sendo escrita em comum acordo com Almir Padilha, na presença dele e com autorização dele até o último encontro que tivemos no dia 28 de abril, quando ele se sentou comigo e revisou toda a primeira versão impressa. Ontem soube da sua partida, portanto quis oferecer a Parnamirim o resultado desse trabalho, em memória desse artista querido por todos nesse momento de perda irreparável).

Reconhecer o talento notável do músico e compositor Almir Padilha é uma tarefa que fazemos sem esforços. É desnecessária qualquer apresentação, pois em Parnamirim, Almir é uma grife. No entanto, nem todos estão familiarizados com sua trajetória, suas raízes e sua família. Explorar essa nuança – conhecer mais sobre a sua vida – é uma forma de estreitar ainda nossa ligação com esse artista que tanto admiramos.

Nenhuma jornada é solitária, pois todos viemos de alguém e convivemos com muitos. Almir é mais do que apenas Almir: ele é Caio Padilha, é Armando Álvares Padilha, Irene Farias Padilha, é uma porção de amigos queridos, uma rede de pessoas que, direta ou indiretamente, foram instrumentos importantes na construção da sua essência de homem e de artista. São seus irmãos: Alberto (Beto), Armando (Maninho) e Irenilde (Leninha).

Embora se destaque como compositor e músico, com uma identidade artística singular, Almir carrega a influência de figuras marcantes da MPB, sendo muito criterioso nesse aspecto. Ele tem o gosto musical refinado. Conhecer um pouco sobre suas criações é tão valioso quanto compreender melhor sua própria trajetória. Esse artista pioneiro, que leva no coração a marca de Parnamirim, alcançou reconhecimento nacional e conviveu com ícones da música popular brasileira.

Seu nome de batismo é Almir Farias Padilha. Ele viu a luz de Parnamirim pela primeira vez no dia 24 de julho de 1951, quando dona Irene lhe ofertou essa luz e o abraçou... Naquela época, a cidade ainda sentia os efeitos da presença dos militares norte-americanos na Base Aérea durante a Segunda Guerra Mundial, embora calma, e começava a se estruturar, com suas ruas sendo traçadas, sua política se consolidando e seu comércio se desenvolvendo.

OS PAIS

Seu pai, Armando Álvares Padilha, natural de Canguaretama, era militar e depois de cumprir longo tempo na profissão, deu baixa e tornou-se enfermeiro da Base Aérea de Natal. Era um profissional tão querido, dedicado e experiente que se tornou conhecido como o médico de Parnamirim: “Dr. Padilha”. Mesmo que ele discordasse desse tratamento e nunca quis se sentir um médico, a população o tratava como doutor.

A mãe de Almir, dona Irene, veio de Galinhos e aos três meses mudou-se para Baia Formosa onde permaneceu até a mocidade. Naquela época o curso de ‘corte e costura’ era cobiçado. Toda moça tinha que ser prendada, saber os afazeres do lar e cozer, mesmo que o básico para arranjar bom casamento. Desse modo, sua madrinha de batismo a trouxe para Natal e a colocou para lidar com linha e agulha.

A chegada da jovem Irene à Natal foi boa para o jovem Armando que logo cresceu os olhos para ela, arrumando idas e vindas a Natal só para ver e admirar a moça de belos vestidos costurados por ela mesma. Nesses conformes, Armando e Irene se conheceram e começaram a namorar. Naquele tempo o namoro acontecia na sala, ao lado dos pais. Após o período do namoro, ficaram noivos, houve mais um período e, finalmente, se casaram. Em comum acordo, decidiram residir em Parnamirim, fixando residência na rua senador João Câmara.

Muito econômico e preocupado com o futuro, o sr. Armando foi se programando de maneira que ao longo do casamento construiu 14 casinhas para alugar. O casal se planejou para que o aluguel garantisse uma vida confortável para a família. Em 1953, já melhor estabilizado, ele vendeu todos os imóveis de aluguel e construiu uma das maiores casas no centro de Parnamirim com um grande quintal na rua Comandante Petit, próxima ao Clube Potiguar.

Seus pais não viam a arte como um caminho viável para o futuro dos filhos. Logo, Almir encontrou resistência ao expressar sua vocação musical, mas ele agiu com sabedoria, sem criar confronto, compreendendo que não era o único a enfrentar o preconceito contra a carreira artística. Nesse aspecto ele sempre foi muito sereno e, devagarinho, a resistência foi se dissipando, afinal cada cabeça é um mundo. Almir nasceu com essa espécie de missão e não podia negar a sua essência.

A INFÂNCIA

A música, dentre todas as expressões artísticas, tem o poder impactante de tocar a nossa alma e nos emocionar, ela nos arrepia e nos transporta para longínquos lugares, trazendo lembranças impactantes. Foi mais ou menos assim para o menino Padilha. Ainda criança ele prestava atenção na mãe cantando enquanto fazia os afazeres domésticos…

“… seu mal é comentar o passado, ninguém precisa saber o que houve entre nós dois, o peixe é pros fundos das redes, segredo é pra quatro paredes, não deixe que os males pequeninos venham transformar os nossos destinos, o peixe é pros fundos das redes, segredos é pra quatro paredes, primeiro é preciso julgar pra depois condenar…” (Herivelto Martins e Marino Pinto).

Conversando comigo, desenrolando o novelo de sua vida, Almir começou a cantar Dalva de Oliveira, quando perguntei o que sua mãe cantava. Tinha bom gosto a mãezinha do nosso artista. Os repertórios dela eram buscados na era do rádio. Ela sempre trazia uma música na ponta da língua, portanto Almir guarda essa deliciosa lembrança da mãe.

Num tempo sem televisão nem aparelho celular, ouvir música era privilégio a poucos lugares. Desse modo desenvolvia nele, involuntariamente, a musicalidade que o acompanharia durante toda a vida. Escutando canções aqui e ali, no rádio Canarinho em destaque na sala de estar ou na radiola ABC em sua casa, com o seu “som de alta fidelidade”, ou nas “bocas de ferro” dos espaços de sociabilidade de Parnamirim, era o melhor passatempo para Almir.

Os parques de diversão que se arranchavam na cidade, sem saber, ofertavam para aquele menino a matéria-prima que exercitaria o seu talento musical. Naquela época os parques eram um acontecimento. A meninada chegava cedo e só ia pra casa quando as luzes se apagavam. Esse ambiente lhe permitia ouvir variados estilos, como forró, marchas populares carnavalescas, boleros, músicas internacionais, Jovem Guarda, MPB e tantos outros. Essa salada musical agradava o Almir que ainda não pensava nada sobre o seu futuro musical, mas gostava de prestar atenção nas melodias e letras.

insight mesmo ocorreu quando o irmão mais velho – Alberto – ganhou do padre da cidade uma “Sarafina”, que é um teclado com dispositivo ligado a um fole, cujo movimento produz o som característico, uma espécie de órgão. Alberto chegou com o presente e fez brilhar os olhos de Almir de forma diferente. Logo o instrumento enriqueceu musicalmente a família.

O calor da Jovem Guarda, a “sarafina” e um violão que chegou depois – também trazido por Alberto – hipnotizou o pequeno Almir. Eis que esses dois instrumentos nas mãos do irmão consistiram no trampolim que arremessou Almir para os ares da certeza de que seria um artista. Ele precisou apenas começar, e esse foi o começo. Assim foram surgindo sonhos musicais na imaginação fértil daquela criança que não tinha muita noção das coisas, mas sentia a música como a sua roupa e se via cantando em lugares, mesmo que apenas na imaginação.

Almir cresceu acompanhando o crescimento de Parnamirim, testemunhando vários episódios históricos e políticos. Ele nunca renegou suas origens ou sua identidade nordestina como diz ter visto alguns artistas fazerem no começo da carreira. Seu trabalho como compositor seria marcado pela valorização da cultura regional, por letras que abordam temas contestatórios, a denúncia, a defesa intransigente da música autoral e da liberdade de expressão. Essa postura lhe garantiria o respeito de seus admiradores e lhe permitiria compor em vários estilos.

Para ele a música sempre foi mais do que um simples interesse: “é um chamado”, algo que faz parte de sua essência. Desde a infância, ele abraçou essa paixão e perseguiu o sonho.

O JOVEM MÚSICO

Em 1966, os Beatles tomaram o mundo de assalto, enquanto, no Brasil, a Jovem Guarda ditava tendências e influenciava a juventude. Inspirado pelo fervor musical da época, Almir e alguns amigos da vizinhança formaram o que naqueles tempos eram chamados de "conjuntos musicais", equivalentes às atuais bandas e grupos. Assim nasceu "Os Diferentes", idealizado pelo jovem Padilha. Outros grupos surgiram, como "Os Mugs", criado por Nestor Lima, e "The Lions", pensado por Miguel Daladier. Esse foi o pontapé inicial de sua carreira musical num formato, digamos, profissional, pois era levado a sério e muito organizado.

O nome "Os Diferentes" já indicava a particularidades de Almir, que não se deixou levar pelas influências da Jovem Guarda que ditava a musicalidade brasileira com poucos resistentes. Seu estilo musical refletia a cultura nordestina, incorporando elementos do xote e do baião, enquanto defendia a música autoral. Essa era a sua digital.

Se porventura eu canto Zé Ramalho, Gilberto Gil, Alceu Valença, Caetano, João Gomes etc., e o povo aplaude, eles estão aplaudindo o artista que eu interpreto, é por isso que mesmo que eu ache que é legal enaltecer nossos geniais artistas, é melhor ser aplaudido por nossa própria criação; por isso eu luto pelo autoral”.

Em Parnamirim, Almir e os companheiros de “Grupos” se apresentavam muito no Clube Potiguar, o grande ponto da cidade, onde acontecia de tudo: bailes, shows, desfiles de moda, concursos de beleza, e tudo era regado a música. Faziam shows onde quer que os convidassem, desse modo animavam frequentemente a Associação de São José de Mipibu, os clubes de Macaíba, Monte Alegre, Goianinha, Canguaretama, Nísia Floresta, Pedro Velho, Santo Antônio, em todos os municípios próximos. “A gente queria mais era cantar, ser visto porque sabia que quem não é visto, não é lembrado”. Em Natal fizeram muitos shows nas Quintas Clubes, no Clube da Cidade da Esperança, no Alecrim Clube e em diversos lugares.

Embora muitos músicos preferiam interpretar os sucessos da Jovem Guarda, Almir, ainda que participasse dessa onda – para atender ao gosto popular – cultivava a sua digital própria. Desde o início suas composições já abordavam questões regionais e sociais carregadas de uma forte identidade nordestina. Há em suas composições uma criticidade.

O artista deve lutar para se projetar sem sacrificar o que ele é, sua cultura, suas tradições… tudo bem que ele é brasileiro, é do Brasil, mas carrega o seu cadinho, e nesse caso eu tenho a minha pele nordestina e canto o que é meu, o que sinto, o que vejo… se eu cantar diferente, não estarei sendo Almir”.

PRECURSORES

Numa cidade que ainda buscava se firmar culturalmente, ele e seus colegas abriram veredas para futuras gerações, inspirando novos talentos e conquistando admiradores, num tempo em que as serestas animavam as noites. Desse modo, despercebidamente, eles escreveram seus nomes no livro da história da música em Parnamirim. Inegavelmente são os pioneiros a trilhar essa estrada. Parnamirim já não seria mais a cidade sem referências musicais locais como Almir experimentou na sua infância.

Foram aproximadamente 8 anos dedicados a esse projeto dos “Grupos Musicais”. Com o tempo, Almir foi sentindo que se quisesse evoluir artisticamente e conquistar projeção nacional, precisaria seguir os passos de muitos jovens talentos de sua geração – de diversos estados do país – e ir para o epicentro da cena musical brasileira...

NA TERRA DA GAROTA DE IPANEMA

Aos 22 anos, Almir decidiu embarcar nessa jornada rumo à cidade onde a icônica "Garota de Ipanema" ganhara fama – e ali também encontraria a sua musa. Ele levou consigo sua inseparável nordestinidade, suas influências do xote e do baião, a defesa da música autoral, a irreverência e a mensagem crítica (qualidades que hoje parecem meio diluídas em alguns artistas nordestinos, salvas as devidas exceções). Sobre sua trajetória, ele se auto-define:

"Almir Padilha é um cara dedicado à música, a música é um sacerdócio, uma coisa assim, acima de qualquer coisa. A música é um projeto de vida para mim. Componho e trabalho essa questão do autoral, de levar essa música adiante. É um esforço imenso, mas, no caminho, encontramos pessoas, amigos criativos, que tornam tudo mais possível."

Aos 22 anos, ele chegou ao Rio de Janeiro, decidido a encontrar o seu espaço. Lá, bateu à porta de gravadoras, conheceu empresários e estabeleceu conexões no meio musical. Fez amizade com artistas jovens que também estavam em busca de um lugar ao sol, como ninguém menos que Xangai, Vital Farias, Alceu Valença, Djavan, Zé Ramalho, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Lenine, e outros. O cenário musical vivia um momento vibrante. Essas amizades foram-lhe fundamentais para troca de ideias e fortalecimento, até porque ali estava o Brasil em termos do conglomerado de artistas vindos de muitos estados, inclusive o Nordeste marcou forte presença. Ao longo de sua experiência no Rio de Janeiro, Almir residiu em Copacabana, Ipanema e Flamengo.

Em 1981 ele conheceu a jovem Maria Clara Gonzaga de Almeida, estudante de piano na Escola Nacional de Música. Ela residia no bairro Laranjeiras. Foi uma paixão fulminante. Em 1984 eles se casaram. Como Clara também integrava o meio musical, eles formaram a dupla Almir Padilha e Maria Clara, e gravaram o LP “Tudo de Bom”. Foi um sucesso.

Clara é uma artista, tem a alma de artista, é um ser especial, uma grande mãe, uma admirável mulher”.

Alguns jovens desconhecem, mas LP é semelhante a um CD gigante, de plástico preto com um furo no meio que se acomoda num pino sobre um prato emborrachado em rotação. Sobre o LP é deslocado um braço com uma agulha que percorre os sulcos ao longo da rotação (e tudo isso se chama “radiola”) produzindo o som. É necessário virar o disco, pois cada lado cabe seis músicas. Desse modo, ouve-se um lado e depois, ouve-se o outro.

No LP “Tudo de Bom”, Almir e Clara cantavam seis faixas cada um. Eles se apresentavam diariamente nas noites cariocas, em shows públicos, hotéis, restaurantes, parques e em grandes eventos contratados por empresários à ocasião de grandes eventos como reveillon, Natal, aniversários de empresas, enfim eram super requisitados.

A FAMÍLIA DE ALMIR PADILHA

Almir e Maria Clara tiveram dois filhos: Caio Vítor Gonzaga Padilha (músico e sociólogo) e Amanda Gonzaga Padilha (filósofa). O casal batalhou intensamente para defender sua arte e a qualidade poética das composições, tornando-se presença constante nas noites cariocas ao lado de sua esposa e, doravante, assistidos pelos filhos que acompanhavam suas carreiras.

Mas vejam como é a vida. Não que Almir tenha se frustrado com o passado, mas o apoio que lhes faltou dos pais – por uma questão cultural – transformou-se numa força imperceptível que convergiu no filho. Ele observou a aptidão musical de Caio e, como o bom jardineiro, regou a plantinha com a mais singela das águas e o mais nobre dos nutrientes naturais; espontaneamente, sem interferir, sem exigir, sem moldar. Apenas presenteando-o com orientações iniciais. Assim dos pais músicos, brotou o filho músico de alma própria.

A musicalidade em Caio se despertou precocemente. Fiquei super feliz, olhando, incentivando naturalmente, sem forçar, sem me projetar nele, mas aguando a plantinha, até porque era uma história diferente da que eu tive. Ele, com pai músico, poderia estar imitando o pai – coisa que não aconteceu comigo – que não tive essa referência, mas eu olhava para ele deixando ele livre, tipo, vai ser o que você quiser… de repente ele nem vai pender para o caminho que eu pendi… mas o papai tá aqui só olhando pra ajudar...”

Caio se tornou um músico renomado. É um músico brasileiro, cheio da força nordestina. E também é sociólogo. Amanda – embora não viva sem música – escolheu filosofar. É formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Olha que diferente: uma filósofa no meio de três músicos: eu, a mãe e o irmão, que coisa espetacular! São os amores da minha vida. Sou o que sou por muitos, mas em especial por eles, a razão do meu viver...”

Almir seguiu batalhando intensamente para defender sua arte e a qualidade poética de suas composições, tornando-se presença constante nas noites cariocas ao lado da esposa.

“… No Rio de Janeiro alcancei muitos dos meus objetivos, e outros permaneceram como sonhos...”

Foram 20 anos de vivência na capital carioca até que o casal resolveu se separar de forma amigável.

O RETORNO AO RIO GRANDE DO NORTE

Em 1994, após duas décadas no Rio de Janeiro, Almir decidiu retornar ao Rio Grande do Norte, seguindo os princípios que sempre nortearam sua vida. Reinstalado em sua terra natal, ele continuou sua busca por reconhecimento, mantendo viva sua essência artística e cultural até o presente.

Até meado da década de 80 a revelação de um artista estava praticamente monopolizada por gravadoras que eram dispendiosas. Elas eram o único local em que um músico gravava e se projetava. Não era tão simples gravar. Alguns artistas matavam um leão por dia para entrar nesse espaço. No final da década de 80 para início dos anos 90, as gravadoras passaram a viver uma experiência que lentamente lhes tornariam obsoletas.

Eis que surgem as gravadoras independentes em toda esquina e em todo o Brasil. Os equipamentos se tornam mais acessíveis e baratos comparados ao passado. Os LPs e os discos Compacto se tornaram lentamente coisas do passado, e surge o fenômeno dos CD’s e DVDs.

Aquele bolachão preto, de plástico, esquisito, diminui para menos da metade e se transforma num disco prateado. Quem o via pela primeira vez sentiria a mesma estranheza de um jovem atual se deparando com um LP ou uma fita cassete. É um choque. Inicialmente era um produto caro, mas não demorou para se tornar acessível, inclusive, virou mercadoria chinesa espalhada do Oiapoque ao Chuí.

Em Natal, Almir observou que os artistas estavam realmente produzindo bem. Não havia diferença entre Natal e Rio de Janeiro para quem queria gravar. Com tal possibilidade ele resolveu se reinstalar em Parnamirim e fazer um trabalho independente.

Essa mudança ofereceu a Padilha uma renovação cultural em seu próprio estado, sem precisar da vivência em outras metrópoles, tendo em vista que nem sempre há receptividade fora. Eis que Almir e Maria Clara resolvem retomar o casamento. Ele se instala em Natal, faz concurso para professora na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e é aprovada. A retomada do casamento não dá certo e eles se separam definitivamente após seis meses.

A amizade entre nós nunca foi abalada e permanece até os dias atuais… é a mãe dos meus filhos e independente disso é uma pessoa maravilhosa, inteligente, admirável...”

Ao se reinstalar na terra de Elino Julião, de Câmara Cascudo, de Nísia Floresta, sua terra natal, gloriosamente chamada de Natal, descortinava-se um cenário em que os artistas locais contavam com grandes festivais. Havia excelentes premiações, embora, igual a todo artista, o prêmio cobiçado por Almir sempre era o reconhecimento. Estava decidido. Era 1994 e ele se inscreveu no Canta Nordeste, vencendo em segundo lugar com a música “Por trás dos olhos”.

Os primeiros lugares concorriam em nível de Nordeste. Almir não obteve bom resultado, mas sentiu a experiência como inspiração e ânimo para a próxima. No ano seguinte, concorrendo com “Saudade docê”, ganhou em primeiro lugar no Rio Grande e em 2º lugar em todo o Nordeste. O estímulo foi um Fiat Uno.

Claro que eu fiquei feliz com o carro, era um super carro… zero km, mas nada era maior do que o reconhecimento, com a vitória, com o seu talento... eu fiquei radiante...”.

Esses festivais tiveram fundamental importância na vida de Almir, nem tanto pelo prêmio, mas pelas portas que se abririam a partir daquele passo. Houve muita repercussão e consequentemente a mídia abraçou aquilo com efervescência. Foi um momento eletrizante que lhe deu abertura, pois a Globo Nordeste o tornou conhecido em muitos rincões Brasileiros.

ALMIR PADILHA HOJE

O movimento pós-gravadoras trouxe outra inovação importante e que permitiu a Almir construir novos caminhos sem perder a sua essência. As gravadoras do passado agradavam ao mercado. O artista podia ser excêntrico e até agradar diversos públicos, mas era ditado o estilo que ele deveria seguir. Uns cantavam só MPB, outros, Samba, alguns, Bossa… e assim por diante. Raramente o artista saia do estilo preferido pela gravadora.

Dia desses eu estava vendo aquele cantor famoso de ópera, aquele brasileiro bem jovem… esqueci o nome... ele está cantando belamente canções tipo MPB. É incrível isso. Uma coisa não diminui outra porque o talento dele é extraordinário, e de ambos os lados ele trabalha estilos refinados, belos…” (Almir se refere ao tenor Thiago Arancam).

Hoje essa forma independente permite que o artista grave diversos estilos, mesmo tendo a sua digital própria. Outro fenômeno que trouxe mudanças inimagináveis foi a internet. Ela fez desaparecer os CDs e os DVDs prateados, os quais já estão sendo chamados de “coisa antiga” pela meninada jovem que já não precisa mais de um conjunto de apetrechos para ouvir a boa música. O Youtube absorveu tudo isso.

O artista atual pode abrir uma live, fazer um show, compartilhar sua musicalidade ao vivo a qualquer instante e ser visto em todo o planeta. Desse modo, Almir canta MPB, forró, reggae, samba romântico, happy, tem até funk, e se duvidar, grava kpop (eu disse isso para ele e ele riu, afirmando que sim). Como se vê, uma música pode viralizar a partir de segundos. Tudo dependerá do estado de espírito, do momento, da circunstância. E o artista não pode perder oportunidades.

Almir segue morando em Parnamirim, curtindo e vivendo a sua arte, curtindo os filhos e os netos, firme no projeto de defesa da sua arte. Ele está aberto ao novo, sempre na mídia, produzindo música também em outros estilos e conquistando a muitos sem perder a identidade. Se as pessoas estão super felizes e pedem Almir Padilha, a felicidade é geral, pois a defesa pela música autoral é o seu forte.

Eu preservo o autoral porque a maior felicidade do artista é ser conhecido pelo que ele produz, é sua identidade… ser citado como referência para alguém, um cantor, um jovem iniciante, ser mencionado em comentários inteligentes sobre a boa música é o que todo artista quer… reconhecimento e respeito por parte de todos...”

Pois bem, a história do nosso músico querido serve de inspiração para todos. Almir foi aquele menino que se encantou com a música e um dia descobriu que essa deliciosa forma de arte poderia ser a sua vida. Hoje, abrindo o livro da história da música em Parnamirim colhemos esse belo e inspirador capítulo. Vimos que coisas aparentemente triviais podem mudar vidas. Aqueles dois instrumentos – a esquisita “sarafina” e, depois, o violão, chegados despretensiosamente – foram na verdade, dois deuses que, plenos de graça e de mãos dadas, vieram convidar Almir para estar no Livro da Música.

Eu estou muito feliz por esse reconhecimento, ver minha história sendo contada por outros… estou achando isso incrível, muito obrigado, não é vaidade, é gratidão, é sentir o respeito da terra em que você nasceu… se eu não sentisse respeito por Parnamirim, não estaria aqui...”



Ismael Alves é um parceiro incrível. A humildade mora ali, talvez anuviando um pouco a sua genialidade, num universo em que alguns não conseguem e nunca conseguirão compreender, nem ter o poder de compreender o artista. Ismael é o nosso Xangai, nosso Djavan, nosso Caetano… tem uma poética que coloca o povo pra pensar... talvez por isso ainda não teve o devido reconhecimento, mas a gente que é artista desafia tudo isso… É fácil compreender o artista para quem não sabe, porque é o único ser diferente de todos aqui na Terra… é só dizer ‘aquela pessoa é artista’ e está resolvido… deixe o artista acontecer…”


Interessante ler seu texto. Eu acabei notando uma coisa que nem eu tinha parado para pensar: o meu irmão foi o gatilho, ele que me fechou o círculo quando trouxe aquela “sarafina”. Aquilo me impactou, depois veio o violão… o meu irmão Alberto foi esse divisor de águas, pois a partir dali eu decidi que seria músico… acho que nem ele sabe disso”

Almir era conhecido em toda a Parnamirim como “O filho do seu Padilha”. Eis que a história muda e as pessoas passam a dizer “O pai do Almir Padilha”. Seus pais não estão mais aqui para apreciar o talento do filho. Qualquer dia Almir lhes dedicará música, afinal, se analisarmos poeticamente, eles o incentivaram sim. O maior incentivo foi o presente da vida. Almir é toda essa vida, é toda essa arte. L.C.FREIRE – IHGRN. 25.4.2025

FIM

ALGUMAS FRASES DE ALMIR:

Se perde um homem, mas ficam os seus pensamentos, pois pensamentos não morrem nem vem em vão”.

Voltei pra retirar as pedras e preparar de novo o chão. Sou fonte, sou a água doce na boca dessa plantação”.

Um agasalho com amor dá para nós dois”.

Além do amor, não há mais nada para sentir”.

* …… *

NOTA: Eu estava escrevendo a história de Almir Padilha há três meses. Eventualmente me sentava com ele, ouvia-o atentamente, só eu e ele. Eu com os dedos no teclado, escrevendo tudo o que ele contava. Depois organizava, enviava para ele, ele lia, me retornava, voltava, e tudo se repetia do mesmo jeito. Normalmente eu lia todo o texto em voz alta e ele ouvia atentamente. Vez ou outra fazia alguma observação e eu fazia a anotação em letra vermelha. Numa dessas leituras ele se emocionou. Os olhos ficaram vermelhos e lacrimejaram. E aquilo passou para mim. Deu um nó na garganta, mas não me inibi. Isso aconteceu quando ele falou sobre o irmão Alberto que ganhou uma “sarafina e trouxe para casa”, encantando-o. Assim ergui os pilares da sua história. Estava enriquecendo-o com detalhes. A cada vez que revisava, listava uma série de tópicos que precisavam constar na história e ser melhor explicado. Então era a vez que eu despejava tudo nele, obtendo os esclarecimentos. E tudo ia para o papel. Às vezes ele respondia pelo Whatsapp. 

O texto revisado por Almir Padilha no dia 28 de abril.

Encontramo-nos pela última vez – embora jamais imaginava sê-lo – no dia 30 de abril. Houve o feriado e o início do mês. No dia 5 de maio enviei mensagem, pedindo que ele trouxesse as fotografias. Havia pedido que ele organizasse fotografias interessantes da sua vida: os pais, a infância, adolescência, registros iniciais da sua carreira musical e materiais mais atuais. Também perguntei se ele podia me enviar dez letras de músicas autorais digitadas. E perguntei quantas músicas ele havia escrito ao longo da sua carreira. Ele não respondeu. 

Anotações dele

Ontem, 6 de maio, um sobrinho enviou mensagem pelo celular dele, comunicando a sua morte. Eu já estava sabendo através de uma postagem na internet seis horas antes. Estava perplexo. Então restou-me externar os meus sentimentos. Hoje fui ao velório no espaço Nestor Lima. Quando cheguei soube que o ataúde já estava no carro fúnebre. Havia muitas pessoas. Foi até melhor não vê-lo. Fica a imagem do último encontro. Ainda estavam ali muitos amigos e fãs. Vi o quanto ele era respeitado. Conheci sua filha e o seu filho. Foi rápido. Estava sendo encaminhando à Câmara Municipal, nesses dias, um dossiê postulando a condição de PATRIMÔNIO IMATERIAL DE PARNAMIRIM A ALMIR PADILHA. E, infelizmente, também não deu certo. No meu caso, não imaginava que a sua biografia acabaria assim. Deixei tudo no presente. Não quis deixar no passado. Não mudei nada. Eu pretendia fazer uma biografia mais encorpada, extraindo mais informações pessoais, com lista de amigos antigos dele, histórias interessantes, curiosidades, os últimos anos, o que ele estava pretendendo, como via Parnamirim, como via a Cultura, a política etc. A biografia que eu imaginava ser robusta, acabou incompleta. Mas é isso. Nada sabemos. Foi um choque para mim que vinha conversando com ele toda semana. É uma perda irreparável para Parnamirim. L.C.FREIRE - IHGRN - 7.5.2025