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ALMIR PADILHA
(OBSERVAÇÃO: essa biografia estava sendo escrita em comum acordo com Almir Padilha, na presença dele e com autorização dele até o último encontro que tivemos no dia 28 de abril, quando ele se sentou comigo e revisou toda a primeira versão impressa. Ontem soube da sua partida, portanto quis oferecer a Parnamirim o resultado desse trabalho, em memória desse artista querido por todos nesse momento de perda irreparável).
Reconhecer o talento notável do músico e compositor Almir Padilha é uma tarefa que fazemos sem esforços. É desnecessária qualquer apresentação, pois em Parnamirim, Almir é uma grife. No entanto, nem todos estão familiarizados com sua trajetória, suas raízes e sua família. Explorar essa nuança – conhecer mais sobre a sua vida – é uma forma de estreitar ainda nossa ligação com esse artista que tanto admiramos.
Nenhuma jornada é solitária, pois todos viemos de alguém e convivemos com muitos. Almir é mais do que apenas Almir: ele é Caio Padilha, é Armando Álvares Padilha, Irene Farias Padilha, é uma porção de amigos queridos, uma rede de pessoas que, direta ou indiretamente, foram instrumentos importantes na construção da sua essência de homem e de artista. São seus irmãos: Alberto (Beto), Armando (Maninho) e Irenilde (Leninha).
Embora se destaque como compositor e músico, com uma identidade artística singular, Almir carrega a influência de figuras marcantes da MPB, sendo muito criterioso nesse aspecto. Ele tem o gosto musical refinado. Conhecer um pouco sobre suas criações é tão valioso quanto compreender melhor sua própria trajetória. Esse artista pioneiro, que leva no coração a marca de Parnamirim, alcançou reconhecimento nacional e conviveu com ícones da música popular brasileira.
Seu nome de batismo é Almir Farias Padilha. Ele viu a luz de Parnamirim pela primeira vez no dia 24 de julho de 1951, quando dona Irene lhe ofertou essa luz e o abraçou... Naquela época, a cidade ainda sentia os efeitos da presença dos militares norte-americanos na Base Aérea durante a Segunda Guerra Mundial, embora calma, e começava a se estruturar, com suas ruas sendo traçadas, sua política se consolidando e seu comércio se desenvolvendo.
OS PAIS
Seu pai, Armando Álvares Padilha, natural de Canguaretama, era militar e depois de cumprir longo tempo na profissão, deu baixa e tornou-se enfermeiro da Base Aérea de Natal. Era um profissional tão querido, dedicado e experiente que se tornou conhecido como o médico de Parnamirim: “Dr. Padilha”. Mesmo que ele discordasse desse tratamento e nunca quis se sentir um médico, a população o tratava como doutor.
A mãe de Almir, dona Irene, veio de Galinhos e aos três meses mudou-se para Baia Formosa onde permaneceu até a mocidade. Naquela época o curso de ‘corte e costura’ era cobiçado. Toda moça tinha que ser prendada, saber os afazeres do lar e cozer, mesmo que o básico para arranjar bom casamento. Desse modo, sua madrinha de batismo a trouxe para Natal e a colocou para lidar com linha e agulha.

A chegada da jovem Irene à Natal foi boa para o jovem Armando que logo cresceu os olhos para ela, arrumando idas e vindas a Natal só para ver e admirar a moça de belos vestidos costurados por ela mesma. Nesses conformes, Armando e Irene se conheceram e começaram a namorar. Naquele tempo o namoro acontecia na sala, ao lado dos pais. Após o período do namoro, ficaram noivos, houve mais um período e, finalmente, se casaram. Em comum acordo, decidiram residir em Parnamirim, fixando residência na rua senador João Câmara.
Muito econômico e preocupado com o futuro, o sr. Armando foi se programando de maneira que ao longo do casamento construiu 14 casinhas para alugar. O casal se planejou para que o aluguel garantisse uma vida confortável para a família. Em 1953, já melhor estabilizado, ele vendeu todos os imóveis de aluguel e construiu uma das maiores casas no centro de Parnamirim com um grande quintal na rua Comandante Petit, próxima ao Clube Potiguar.
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Seus pais não viam a arte como um caminho viável para o futuro dos filhos. Logo, Almir encontrou resistência ao expressar sua vocação musical, mas ele agiu com sabedoria, sem criar confronto, compreendendo que não era o único a enfrentar o preconceito contra a carreira artística. Nesse aspecto ele sempre foi muito sereno e, devagarinho, a resistência foi se dissipando, afinal cada cabeça é um mundo. Almir nasceu com essa espécie de missão e não podia negar a sua essência.
A INFÂNCIA
A música, dentre todas as expressões artísticas, tem o poder impactante de tocar a nossa alma e nos emocionar, ela nos arrepia e nos transporta para longínquos lugares, trazendo lembranças impactantes. Foi mais ou menos assim para o menino Padilha. Ainda criança ele prestava atenção na mãe cantando enquanto fazia os afazeres domésticos…
“… seu mal é comentar o passado, ninguém precisa saber o que houve entre nós dois, o peixe é pros fundos das redes, segredo é pra quatro paredes, não deixe que os males pequeninos venham transformar os nossos destinos, o peixe é pros fundos das redes, segredos é pra quatro paredes, primeiro é preciso julgar pra depois condenar…” (Herivelto Martins e Marino Pinto).
Conversando comigo, desenrolando o novelo de sua vida, Almir começou a cantar Dalva de Oliveira, quando perguntei o que sua mãe cantava. Tinha bom gosto a mãezinha do nosso artista. Os repertórios dela eram buscados na era do rádio. Ela sempre trazia uma música na ponta da língua, portanto Almir guarda essa deliciosa lembrança da mãe.
Num tempo sem televisão nem aparelho celular, ouvir música era privilégio a poucos lugares. Desse modo desenvolvia nele, involuntariamente, a musicalidade que o acompanharia durante toda a vida. Escutando canções aqui e ali, no rádio Canarinho em destaque na sala de estar ou na radiola ABC em sua casa, com o seu “som de alta fidelidade”, ou nas “bocas de ferro” dos espaços de sociabilidade de Parnamirim, era o melhor passatempo para Almir.
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Os parques de diversão que se arranchavam na cidade, sem saber, ofertavam para aquele menino a matéria-prima que exercitaria o seu talento musical. Naquela época os parques eram um acontecimento. A meninada chegava cedo e só ia pra casa quando as luzes se apagavam. Esse ambiente lhe permitia ouvir variados estilos, como forró, marchas populares carnavalescas, boleros, músicas internacionais, Jovem Guarda, MPB e tantos outros. Essa salada musical agradava o Almir que ainda não pensava nada sobre o seu futuro musical, mas gostava de prestar atenção nas melodias e letras.
O insight mesmo ocorreu quando o irmão mais velho – Alberto – ganhou do padre da cidade uma “Sarafina”, que é um teclado com dispositivo ligado a um fole, cujo movimento produz o som característico, uma espécie de órgão. Alberto chegou com o presente e fez brilhar os olhos de Almir de forma diferente. Logo o instrumento enriqueceu musicalmente a família.
O calor da Jovem Guarda, a “sarafina” e um violão que chegou depois – também trazido por Alberto – hipnotizou o pequeno Almir. Eis que esses dois instrumentos nas mãos do irmão consistiram no trampolim que arremessou Almir para os ares da certeza de que seria um artista. Ele precisou apenas começar, e esse foi o começo. Assim foram surgindo sonhos musicais na imaginação fértil daquela criança que não tinha muita noção das coisas, mas sentia a música como a sua roupa e se via cantando em lugares, mesmo que apenas na imaginação.

Almir cresceu acompanhando o crescimento de Parnamirim, testemunhando vários episódios históricos e políticos. Ele nunca renegou suas origens ou sua identidade nordestina como diz ter visto alguns artistas fazerem no começo da carreira. Seu trabalho como compositor seria marcado pela valorização da cultura regional, por letras que abordam temas contestatórios, a denúncia, a defesa intransigente da música autoral e da liberdade de expressão. Essa postura lhe garantiria o respeito de seus admiradores e lhe permitiria compor em vários estilos.
Para ele a música sempre foi mais do que um simples interesse: “é um chamado”, algo que faz parte de sua essência. Desde a infância, ele abraçou essa paixão e perseguiu o sonho.
O JOVEM MÚSICO
Em 1966, os Beatles tomaram o mundo de assalto, enquanto, no Brasil, a Jovem Guarda ditava tendências e influenciava a juventude. Inspirado pelo fervor musical da época, Almir e alguns amigos da vizinhança formaram o que naqueles tempos eram chamados de "conjuntos musicais", equivalentes às atuais bandas e grupos. Assim nasceu "Os Diferentes", idealizado pelo jovem Padilha. Outros grupos surgiram, como "Os Mugs", criado por Nestor Lima, e "The Lions", pensado por Miguel Daladier. Esse foi o pontapé inicial de sua carreira musical num formato, digamos, profissional, pois era levado a sério e muito organizado.
O nome "Os
Diferentes" já indicava a particularidades de Almir, que não se deixou
levar pelas influências da Jovem Guarda que ditava a musicalidade brasileira
com poucos resistentes. Seu estilo musical refletia a cultura nordestina,
incorporando elementos do xote e do baião, enquanto defendia a música autoral.
Essa era a sua digital.
“Se porventura eu canto Zé
Ramalho, Gilberto Gil, Alceu Valença, Caetano, João Gomes etc., e o povo
aplaude, eles estão aplaudindo o artista que eu interpreto, é por isso que
mesmo que eu ache que é legal enaltecer nossos geniais artistas, é melhor ser
aplaudido por nossa própria criação; por isso eu luto pelo autoral”.
Em Parnamirim, Almir e os companheiros de “Grupos” se apresentavam muito no Clube Potiguar, o grande ponto da cidade, onde acontecia de tudo: bailes, shows, desfiles de moda, concursos de beleza, e tudo era regado a música. Faziam shows onde quer que os convidassem, desse modo animavam frequentemente a Associação de São José de Mipibu, os clubes de Macaíba, Monte Alegre, Goianinha, Canguaretama, Nísia Floresta, Pedro Velho, Santo Antônio, em todos os municípios próximos. “A gente queria mais era cantar, ser visto porque sabia que quem não é visto, não é lembrado”. Em Natal fizeram muitos shows nas Quintas Clubes, no Clube da Cidade da Esperança, no Alecrim Clube e em diversos lugares.

Embora muitos músicos preferiam interpretar os sucessos da Jovem Guarda, Almir, ainda que participasse dessa onda – para atender ao gosto popular – cultivava a sua digital própria. Desde o início suas composições já abordavam questões regionais e sociais carregadas de uma forte identidade nordestina. Há em suas composições uma criticidade.
“O artista deve lutar para se projetar sem sacrificar o que ele é, sua cultura, suas tradições… tudo bem que ele é brasileiro, é do Brasil, mas carrega o seu cadinho, e nesse caso eu tenho a minha pele nordestina e canto o que é meu, o que sinto, o que vejo… se eu cantar diferente, não estarei sendo Almir”.
PRECURSORES
Numa cidade que ainda buscava se firmar culturalmente, ele e seus colegas abriram veredas para futuras gerações, inspirando novos talentos e conquistando admiradores, num tempo em que as serestas animavam as noites. Desse modo, despercebidamente, eles escreveram seus nomes no livro da história da música em Parnamirim. Inegavelmente são os pioneiros a trilhar essa estrada. Parnamirim já não seria mais a cidade sem referências musicais locais como Almir experimentou na sua infância.
Foram aproximadamente 8 anos dedicados a esse projeto dos “Grupos Musicais”. Com o tempo, Almir foi sentindo que se quisesse evoluir artisticamente e conquistar projeção nacional, precisaria seguir os passos de muitos jovens talentos de sua geração – de diversos estados do país – e ir para o epicentro da cena musical brasileira...
NA TERRA DA GAROTA DE IPANEMA
Aos 22 anos, Almir decidiu embarcar nessa jornada rumo à cidade onde a icônica "Garota de Ipanema" ganhara fama – e ali também encontraria a sua musa. Ele levou consigo sua inseparável nordestinidade, suas influências do xote e do baião, a defesa da música autoral, a irreverência e a mensagem crítica (qualidades que hoje parecem meio diluídas em alguns artistas nordestinos, salvas as devidas exceções). Sobre sua trajetória, ele se auto-define:
"Almir Padilha é um cara dedicado à música, a música é um sacerdócio, uma coisa assim, acima de qualquer coisa. A música é um projeto de vida para mim. Componho e trabalho essa questão do autoral, de levar essa música adiante. É um esforço imenso, mas, no caminho, encontramos pessoas, amigos criativos, que tornam tudo mais possível."
Aos 22 anos, ele chegou ao Rio de Janeiro, decidido a encontrar o seu espaço. Lá, bateu à porta de gravadoras, conheceu empresários e estabeleceu conexões no meio musical. Fez amizade com artistas jovens que também estavam em busca de um lugar ao sol, como ninguém menos que Xangai, Vital Farias, Alceu Valença, Djavan, Zé Ramalho, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Lenine, e outros. O cenário musical vivia um momento vibrante. Essas amizades foram-lhe fundamentais para troca de ideias e fortalecimento, até porque ali estava o Brasil em termos do conglomerado de artistas vindos de muitos estados, inclusive o Nordeste marcou forte presença. Ao longo de sua experiência no Rio de Janeiro, Almir residiu em Copacabana, Ipanema e Flamengo.

Em 1981 ele conheceu a jovem Maria Clara Gonzaga de Almeida, estudante de piano na Escola Nacional de Música. Ela residia no bairro Laranjeiras. Foi uma paixão fulminante. Em 1984 eles se casaram. Como Clara também integrava o meio musical, eles formaram a dupla Almir Padilha e Maria Clara, e gravaram o LP “Tudo de Bom”. Foi um sucesso.
“Clara é uma artista, tem a alma de artista, é um ser especial, uma grande mãe, uma admirável mulher”.
Alguns jovens desconhecem, mas LP é semelhante a um CD gigante, de plástico preto com um furo no meio que se acomoda num pino sobre um prato emborrachado em rotação. Sobre o LP é deslocado um braço com uma agulha que percorre os sulcos ao longo da rotação (e tudo isso se chama “radiola”) produzindo o som. É necessário virar o disco, pois cada lado cabe seis músicas. Desse modo, ouve-se um lado e depois, ouve-se o outro.
No LP “Tudo de Bom”, Almir e Clara cantavam seis faixas cada um. Eles se apresentavam diariamente nas noites cariocas, em shows públicos, hotéis, restaurantes, parques e em grandes eventos contratados por empresários à ocasião de grandes eventos como reveillon, Natal, aniversários de empresas, enfim eram super requisitados.
A FAMÍLIA DE ALMIR PADILHA
Almir e Maria Clara tiveram dois filhos: Caio Vítor Gonzaga Padilha (músico e sociólogo) e Amanda Gonzaga Padilha (filósofa). O casal batalhou intensamente para defender sua arte e a qualidade poética das composições, tornando-se presença constante nas noites cariocas ao lado de sua esposa e, doravante, assistidos pelos filhos que acompanhavam suas carreiras.
Mas vejam como é a vida. Não que Almir tenha se frustrado com o passado, mas o apoio que lhes faltou dos pais – por uma questão cultural – transformou-se numa força imperceptível que convergiu no filho. Ele observou a aptidão musical de Caio e, como o bom jardineiro, regou a plantinha com a mais singela das águas e o mais nobre dos nutrientes naturais; espontaneamente, sem interferir, sem exigir, sem moldar. Apenas presenteando-o com orientações iniciais. Assim dos pais músicos, brotou o filho músico de alma própria.
“A musicalidade em Caio se despertou precocemente. Fiquei super feliz, olhando, incentivando naturalmente, sem forçar, sem me projetar nele, mas aguando a plantinha, até porque era uma história diferente da que eu tive. Ele, com pai músico, poderia estar imitando o pai – coisa que não aconteceu comigo – que não tive essa referência, mas eu olhava para ele deixando ele livre, tipo, vai ser o que você quiser… de repente ele nem vai pender para o caminho que eu pendi… mas o papai tá aqui só olhando pra ajudar...”
Caio se tornou um músico renomado. É um músico brasileiro, cheio da força nordestina. E também é sociólogo. Amanda – embora não viva sem música – escolheu filosofar. É formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
“Olha que diferente: uma filósofa no meio de três músicos: eu, a mãe e o irmão, que coisa espetacular! São os amores da minha vida. Sou o que sou por muitos, mas em especial por eles, a razão do meu viver...”
Almir seguiu batalhando intensamente para defender sua arte e a qualidade poética de suas composições, tornando-se presença constante nas noites cariocas ao lado da esposa.
“… No Rio de Janeiro alcancei muitos dos meus objetivos, e outros permaneceram como sonhos...”
Foram 20 anos de vivência na capital carioca até que o casal resolveu se separar de forma amigável.
O RETORNO AO RIO GRANDE DO NORTE
Em 1994, após duas décadas no Rio de Janeiro, Almir decidiu retornar ao Rio Grande do Norte, seguindo os princípios que sempre nortearam sua vida. Reinstalado em sua terra natal, ele continuou sua busca por reconhecimento, mantendo viva sua essência artística e cultural até o presente.
Até meado da década de 80 a revelação de um artista estava praticamente monopolizada por gravadoras que eram dispendiosas. Elas eram o único local em que um músico gravava e se projetava. Não era tão simples gravar. Alguns artistas matavam um leão por dia para entrar nesse espaço. No final da década de 80 para início dos anos 90, as gravadoras passaram a viver uma experiência que lentamente lhes tornariam obsoletas.
Eis que surgem as gravadoras independentes em toda esquina e em todo o Brasil. Os equipamentos se tornam mais acessíveis e baratos comparados ao passado. Os LPs e os discos Compacto se tornaram lentamente coisas do passado, e surge o fenômeno dos CD’s e DVDs.
Aquele bolachão preto, de plástico, esquisito, diminui para menos da metade e se transforma num disco prateado. Quem o via pela primeira vez sentiria a mesma estranheza de um jovem atual se deparando com um LP ou uma fita cassete. É um choque. Inicialmente era um produto caro, mas não demorou para se tornar acessível, inclusive, virou mercadoria chinesa espalhada do Oiapoque ao Chuí.
Em Natal, Almir observou que os artistas estavam realmente produzindo bem. Não havia diferença entre Natal e Rio de Janeiro para quem queria gravar. Com tal possibilidade ele resolveu se reinstalar em Parnamirim e fazer um trabalho independente.
Essa mudança ofereceu a Padilha uma renovação cultural em seu próprio estado, sem precisar da vivência em outras metrópoles, tendo em vista que nem sempre há receptividade fora. Eis que Almir e Maria Clara resolvem retomar o casamento. Ele se instala em Natal, faz concurso para professora na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e é aprovada. A retomada do casamento não dá certo e eles se separam definitivamente após seis meses.
“A amizade entre nós nunca foi abalada e permanece até os dias atuais… é a mãe dos meus filhos e independente disso é uma pessoa maravilhosa, inteligente, admirável...”
Ao se reinstalar na terra de Elino Julião, de Câmara Cascudo, de Nísia Floresta, sua terra natal, gloriosamente chamada de Natal, descortinava-se um cenário em que os artistas locais contavam com grandes festivais. Havia excelentes premiações, embora, igual a todo artista, o prêmio cobiçado por Almir sempre era o reconhecimento. Estava decidido. Era 1994 e ele se inscreveu no Canta Nordeste, vencendo em segundo lugar com a música “Por trás dos olhos”.
Os primeiros lugares concorriam em nível de Nordeste. Almir não obteve bom resultado, mas sentiu a experiência como inspiração e ânimo para a próxima. No ano seguinte, concorrendo com “Saudade docê”, ganhou em primeiro lugar no Rio Grande e em 2º lugar em todo o Nordeste. O estímulo foi um Fiat Uno.
“Claro que eu fiquei feliz com o carro, era um super carro… zero km, mas nada era maior do que o reconhecimento, com a vitória, com o seu talento... eu fiquei radiante...”.
Esses festivais tiveram fundamental importância na vida de Almir, nem tanto pelo prêmio, mas pelas portas que se abririam a partir daquele passo. Houve muita repercussão e consequentemente a mídia abraçou aquilo com efervescência. Foi um momento eletrizante que lhe deu abertura, pois a Globo Nordeste o tornou conhecido em muitos rincões Brasileiros.
ALMIR PADILHA HOJE
O movimento pós-gravadoras trouxe outra inovação importante e que permitiu a Almir construir novos caminhos sem perder a sua essência. As gravadoras do passado agradavam ao mercado. O artista podia ser excêntrico e até agradar diversos públicos, mas era ditado o estilo que ele deveria seguir. Uns cantavam só MPB, outros, Samba, alguns, Bossa… e assim por diante. Raramente o artista saia do estilo preferido pela gravadora.
“Dia desses eu estava vendo aquele cantor famoso de ópera, aquele brasileiro bem jovem… esqueci o nome... ele está cantando belamente canções tipo MPB. É incrível isso. Uma coisa não diminui outra porque o talento dele é extraordinário, e de ambos os lados ele trabalha estilos refinados, belos…” (Almir se refere ao tenor Thiago Arancam).
Hoje essa forma independente permite que o artista grave diversos estilos, mesmo tendo a sua digital própria. Outro fenômeno que trouxe mudanças inimagináveis foi a internet. Ela fez desaparecer os CDs e os DVDs prateados, os quais já estão sendo chamados de “coisa antiga” pela meninada jovem que já não precisa mais de um conjunto de apetrechos para ouvir a boa música. O Youtube absorveu tudo isso.
O artista atual pode abrir uma live, fazer um show, compartilhar sua musicalidade ao vivo a qualquer instante e ser visto em todo o planeta. Desse modo, Almir canta MPB, forró, reggae, samba romântico, happy, tem até funk, e se duvidar, grava kpop (eu disse isso para ele e ele riu, afirmando que sim). Como se vê, uma música pode viralizar a partir de segundos. Tudo dependerá do estado de espírito, do momento, da circunstância. E o artista não pode perder oportunidades.
Almir segue morando em Parnamirim, curtindo e vivendo a sua arte, curtindo os filhos e os netos, firme no projeto de defesa da sua arte. Ele está aberto ao novo, sempre na mídia, produzindo música também em outros estilos e conquistando a muitos sem perder a identidade. Se as pessoas estão super felizes e pedem Almir Padilha, a felicidade é geral, pois a defesa pela música autoral é o seu forte.
“Eu preservo o autoral porque a maior felicidade do artista é ser conhecido pelo que ele produz, é sua identidade… ser citado como referência para alguém, um cantor, um jovem iniciante, ser mencionado em comentários inteligentes sobre a boa música é o que todo artista quer… reconhecimento e respeito por parte de todos...”
Pois bem, a história do nosso músico querido serve de inspiração para todos. Almir foi aquele menino que se encantou com a música e um dia descobriu que essa deliciosa forma de arte poderia ser a sua vida. Hoje, abrindo o livro da história da música em Parnamirim colhemos esse belo e inspirador capítulo. Vimos que coisas aparentemente triviais podem mudar vidas. Aqueles dois instrumentos – a esquisita “sarafina” e, depois, o violão, chegados despretensiosamente – foram na verdade, dois deuses que, plenos de graça e de mãos dadas, vieram convidar Almir para estar no Livro da Música.
“Eu estou muito feliz por esse reconhecimento, ver minha história sendo contada por outros… estou achando isso incrível, muito obrigado, não é vaidade, é gratidão, é sentir o respeito da terra em que você nasceu… se eu não sentisse respeito por Parnamirim, não estaria aqui...”
“Ismael Alves é um parceiro incrível. A humildade mora ali, talvez anuviando um pouco a sua genialidade, num universo em que alguns não conseguem e nunca conseguirão compreender, nem ter o poder de compreender o artista. Ismael é o nosso Xangai, nosso Djavan, nosso Caetano… tem uma poética que coloca o povo pra pensar... talvez por isso ainda não teve o devido reconhecimento, mas a gente que é artista desafia tudo isso… É fácil compreender o artista para quem não sabe, porque é o único ser diferente de todos aqui na Terra… é só dizer ‘aquela pessoa é artista’ e está resolvido… deixe o artista acontecer…”
“Interessante ler seu texto. Eu acabei notando uma coisa que nem eu tinha parado para pensar: o meu irmão foi o gatilho, ele que me fechou o círculo quando trouxe aquela “sarafina”. Aquilo me impactou, depois veio o violão… o meu irmão Alberto foi esse divisor de águas, pois a partir dali eu decidi que seria músico… acho que nem ele sabe disso”
Almir era conhecido em toda a Parnamirim como “O filho do seu Padilha”. Eis que a história muda e as pessoas passam a dizer “O pai do Almir Padilha”. Seus pais não estão mais aqui para apreciar o talento do filho. Qualquer dia Almir lhes dedicará música, afinal, se analisarmos poeticamente, eles o incentivaram sim. O maior incentivo foi o presente da vida. Almir é toda essa vida, é toda essa arte. L.C.FREIRE – IHGRN. 25.4.2025
FIM
ALGUMAS FRASES DE ALMIR:
“Se perde um homem, mas ficam os seus pensamentos, pois pensamentos não morrem nem vem em vão”.
“Voltei pra retirar as pedras e preparar de novo o chão. Sou fonte, sou a água doce na boca dessa plantação”.
“Um agasalho com amor dá para nós dois”.
“Além do amor, não há mais nada para sentir”.
* …… *
NOTA: Eu estava escrevendo a história de Almir Padilha há três meses. Eventualmente me sentava com ele, ouvia-o atentamente, só eu e ele. Eu com os dedos no teclado, escrevendo tudo o que ele contava. Depois organizava, enviava para ele, ele lia, me retornava, voltava, e tudo se repetia do mesmo jeito. Normalmente eu lia todo o texto em voz alta e ele ouvia atentamente. Vez ou outra fazia alguma observação e eu fazia a anotação em letra vermelha. Numa dessas leituras ele se emocionou. Os olhos ficaram vermelhos e lacrimejaram. E aquilo passou para mim. Deu um nó na garganta, mas não me inibi. Isso aconteceu quando ele falou sobre o irmão Alberto que ganhou uma “sarafina e trouxe para casa”, encantando-o. Assim ergui os pilares da sua história. Estava enriquecendo-o com detalhes. A cada vez que revisava, listava uma série de tópicos que precisavam constar na história e ser melhor explicado. Então era a vez que eu despejava tudo nele, obtendo os esclarecimentos. E tudo ia para o papel. Às vezes ele respondia pelo Whatsapp.
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O texto revisado por Almir Padilha no dia 28 de abril. |
Encontramo-nos pela última vez – embora jamais imaginava sê-lo – no dia 30 de abril. Houve o feriado e o início do mês. No dia 5 de maio enviei mensagem, pedindo que ele trouxesse as fotografias. Havia pedido que ele organizasse fotografias interessantes da sua vida: os pais, a infância, adolescência, registros iniciais da sua carreira musical e materiais mais atuais. Também perguntei se ele podia me enviar dez letras de músicas autorais digitadas. E perguntei quantas músicas ele havia escrito ao longo da sua carreira. Ele não respondeu.
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Anotações dele |
Ontem, 6 de maio, um sobrinho enviou mensagem pelo celular dele, comunicando a sua morte. Eu já estava sabendo através de uma postagem na internet seis horas antes. Estava perplexo. Então restou-me externar os meus sentimentos. Hoje fui ao velório no espaço Nestor Lima. Quando cheguei soube que o ataúde já estava no carro fúnebre. Havia muitas pessoas. Foi até melhor não vê-lo. Fica a imagem do último encontro. Ainda estavam ali muitos amigos e fãs. Vi o quanto ele era respeitado. Conheci sua filha e o seu filho. Foi rápido. Estava sendo encaminhando à Câmara Municipal, nesses dias, um dossiê postulando a condição de PATRIMÔNIO IMATERIAL DE PARNAMIRIM A ALMIR PADILHA. E, infelizmente, também não deu certo. No meu caso, não imaginava que a sua biografia acabaria assim. Deixei tudo no presente. Não quis deixar no passado. Não mudei nada. Eu pretendia fazer uma biografia mais encorpada, extraindo mais informações pessoais, com lista de amigos antigos dele, histórias interessantes, curiosidades, os últimos anos, o que ele estava pretendendo, como via Parnamirim, como via a Cultura, a política etc. A biografia que eu imaginava ser robusta, acabou incompleta. Mas é isso. Nada sabemos. Foi um choque para mim que vinha conversando com ele toda semana. É uma perda irreparável para Parnamirim. L.C.FREIRE - IHGRN - 7.5.2025