Diferente do passado, em que os nativos buscavam essa localidade para descanso, lazer - e “retiro”, para os evangélicos -, Camurupim, hoje, é um caldeirão fervilhante. Nesse turbilhão há diversão para todos os gostos. Nada lembra o bucolismo, a tônica lírira e singela dos tempos d’outrora. As florestas de coqueirais gigantescos, mangues que vinham tomar água nas margens dos arrecifes, a típica mata rasteira, perdeu lugar para as casas e ruelas desconexas, que forram as dunas de alvenaria. Há um desenho montanhoso de casas desconexas, um labirinto que forra as dunas. Camurupim vira cidade durante o carnaval.
Há casos de casas minúsculas que abrigam até 100 foliões. Na hora da madorna o terraço se transforma em tapete humano. A madrugada também é oportunidade para os gatunos que, tais quais os “pés-de-lã”, passeiam mansos, silenciosos, recolhendo carteiras, roupas de marca e celulares. Alguns fazem do varal alheio o seu Midway Mall.
O trânsito de carros, motos, bicicletas e pedestres na estreita e perigosa passarela de piche, divide espaço com vendedores ambulantes, carrinhos de sorvete, cachorros... é a Índia de Papari.
A “Rua dos crentes” - como chamavam os mais idosos -, quase não tem mais crentes, mas eles são presenças garantidas ali - adoram! -, pois apreciam a “Sodoma e Gomorra” que se instala. Já não curtem nem tanto o retiro - até porque retiro é clausura, afastamento e oração -, mas o retiro da fuzarca. São os primeiros a se sentarem nas muretas das varandas, assistindo a tudo o que desfila na passarela do “pecado”. Riem, divertem-se, vão às gargalhadas com o que, nos discursos, alegam ser coisa do mundo, perdição e pecado. Ninguém sabe quem é crente, quem é macumbeiro, quem é ateu, quem é católico... todos ficam iguais nesse Carnaval.
Quem buscar sossego ou tiver um grau maior de pudor e recato, não apareça ali, pois a “Rua dos crentes”, treme. A Harpa Cristã desapareceu para aparecer um terremoto dos carros de som. As aparelhagens nas casas ou os paredões nos carros fazem uma orquestra dos infernos.
As músicas típicas de carnaval quase desapareceram. Soam acanhadas, engolidas pelas “swingueiras” com letras de cunho sexual, normalmente apelativas. A marchinha perdeu espaço para coreografias cheias de sensualidade, por vezes mais lembram uma cópula que uma dança. Cada um expõe o seu gosto musical, numa palreira louca.
Ali passa o desfile do “Barreta Gay”, cujas fantasias e apetrechos vão desde uma simples e ingênua máscara a vestidinhos ousados, que aventam os dotes masculinos numa tônica de malícias, insinuações, ditos picantes e muita zombaria. Verdadeiro escárnio… numa volúpia que coraria Cassandra Rios.
Não apareça com ares de remoque que poderá ser “linchado”, pois, naquele momento o capeta está solto na freguesia. Carros, ônibus, pessoas, muros e até os postes ficam tingidos de araruta, trigo, farinha, espuma de spray, tinta e água. As “caras e bocas” de homens vestidos de mulher, pessoas seminuas, o barulho, a “risadagem” cria um cenário dantesco.
Mas - graças a uns poucos -, nem tudo é “modernidade”. Sobrevive, intacto, os encantadores “papangus”; normalmente meninos em busca de trocados, comida ou refrigerante, conforme reza a tradição. Eles percorrem Camurupim, Barreta e Barra de Tabatinga, batendo latas, fantasiados e com o rosto tapado com máscara de pano, mas despercebidos. Invisível é aquele retalho de carnaval genuíno.
Camurupim vira metrópole, com direito à coleta de lixo que quase não acaba. Surgem padarias, bares, restaurantes, sorveterias, vendedores ambulantes, pousadas com freguesias sem fim. Entregadores de água e gás requebram lá e cá, sem parar a sua dança do dinheiro entrando. Dizem até que alguns ficam ricos nessa época. A Camurupim das casinhas de palha e cenário paradisíaco encantou-se… L.C.F. 7.9.2018.
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