A praia de Camurupim é uma extensão de Papary. A história é testemunha que nenhuma outra praia se fez mais presente na vida dos nativos desse pedacinho do litoral potiguar, principalmente no carnaval. É amor antigo, desde a época em que se iam ao lombo dos jumentos, rasgando veredas, desafiando as areias de talco e as garrancheiras.
Famílias inteiras empreendiam essas viagens épicas, levando nos cestos toda sorte de alimentos: farinha, rapadura, macaxeira, café, batata doce, fruta-pão, inhame, banana, laranja, jaca, carne-de sol, miúnça de feira… tudo o que as posses permitiam. As garrafas de Pitu ou a famosa “cabumba” do Timbó iam escondidas das crianças; coisa de adulto.
Cada um levava a feira da temporada. “Levavam o grosso, pois o peixe estava lá na beira da casa”, como me contou dona Leonísia (1992). Quem fazia o controle rigoroso dos almoços e jantares era a mãe, sempre sábia na partilha (aquele costume antigo de a mãe preparar o prato, coisa que quase não se vê mais).
Pobre a rico se juntavam nesse vavavu que fazia a alegria da meninada. Era época de se fartar de peixe, pegos quase nas mãos pela abundância. Boldo não faltava, em caso de empanzinamento, aliás, ninguém se esquecia das meisinhas, num tempo sem farmácias nem hospitais.
As casinhas de taipa ou palha se perfilavam, emoldurando a língua de areia branca, distando poucos metros umas das outras. As fogueiras alumiavam as noites escuras ou estreladas, ardendo até altas horas, circundadas pelas famílias que contavam causos sentadas nos bancos de tronco de coqueiros, assistidas pelas crianças. Tempo em que eram felizes e não sabiam. Os “luais” paradisíacos se encarregavam de trazer uma luz cheia de feitiços. Era tempo em que os nativos estavam dentro de um poema de paz.
Os mais velhos embalavam essas noites mágicas com incontáveis histórias de “trancoso”, levando muito menino a dormir fantasiados de medo. O silêncio da noite era quebrado quando o vento arrastava as canções sacras da Harpa Cristã na famosa “Rua dos Crentes”. Eram os evangélicos verdadeiros que - pasmem - tinham como única e exclusiva missão levar o Evangelho a toda criatura -, e hoje, quase extintos, cederam ao mundanismo que tanto criticavam. Os coqueirais sem fim se encarregavam de dar à paisagem um tom de cartão postal. Imagens e histórias de rara beleza, engolidas pela urbanidade do presente.
Era assim o “carnaval” antigo da Praia de Camurupim. Assim me contou dona Leonísia (in memorian), aos 90 anos, avó de Lurdinha Lemos. OBS. A pessoa fotografada nessa imagem é o sr. “Zé Carão”, um dos fundadores dessa praia.
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