TEMPO
Tempo. Tempo. Tempo. Dia
desses pensava sobre o tempo. Vivemos em função dele, numa proporção
desenfreada, e não das coisas fundamentais da vida. Não temos tempo para parar diante
das lojas e contemplar as prateleiras, pois precisamos chegar correndo ao
trabalho.
Quando retornamos do trabalho
- à tardinha - não podemos novamente olhar as prateleiras, pois precisamos
chegar correndo em casa.
No final de semana não é
possível ir à praia. Temos que concluir afazeres domésticos ou profissionais
que ficaram pendentes... e assim estamos sempre correndo... correndo...
correndo, preocupados com o tempo.
Pior: quase sempre não concluímos
o que para ser feito para nós. Tudo o que é dos outros, damos conta, mas o que
é nosso deixamos para depois.
O poema que começamos a
escrever fica nas gavetas, amarelando. Nossos projetos pessoais ficam na mente,
em stand by.
Vivemos atropelados
pelo tempo. Sempre.
Parecemos o coelho da
história de "Alice no país das maravilhas". O bichinho vivia correndo
e olhando o relógio, loucamente apressado, dizendo: "estou atrasado!",
"estou com pressa!". Fazia tudo de forma atropelada.
Enquanto isso, Alice
encontra um gato esparramado num galho de árvore. Seu corpo aparece e
desaparece como mágica. Às vezes permanece apenas o seu sorriso em meia lua,
como de debochasse dos apressados.
O gato seria o tempo
disfarçado? Sua calma estaria sorrindo de nós? Ele também desaparece, deixando
apenas a cauda, como fosse uma cobra. A mansidão rastejante da cobra seria um
escárnio à pressa humana?
Logo, Alice lhe indaga,
apressadamente:
- "essa estrada
vai para onde?"
O gato, pleno de
paciência e serenidade, responde com outra pergunta:
- "para onde você
quer ir?"
Eufórica, ela replica:
- "Não sei para
onde quero ir, pois estou meio perdida".
Ouvindo aquela resposta
meio louca, o gato sentencia com paciência de monge:
- "Para aqueles
que não sabem para onde ir, qualquer estrada serve".
Parece que somos um
pouco esse coelho e essa Alice sem tempo para nada. A todo momento encontramos
um gato que também nos diz; "Para aqueles que não sabem para onde ir,
qualquer estrada serve".
Quando as coisas são para
nós, não encontramos a estrada. Sabemos o caminho quando as coisas são para os
outros.
Estamos sem tempo para
sermos gente. Parafraseando Chaplin, parecemos máquinas... sei lá!
As estradas estão
diante de nós, e nós, sem tempo, sequer as enxergamos.
Que bom irmos à praia,
sentirmos a areia e as ondas do mar?
Que bom pegarmos uma
estrada de terra, a pé ou de bicicleta, paramos naquela ponte, escutarmos o murmúrio
do rio, olharmos os pássaros, as formigas em carreira, colhermos flores
silvestres...
Que bom pularmos
naquele rio que nos parece tão relaxante?
Que bom visitarmos
aquele tio idoso que há tempo não o vimos (ele pode não estar lá amanhã).
Que bom plantarmos
aquele jardim que todo dia prometemos a nós mesmos iniciá-lo.
Que bom fazermos aquele
arroz doce que adoramos e o postergamos a todo instante?
Que bom concluirmos a
leitura daquele livro?
Que bom concluirmos
aquele texto que o pretendemos livro, mas parado está há dez anos?
Que bom separamos
aquelas roupas usadas para doarmos?
Que bom almoçarmos com
a nossa família, em plena segunda-feira, e sem pressa?
Tudo passa!
O tempo fica. Não
podemos ser escravos dele.
“Essa estrada vai para
onde?”:
Percebeu que as
estradas, os caminhos, as veredas estão diante dos nossos narizes?
Busquemos caminhos que
nos levem a nós, entremos dentro de nós, primeiramente. Encontremo-nos.
Busquemos estradas que
nos levem a nossa família, aos lugares que deixamos de lado o tempo todo.
Busquemos lugares
enxergados pelo coração.
Se continuarmos com
essa pressa desabalada, não viveremos a nossa vida. Viveremos as vidas dos
outros e das coisas. Vegetaremos como escravos do tempo.
E aquele filho que me
ama e pede para olharmos o riacho todos os dias?
O neto que pede para
fazermos brigadeiro há mais de dois anos?
Isso é desviver.
Isso é morte!
É morte porque não
viemos para cá cuidar de papéis, máquinas e coisas.
Viemos cuidar e sermos
cuidados por pessoas.
Que tal vivermos!
Nem que seja algumas
vezes por semana?
Que tal vivermos até o
dia de morrermos?
Tem que ser agora,
senão tudo passará, inclusive nossa família, nossos amigos.
O tempo nos levará tudo,
inclusive a nós.
Sobrarão lembranças
amargas para os que ficarem... seremos meras lembranças esquecidas com o tempo.
LUÍS CARLOS FREIRE – 1996
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