Você sabia
que na época do descobrimento do Brasil os índios não andavam pela
praia de Búzios? Sabe por quê? Pela quantidade de búzios
espalhados por toda a sua extensão. O vaivem das águas trazendo
novos búzios e arrastando os que já estavam ali, provocavam um
quebra-quebra sem fim. Quem passava perto ouvia aquele barulho de "louça" se quebrando. Esse fenômeno fazia com que as areias escondessem pedaços que mais pareciam navalhas.
Só louco para andar naquela praia.
Só louco para andar naquela praia.
Em 1591,
Anthony Knivet, um aventureiro inglês deixou a Inglaterra a bordo de
um navio pirata comandado por Thomas Cavendish. No trajeto, pela
costa brasileira, Knivet foi abandonado entre os índios canibais e
colonos selvagens, e "comeu o pão que o diabo amassou". Sua
história é digna de filme, pois os episódios vivenciados por ele
são inacreditáveis. Bem, mas por que estou contando essa
história, se o assunto em tese é sobre os búzios de Búzios?
Vamos por
parte. É que, tendo relido essa fascinante história, deparei-me com
um trecho no qual Knivet (que esteve no Rio Grande do Norte) explica uma frase em dialeto angolano para
ser usada quando se quer comprar pão "Tala cuna aven tumbula
gimbo", que
significa "Dê-me um pouco de pão, eis o dinheiro".
Segundo
ele, "seu dinheiro, chamado gullginbo,
é a concha de um crustáceo que encontram na praia, que os
portugueses levam em quantidade do Brasil para Angola".
Há também
uma citação de frei Vicente de Salvador "Há
no rio das Caravelas muito zimbo,
dinheiro de Angola, que são buziozinhos muito miúdos de que levam
pipas cheias, e trazem por elas navios de negros".
Por essa
razão lembrei-me de Câmara Cascudo, quando em seu História do Rio
Grande do Norte (1955), ao se referir à praia de Búzios, em Nísia
Floresta, diz: "O Pôrto de Búzios, praia abandonada, foi
muito citada nos documentos da primeira metade so déc. XVI pela
abundância de búzios que eram procurados, valendo dinheiro para
permutas comerciais (Artur Nehl Neiva, PROVENIÊNCIA DAS
PRIMEIRAS LEVAS DE ESCRAVOS AFRICANOS, Anais do IV Congresso de
História Nacional, vol. IV, Rio de Janeiro, 1950). Na Índia, China,
levados para a África pelos traficantes árabes, o búzio, Cypraea
moneta, Linneu (moneta, moeda) valia dinheiro corrente e comum,
denominado Cauri. Os escravos vindos co Congo para o Brasil diziam
njimbu ao búzio, provindo a popular sinonímia de gimbo aplicada ao
dinheiro em moeda. Jimbo ou zimbo divulgou-se facilmente entre os
comerciantes portugueses na África. No Brasil há outras espécies,
não sendo encontrada a espécie cypraea moneta e sim a exanthema.
João de Barros, o nosso Donatário, em março de 1564 obtinha do Rei
autorização para mandar buscar na Índia trezentos quintais de
búzios. Indígenas usavam o búzio como ornamento precioso e para
troca. Stradeli conta o ciúme dos indígenas amazonenses pelos seus
colares de conchas, recusando a permuta com espingardas de dois canos
e munição. Na Bahia cita-se uma Praia do Zimbo ao norte de Itapoã.
A nossa praia e antes Porto de Búzios era lugar de colheita. João de
Barros arrendava-o por quinhentos cruzados e dava autorização
difícil. Recebia mesmo, pela mão do seu procurador Antonio
Pinheiro, residente em Igaraçu, os búzios como pagamento das
anuidades do arrendamento ou da licença para ir apanhá-los. Já
não os encontrei quando visitei a deserta praia dos Búzios".
Essas
referências são muito curiosas, pois permitem-nos saber o quanto
valia uma peça que para nós era insignificante, exceto por sua
beleza (embora que nem fosse vista assim). Na realidade, a praia de
Búzios funcionava como a "Casa da Moeda" de países da
África. Observe que os nossos búzios tinham o peso do dólar, vamos
dizer assim, pois não existiam em outros lugares. Tanto é que eram
tidos como "dinheiro vivo", ou seja moeda. Veja que frei
Vicente diz que as caravelas saiam daqui pesadas de Búzios e
voltavam pesadas de escravos, ou seja, os escravos eram comprados com
búzios. Eis mais um episódio interessante para o estudante de Nísia
Floresta.
Ao contar essa história interessante, pensei sobre a questão da depredação da natureza. Vejam que é prática antiga. Não sou especialista e nem posso afirmar, mas os búzios, que apareciam "a torto e a direita" pela praia, desapareceram. Estariam em extinção?! Hoje, quem quer búzio (se é que se pode tê-lo), deve encomendar aos pescadores. Em 1992, lembro-me de uma senhora, por nome de Primininha (vejam que nome curioso). Eu a conheci através de Magna Vitória, de Genipapeiro. Ela enviuvara recentemente de um pescador que marcou época por seus mergulhos. Era personagem respeitadíssimo em Pirangi. Possuía barcos de pesca e fornecia lagosta para os principais restaurantes locais. Essa senhora doou-me um belíssimo Búzio, o qual mandei para a minha terra.Como lá não existe mar, é objeto de atração. Com certeza no mar de Búzios continuam nascendo os famosos búzios, mas ainda não são o bastante para serem lançados à praia como antes. Será que um dia veremos essa cena?
Boa noite, vi no texto que a praia de Buzios existia um porto, sabe dizer em que local ficava?
ResponderExcluirArley, infelizmente, apesar de abordar muitos nativos idosos de Nísia Floresta, ninguém nunca me respondeu com exatidão a sua pergunta.
ExcluirAlém de maravilhoso é incrível.Relato como esse faz grande falta,lacuna nas aulas de História do Brasil,principalmente nas escolas situadas nos municípios do litoral brasileiro.
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