ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO COMIGO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. O pelo formulário no próprio blog. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. O título NISIAFLORESTAPORLUISCARLOSFREIRE foi escolhido pelo fato de ao autor estudar a vida e a obra de Nísia Floresta desde 1992 e usar esse equipamento para escrever sobre a referida personagem. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto trechos com menção da fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

"PIRÃO BEM MOLE"

Fotografia: Newton Bruno

O "PIRÃO BEM MOLE" é um antiqüíssimo drama, provavelmente de origem portuguesa. Infelizmente a historiografia folclórica brasileira não registra esse folguedo e tampouco fala de sua gênese. Em 1992, quando visitei o município de Nísia Floresta pela primeira vez, fui informado pela estudante Edna Trindade, que existia na comunidade do Porto o referido drama. Fui até a casa de d. Raimunda (70 anos à época), uma das protagonistas. Ela atendeu-me acanhada. Apresentei-me, expliquei as razões que me levavam até sua casa. Insisti para que exibisse o drama na Yayá Paiva (principal escola municipal), mas ela foi ENFÁTICA AO DIZER que "o povo mangava", (mangar, na linguagem regional nordestina significa debochar), portanto não empreenderia novas exibições. Ressaltou que os nativos não valorizavam as apresentações, chamando-as de “cafona”, “coisa de 12” (regionalismo que significa: coisa velha). Sobre isso, salientei que infelizmente é muito comum as pessoas fazerem uso do velho dito: “santo de casa não faz milagre”, mas isso sinalizava uma questão de cultura e educação pessoal de cada qual; ademais não poderíamos condenar essas pessoas, pois não aprenderam a dar valor a suas raízes – a sua identidade. Mais: a ausência de políticas públicas contínuas, voltadas para o resgate e a revitalização de folguedos populares e valorização da memória, faz com que muitas pessoas rejeitem e até mesmo sintam vergonha da sua própria cultura. Já vi muitos casos assim.
Fotografia: Newton Bruno


Esse comportamento deplorável colabora muito com a decadência e até mesmo a extinção de muitos elementos culturais do nosso país.
Sobre o drama em si, d. Raimunda explicou que era protagonizado por ela (no papel de mãe) e por Salete (48 anos à época) uma vizinha (no papel de filho). Com relação às origens, destacou que aprendeu a letra do “Pirão Bem Mole” em 1934, aos 12 anos, em Tororomba, enquanto aluna da professora “BILUCA GADELHA”, uma senhora idosa e solteira, a qual ensinava a letra do folguedo, mas não o dramatizava, como faz d. Raimunda (infelizmente não consegui muitas informações sobre esta velha mestra). Lembrou que sua avó também conhecia a referida letra, dentre outras, ensinando-as em sua infância. Salientou que gostava muito de desempenhar papéis nos inúmeros dramas, tão comuns à época, principalmente na escola e nos festejos religiosos. Na realidade, D. Raimunda guarda em seu baú da memória um repertório de canções de grande beleza e significância histórica, como “BELAS PASTORAS”, que nos reporta às canções da Península Ibérica (a letra, de cunho moralista, fomenta a altivez da pastora, a qual renega o romance com fins mercenários). Trata-se da estória de um rei que se dirige a uma pastora para pedi-la em casamento, mas, ao invés de fazer uma declaração de amor com palavras mais românticas, vai logo oferecendo-a o seu palácio. Como resposta recebe a pronta rejeição.
Há também “Pà Rà Pà PÔ, de cunho humorístico. A graciosidade da plástica principalmente de D. Raimunda é o grande mote das exibições, inspirando aplausos a todo instante. Trineta de índios e tataraneta de escravos, d. Raimunda se auto-proclama “Cabocla”, e não é difícil perceber os traços impregnados nas inúmeras veredas sulcadas em seu rosto. Rosto lindo e cheio de história... verdadeiras odisséias.
Com tantas canções poderíamos perguntar: “Por que o grupo é chamado “PIRÃO BEM MOLE” e não “Pà Rà Pà PÔ ou “BELAS PASTORAS”? É fácil entender. Trata-se do drama principal e mais conhecido, inclusive muitas vezes a dupla sai para exibir apenas o referido drama. Mas então, o que é o ‘PIRÃO BEM MOLE”? Vamos começar pela letra:

FALA DE D. RAIMUNDA (MÃE):
“Eu tenho duzentos anos,
Ainda sou bem mocinha
Meu filho arruma um marido
Prá casar sua mãezinha

Refrão: FALA DAS DUAS

Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!

Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!

FALA DE SALETE (FILHO)
Ô mamãe ó que pecado,
Cuide logo em confessar.
A senhora tão velhinha
Ainda pensa em se casar

Refrão: FALA DAS DUAS

Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!

Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!

FALA DE D. RAIMUNDA:
Ô filho amaldiçoado,
Não lhe boto mais a benção.
Meu filho arranje um marido,
Ai que dor no coração!

Refrão: FALA DAS DUAS

Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!

Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!

FALA DE SALETE (FILHO)
Ô mamãe ó que pecado
Cuide logo em se confessar
A senhora tão velhinha ainda pensa em se casar
Refrão: (Fala das duas):
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Para nós dançar.
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Para nós dançar.

FALA DE D. RAIMUNDA:
Eu gosto do pirão bem mole,
Esquentado na gordura.
Eu sou uma velha sem dente,
Mais ainda como carne dura!

Refrão:(Fala das duas):
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!

Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!
Fotografia: Luís Carlos Freire
 
BELAS PASTORA ( 2º DRAMA)

Belas pastoras
Eu vim lhe falar
Se queres casar comigo.
Belas pastoras
Eu vim lhe falar
Se queres casar comigo.

Pra ser rainha do palácio
E morar no meu paraíso.
Pra ser rainha do palácio
E morar no meu paraíso.

Não quero a sua riqueza,
Nem mesmo a sua fidalguia.
Não quero a sua riqueza,
Nem mesmo a sua fidalguia.

Nem o seu rico tesouro,
Nem vou pra sua companhia.
Nem o seu rico tesouro,
Nem vou pra sua companhia.


PÃ, RÃ, PÃ, PÃ, PÃ, PÃ... (3º DRAMA)
 

Os moços que vêm de Cuba

Que vão pra praia pra namorar

Sou eu alma resguardada

Tenho vergonha de me amostrar


Eu não vou pras conversas

Daqueles falsos galãos (galãs)

No fim de tudo eles querem

É pã, rã, pã, pã, ninguém é besta não. 


 Ah, negro, move a cintura

Ah, negro chegue para cá! 

Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda a sua formosura

Ah, veja, que não pode mais.


Um dia um moço bonito

Tava querendo me namorar

Falou nos meus ouvidos segredos

Que eu não vou revelar


Eu não vou pras conversas

Daqueles falsos galãos (galãs)

No fim de tudo eles querem

É pã, rã, pã, pã, pã, pã 


Ah, negro, move a cintura

Ah, negro chegue para cá! 

Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda a sua saborosura

Ah, veja, que não pode mais.

 

As moças que vão na de Cuba

Que vão pra praia toda manhã

Vestindo roupinha curta

E passeando de catamarã

Não sabem da missa um terço

E do celebro que vão encontrar

No fim de tudo elas querem

É pã, rã, pã, pã, pã, pã... 


Ah, negro, move a cintura

Ah, negro chegue para cá! 

Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda a sua saborosura

Ah, veja, que não pode mais.


De todos negros do Porto

Existe um que é bem bonitão

O cabra é conversador,

Tem lábia pra um mihão

Eu não vou pras conversas

Desses falsos galãos (galãs)

No fim de tudo eles querem

É pã, rã, pã, pã, ninguém é besta não. (bis)


Ah, negro, move a cintura

Ah, negro chegue para cá! (Bis)

Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda a sua saborosura

Ah, veja, que não pode mais.


Ontem um mulatinho

Tava querendo me ca que cá,

Me disse: cabocla santa,

Quero ser o seu papai

Fomos ao seu apartamento

E onde se leva, se dá

Fiquei sozinha e pã, rã, pã, pã…


Ah, negro, move a cintura

Ah, negro chegue para cá! (Bis)


Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda a sua saborosura

Ah, veja, que não pode mais…


De todos os negros do Porto

Ele é o único que fala inglês

Ele sabe dizer gachimonha

E eu com pressa respondo yes

Todos os americanos

Dizem que vivem a turistar

Mas ao verem o Porto

Pã, rã, pã, pã…


Ai, negro, move a cintura.

Ai negro, se jogue para cá

Deixe-me sentir meu negrinho santo

Toda sua saborosura

Ai, veja, que não posso mais


De todos os negros do Porto

Existe um que é o mais gostosão

Que anda lá pelo cais

As negras ficam loucas

Por minha cintura em forma de flan

Por que dizem que eu tenho

Paranpanpan-pan-pan


Ai negro, move a cintura

Ai negro, se jogue pra cá

Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda sua saborosura

Ai, olhe, que não posso mais.

 
Como se pode perceber, a letra é de puro humor. Agora vamos nos voltar à história da dupla PIRÃO BEM MOLE.
Em 1980 as animadoras culturais do Porto, senhoras EDITE MARQUES (in memorian – ----) e TEREZINHA LEITE (in memorian – 1987), percebendo o talento de D. Raimunda, convidou D. Salete e formou a dupla, preparando-a para apresentar na FESTA DOS PADROEIROS “TODOS OS SANTOS”, do Porto. A escolha do drama PIRÃO BEM MOLE ficou à critério de D. Raimunda e logo agradou as animadoras. A apresentação deu-se da melhor forma, mas passou despercebida, fazendo jus ao velho ditado; “Santo de casa não faz milagres”.
Por insistência das formadoras da dupla, ocorreram mais algumas apresentações em outros momentos. Uma no PAEM (antiga Secretaria Municipal de Educação) e outra durante a Festa das Mães, no Porto, ao longo de três anos. Mas como as pessoas “mangavam” (como elas próprias insistem em lembrar), pararam de se apresentar. Foi aí que entrei em cena, em 1992, ao saber da existência desse tesouro quase sepultado.
Após a localização de d. Raimunda e Salete, fiz várias visitas, insisti, expliquei sobre a importância cultural/histórica daquele trabalho tão bonito. Que só elas eram capazes de continuar e assinalar essa marca tão bonita na cultura popular. Que ambas integravam o folclore nisiaflorestense.
Não sei se foi minha insistência ou outro fator, mas a dupla acabou sensibilizando-se (ou cedendo). Imediatamente comprei o material e procurei d. Marlene (do Alto Monte Hermínio), uma grande costureira de Nísia Floresta, a qual fez uma blusa de cetim, cor de goiaba com gola em veludo preto com detalhes dourados, e uma saia cor de vinho. Na cabeça um turbante da cor da blusa e várias bijouterias (estas segundo a criatividade dela, pois é muito vaidosa quando sai de casa).
D. Salete serviu-se de uma calça masculina, um terno e um chapéu. Atualmente passou a usar short e camisa de mangas compridas. Nos três dramas supracitados a vestimenta é a mesma.
Assim que elas disseram “sim” levei-as para apresentar-se na EMYP. Posteriormente exibiram-se na Concha Acústica da UFRN, na ocasião em que assumi a presidência do Centro Acadêmico “Rosângela Guerra”, da UFRN, inclusive levei também um grupo de alunos que apresentou algumas danças folclóricas. Depois seguiram-se outras exibições em Natal, Parnamirim, São José de Mipibu e em Nísia Floresta.
Em 2003 a professora Francinete, da UNP, do curso de Letras, juntamente com uma turma de acadêmicos, deslocou-se para Nísia Floresta e contemplaram o PIRÃO BEM MOLE dentre suas pesquisas folclóricas. Nessa época fui convidado pela referida professora para dar uma palestra sobre a intelectual Nísia Floresta para a sua turma, seguida por outra no Centro de Tradições Gaúchas, em Ponta Negra.
A partir de então o PIRÃO BEM MOLE tornou-se uma instituição. Hoje é impossível falar de patrimônio intangível sem se reportar ao PIRÃO BEM MOLE de Nísia Floresta. Trata-se de uma manifestação popular genuína e singular. A dupla é procurada por estudantes e professores de várias escolas e universidades da região e têm se apresentado constantemente, inclusive são convidadas de honra do FESTIVAL DE CULTURA POPULAR, realizado anualmente em São José de Mipibu, presidido por José Amauri Freire.
D. Raimunda nasceu em Nísia Floresta no dia 23 de outubro de 1922. É viúva do Sr. Geraldo Alves da Cruz. Filha de Amália do Nascimento e José Antonio do Nascimento. Atualmente com 87 anos, não tem a mesma destreza de antes. Às vezes dá sinais de cansaço, rompantes de perda de voz e leve desequilíbrio físico (algumas vezes), precisando da atenção constante durante a exibição. Suas filhas e netas, ao serem indagadas sobre quem futuramente dará continuidade ao drama, são unânimes em dizer que não têm vontade. As netas, principalmente, têm recebido grande estímulo da minha parte, mas permanecem inflexíveis.
Maria Salete Cordeiro nasceu em Nísia Floresta no dia 14 de julho de 1944. É viúva do Sr. .....................Xavier. Filha de Antonio Cordeiro e Maria das Dores de Andrade. Atualmente está com 65 anos, desfruta de boa saúde. O desinteresse em dar continuidade ao drama também é realidade por parte de suas filhas.
Raimunda e Salete são donas de casa, residem no Porto e são vizinhas.
É importante que a sociedade aplauda, elogie, divulgue e incentive o “PIRÃO BEM MOLE”, estimulando seus familiares a escolherem os futuros continuadores. Minha esperança é grande em ver esse tesouro continuar desenterrado.

Um comentário:

  1. Obrigada Sr. Carlos Freire, pela postagem sobre O Pirão bem mole. Minha mãe sempre cantarolava essa música,agora com 90 anos está com Alzheimer e eu tentando resguardar suas lembranças pesquisei a letra da referida música e encontrei sua postagem. Achei muito importante, minha vive no município de Equador RN, a mais de 300 km de Nísia Floresta e foi protagonista desse drama várias vezes na pequena escola que estou por volta dos anos 40.

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