Fotografia: Newton Bruno |
Fotografia: Newton Bruno |
Esse comportamento deplorável colabora muito com a decadência e até mesmo a extinção de muitos elementos culturais do nosso país.
Sobre o drama em si, d. Raimunda explicou que era protagonizado por ela (no papel de mãe) e por Salete (48 anos à época) uma vizinha (no papel de filho). Com relação às origens, destacou que aprendeu a letra do “Pirão Bem Mole” em 1934, aos 12 anos, em Tororomba, enquanto aluna da professora “BILUCA GADELHA”, uma senhora idosa e solteira, a qual ensinava a letra do folguedo, mas não o dramatizava, como faz d. Raimunda (infelizmente não consegui muitas informações sobre esta velha mestra). Lembrou que sua avó também conhecia a referida letra, dentre outras, ensinando-as em sua infância. Salientou que gostava muito de desempenhar papéis nos inúmeros dramas, tão comuns à época, principalmente na escola e nos festejos religiosos. Na realidade, D. Raimunda guarda em seu baú da memória um repertório de canções de grande beleza e significância histórica, como “BELAS PASTORAS”, que nos reporta às canções da Península Ibérica (a letra, de cunho moralista, fomenta a altivez da pastora, a qual renega o romance com fins mercenários). Trata-se da estória de um rei que se dirige a uma pastora para pedi-la em casamento, mas, ao invés de fazer uma declaração de amor com palavras mais românticas, vai logo oferecendo-a o seu palácio. Como resposta recebe a pronta rejeição.
Com tantas canções poderíamos perguntar: “Por que o grupo é chamado “PIRÃO BEM MOLE” e não “Pà Rà Pà PÔ ou “BELAS PASTORAS”? É fácil entender. Trata-se do drama principal e mais conhecido, inclusive muitas vezes a dupla sai para exibir apenas o referido drama. Mas então, o que é o ‘PIRÃO BEM MOLE”? Vamos começar pela letra:
FALA DE D. RAIMUNDA (MÃE):
Ainda sou bem mocinha
Meu filho arruma um marido
Prá casar sua mãezinha
Refrão: FALA DAS DUAS
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!
FALA DE SALETE (FILHO)
Cuide logo em confessar.
A senhora tão velhinha
Ainda pensa em se casar
Refrão: FALA DAS DUAS
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!
FALA DE D. RAIMUNDA:
Não lhe boto mais a benção.
Meu filho arranje um marido,
Ai que dor no coração!
Refrão: FALA DAS DUAS
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!
FALA DE SALETE (FILHO)
FALA DE D. RAIMUNDA:
Esquentado na gordura.
Eu sou uma velha sem dente,
Mais ainda como carne dura!
Refrão:(Fala das duas):
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole,
Ô pirão bem mole
Prá nós dançar!
Fotografia: Luís Carlos Freire |
Belas pastoras
Eu vim lhe falar
Se queres casar comigo.
Belas pastoras
Eu vim lhe falar
Se queres casar comigo.
Pra ser rainha do palácio
E morar no meu paraíso.
Pra ser rainha do palácio
E morar no meu paraíso.
Não quero a sua riqueza,
Nem mesmo a sua fidalguia.
Não quero a sua riqueza,
Nem mesmo a sua fidalguia.
Nem o seu rico tesouro,
Nem vou pra sua companhia.
Nem o seu rico tesouro,
Nem vou pra sua companhia.
PÃ, RÃ, PÃ, PÃ, PÃ, PÃ... (3º DRAMA)
Os moços que vêm de Cuba
Que vão pra praia pra namorar
Sou eu alma resguardada
Tenho vergonha de me amostrar
Eu não vou pras conversas
Daqueles falsos galãos (galãs)
No fim de tudo eles querem
É pã, rã, pã, pã, ninguém é besta não.
Ah, negro, move a cintura
Ah, negro chegue para cá!
Deixa-me sentir meu negrinho santo
Toda a sua formosura
Ah, veja, que não pode mais.
Um dia um moço bonito
Tava querendo me namorar
Falou nos meus ouvidos segredos
Que eu não vou revelar
Eu não vou pras conversas
Daqueles falsos galãos (galãs)
No fim de tudo eles querem
É pã, rã, pã, pã, pã, pã
Ah, negro, move a cintura
Ah, negro chegue para cá!
Deixa-me sentir meu negrinho santo
Toda a sua saborosura
Ah, veja, que não pode mais.
As moças que vão na de Cuba
Que vão pra praia toda manhã
Vestindo roupinha curta
E passeando de catamarã
Não sabem da missa um terço
E do celebro que vão encontrar
No fim de tudo elas querem
É pã, rã, pã, pã, pã, pã...
Ah, negro, move a cintura
Ah, negro chegue para cá!
Deixa-me sentir meu negrinho santo
Toda a sua saborosura
Ah, veja, que não pode mais.
De todos negros do Porto
Existe um que é bem bonitão
O cabra é conversador,
Tem lábia pra um mihão
Eu não vou pras conversas
Desses falsos galãos (galãs)
No fim de tudo eles querem
É pã, rã, pã, pã, ninguém é besta não. (bis)
Ah, negro, move a cintura
Ah, negro chegue para cá! (Bis)
Deixa-me sentir meu negrinho santo
Toda a sua saborosura
Ah, veja, que não pode mais.
Ontem um mulatinho
Tava querendo me ca que cá,
Me disse: cabocla santa,
Quero ser o seu papai
Fomos ao seu apartamento
E onde se leva, se dá
Fiquei sozinha e pã, rã, pã, pã…
Ah, negro, move a cintura
Ah, negro chegue para cá! (Bis)
Deixa-me sentir meu negrinho santo
Toda a sua saborosura
Ah, veja, que não pode mais…
De todos os negros do Porto
Ele é o único que fala inglês
Ele sabe dizer gachimonha
E eu com pressa respondo yes
Todos os americanos
Dizem que vivem a turistar
Mas ao verem o Porto
Pã, rã, pã, pã…
Ai, negro, move a cintura.
Ai negro, se jogue para cá
Deixe-me sentir meu negrinho santo
Toda sua saborosura
Ai, veja, que não posso mais
De todos os negros do Porto
Existe um que é o mais gostosão
Que anda lá pelo cais
As negras ficam loucas
Por minha cintura em forma de flan
Por que dizem que eu tenho
Paranpanpan-pan-pan
Ai negro, move a cintura
Ai negro, se jogue pra cá
Deixa-me sentir meu negrinho santo
Toda sua saborosura
Ai, olhe, que não posso mais.
Em 1980 as animadoras culturais do Porto, senhoras EDITE MARQUES (in memorian – ----) e TEREZINHA LEITE (in memorian – 1987), percebendo o talento de D. Raimunda, convidou D. Salete e formou a dupla, preparando-a para apresentar na FESTA DOS PADROEIROS “TODOS OS SANTOS”, do Porto. A escolha do drama PIRÃO BEM MOLE ficou à critério de D. Raimunda e logo agradou as animadoras. A apresentação deu-se da melhor forma, mas passou despercebida, fazendo jus ao velho ditado; “Santo de casa não faz milagres”.
Por insistência das formadoras da dupla, ocorreram mais algumas apresentações em outros momentos. Uma no PAEM (antiga Secretaria Municipal de Educação) e outra durante a Festa das Mães, no Porto, ao longo de três anos. Mas como as pessoas “mangavam” (como elas próprias insistem em lembrar), pararam de se apresentar. Foi aí que entrei em cena, em 1992, ao saber da existência desse tesouro quase sepultado.
Após a localização de d. Raimunda e Salete, fiz várias visitas, insisti, expliquei sobre a importância cultural/histórica daquele trabalho tão bonito. Que só elas eram capazes de continuar e assinalar essa marca tão bonita na cultura popular. Que ambas integravam o folclore nisiaflorestense.
Não sei se foi minha insistência ou outro fator, mas a dupla acabou sensibilizando-se (ou cedendo). Imediatamente comprei o material e procurei d. Marlene (do Alto Monte Hermínio), uma grande costureira de Nísia Floresta, a qual fez uma blusa de cetim, cor de goiaba com gola em veludo preto com detalhes dourados, e uma saia cor de vinho. Na cabeça um turbante da cor da blusa e várias bijouterias (estas segundo a criatividade dela, pois é muito vaidosa quando sai de casa).
Assim que elas disseram “sim” levei-as para apresentar-se na EMYP. Posteriormente exibiram-se na Concha Acústica da UFRN, na ocasião em que assumi a presidência do Centro Acadêmico “Rosângela Guerra”, da UFRN, inclusive levei também um grupo de alunos que apresentou algumas danças folclóricas. Depois seguiram-se outras exibições em Natal, Parnamirim, São José de Mipibu e em Nísia Floresta.
Em 2003 a professora Francinete, da UNP, do curso de Letras, juntamente com uma turma de acadêmicos, deslocou-se para Nísia Floresta e contemplaram o PIRÃO BEM MOLE dentre suas pesquisas folclóricas. Nessa época fui convidado pela referida professora para dar uma palestra sobre a intelectual Nísia Floresta para a sua turma, seguida por outra no Centro de Tradições Gaúchas, em Ponta Negra.
A partir de então o PIRÃO BEM MOLE tornou-se uma instituição. Hoje é impossível falar de patrimônio intangível sem se reportar ao PIRÃO BEM MOLE de Nísia Floresta. Trata-se de uma manifestação popular genuína e singular. A dupla é procurada por estudantes e professores de várias escolas e universidades da região e têm se apresentado constantemente, inclusive são convidadas de honra do FESTIVAL DE CULTURA POPULAR, realizado anualmente em São José de Mipibu, presidido por José Amauri Freire.
D. Raimunda nasceu em Nísia Floresta no dia 23 de outubro de 1922. É viúva do Sr. Geraldo Alves da Cruz. Filha de Amália do Nascimento e José Antonio do Nascimento. Atualmente com 87 anos, não tem a mesma destreza de antes. Às vezes dá sinais de cansaço, rompantes de perda de voz e leve desequilíbrio físico (algumas vezes), precisando da atenção constante durante a exibição. Suas filhas e netas, ao serem indagadas sobre quem futuramente dará continuidade ao drama, são unânimes em dizer que não têm vontade. As netas, principalmente, têm recebido grande estímulo da minha parte, mas permanecem inflexíveis.
Maria Salete Cordeiro nasceu em Nísia Floresta no dia 14 de julho de 1944. É viúva do Sr. .....................Xavier. Filha de Antonio Cordeiro e Maria das Dores de Andrade. Atualmente está com 65 anos, desfruta de boa saúde. O desinteresse em dar continuidade ao drama também é realidade por parte de suas filhas.
Raimunda e Salete são donas de casa, residem no Porto e são vizinhas.
É importante que a sociedade aplauda, elogie, divulgue e incentive o “PIRÃO BEM MOLE”, estimulando seus familiares a escolherem os futuros continuadores. Minha esperança é grande em ver esse tesouro continuar desenterrado.
Obrigada Sr. Carlos Freire, pela postagem sobre O Pirão bem mole. Minha mãe sempre cantarolava essa música,agora com 90 anos está com Alzheimer e eu tentando resguardar suas lembranças pesquisei a letra da referida música e encontrei sua postagem. Achei muito importante, minha vive no município de Equador RN, a mais de 300 km de Nísia Floresta e foi protagonista desse drama várias vezes na pequena escola que estou por volta dos anos 40.
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