Depois
de ter procurado - em vão - familiares do intelectual
nisiaflorestense Dr. Antonio José de Melo e
Sousa (1867-1955), ex-governador do Estado e exímio
escritor, cuja história estudo há mais de 15 anos, eis que os bons
ventos me enviam uma cunhada dessa insigne figura potiguar, sem que
eu estivesse naquele momento imaginando. Foi o "por acaso"
mais interessante da minha vida. Na realidade, quem a descobriu foi
minha esposa, ao comentar com a referida senhora que eu estudava a
obra do citado personagem.
Talvez
o leitor pergunte “como pode estar viva a cunhada de um homem
nascido há mais de cem anos? Se ele nasceu em 1867 e faleceu em
1955, há mais de meio século, quantos anos tem essa mulher?”. Mas
não são apenas os mistérios da longevidade que explicam. Maria de
Sousa nasceu 52 anos depois do cunhado famoso.
Descobrir
d. Maria
das Dores Monteiro de Sousa
permitiu-me
construir mais uma página inédita da história do Rio Grande do
Norte, pois se trata da única cunhada viva de um dos mais
intrigantes políticos da história potiguar. Tive a sorte de encontrar fotografias e até mesmo alguns pertences do mesmo.
Dona
Maria
das Dores Monteiro de Sousa nasceu
em Macau no dia 29
de janeiro de 1929,
contando atualmente com 88
anos.
É admirável a lucidez e a destreza física dessa senhora, cuja
idade não a fez arquejar em nenhum aspecto. É católica praticante,
extrovertida. Tem uma tonalidade de voz alta, forte, fazendo jus ao
jeito brincalhão e extrovertido do povo nordestino.
Sua
história é exatamente assim... Em 1943 apareceu em Macau o
marinheiro baiano Durval Alves Vieira. Ambos se apaixonaram e se
casaram no ano seguinte. Ele com 23 anos. Ela com 15. Naquela época
as pessoas casavam cedo exatamente como acontece hoje, mas os
consorciados tinham responsabilidades incomparáveis às atuais. Os
casamentos duravam a vida inteira, mesmo havendo incompatibilidade de
gênios, pois separação tinha ares de crime; a mulher saia sempre
como “indecorosa”. Mas não foi o caso dela, que alega ter sido
muito feliz enquanto o casamento existiu.
Em
1947 nasceu a primeira e única filha Djanira Alves Vieira, que viria
a falecer em São Paulo em 1994, aos 47 anos. Logo após o nascimento
de Djanira, eles foram morar no bairro Baixa do Sapateiro, na Bahia.
Os familiares do marido eram adeptos ao Candomblé, sendo a maioria
mãe e pai de santos. Católica fervorosa, estranhou profundamente os
rituais que via no terreiro dos familiares do marido, afinal, se
ainda hoje existe tanto preconceito contra essa bela religião,
imagine há quase setenta anos.
Naquele
estado eles permaneceram por quatro anos. Em 1950 Durval morreu em
decorrência de um acidente em alto mar, deixando-a viúva aos 19
anos. Ela disse-me que “foi como perder o chão... fiquei se
desnorteada... não sabia o que fazer...”. Os hábitos eram
rigorosos e ela “guardou o luto” por três anos, usando apenas a
cor preta e freqüentando regularmente as missas, sempre de véu
negro. Desse modo, retornou a Natal. Com o passar do tempo foi se
acostumando com a dor da perda e levando a vida com certa
naturalidade, mas não pensava mais em se casar.
Naquela
época o Carnaval ocorria exclusivamente em ambientes fechados, sendo
o Teatro Carlos Gomes,
depois mudado o nome para Alberto
Maranhão o “point” da alta sociedade – com
aura puramente familiar – com direito a “Rei-Momo”, “Arlequim”,
“Colombina”, Pierrot”, muita “purpurina”, “confetes”,
serpentina” e concurso de fantasias. Foi num desses bailes
carnavalescos que ela conheceu Augusto
César de Melo e Sousa, nascido em 1914,
funcionário aposentado da Secretaria da Fazenda, irmão
do ex-governador Dr. Antonio José de Melo e Sousa. Ela
conta que estava acompanhada dos irmãos, pois naquela época "moça
que ia desacompanhada aos lugares, mesmo familiares, não era bem
vista". Augusto César,
segundo contou-me, era muito simpático e não tirava os olhos por
onde quer que ele fosse. Num dado momento ele se aproximou e
perguntou se podia acompanhá-los naquela roda de conversa, sendo bem
acolhido pelos irmãos dela. E logo começaram a conversar. "Ele
fez muitas perguntas sobre mim, e eu sobre ele, pois percebi que
estava interessado... e eu também tava", complementou, rindo.
Esse
encontro ocorreu no dia 6 de fevereiro de 1955, justamente no ano em
que o ex-governador havia falecido em Recife. Como se percebe, ela
não conheceu o cunhado famoso, e sim a sua história.
Augusto
César falou muito sobre o irmão, admirado por toda
a família. Explicou que Antonio de
Sousa era muito centrado, não dado a conversas
desnecessárias e seu hábito era a leitura. Disse que em Papari ele
possuía uma vasta biblioteca no casarão que possuíam no Vale
do Capió, próximo do Engenho
Pavilhão. Essa outra propriedade pertencia a Joaquim
Januário de Carvalho, conforme confirmei pessoalmente com
o Sr. Isac Newton de Carvalho
(9.10.1940), filho de Lourival
de Carvalho (1913 - in
memorian), neto de Joaquim.
Maria Alice de Melo e Sousa (a direita) e Maria Isabel de Melo e Sousa (a esquerda), irmãs do Dr. Antonio de Sousa - fotografia feita no "Vale do Capió", nos tempos de Papari. |
Nessa
época os únicos irmãos vivos do ex-governador eram Augusto e
Anísio de Melo e Sousa, que residiam próximos a ele. A viúva
contava com 24 anos, e Augusto, também viúvo, tinha 40 anos e
trazia 8 filhos. Era dezesseis anos mais velho que ela. A paixão foi
imediata. Seis meses depois ambos foram “viver juntos”.
Logo
após a união nasceram os dois primeiros filhos do casal: Carlos
Gutemberg (1955) e Ticiano (1955), mas morreram logo após o
nascimento. O casamento no civil deu-se
em 1955, no final do ano. Nesse mesmo ano eles foram morar
na Fazenda Pajeú, em Barcelona, propriedade do irmão de Augusto,
Sr. Anísio de Melo e Sousa. Nessa fazenda nasceu os filhos Margarida
(1956), Ticiana (1957), Teresa Cristina (1958), Cirano (1959).
Quando
ela me falou sobre essa fazenda lembrei-me de uma das mais belas
obras do Dr. Antonio de Sousa, denominada “Gizinha”, na
qual ela usa o pseudônimo de Policarpo Feitosa. A obra tem episódios
vividos num sítio em Lajes. É desconhecida em Nísia Floresta, mas
há várias universidades de São Paulo e RS que a estudam, inclusive
o intelectual Dr. Gemeinder o classifica como um dos escritores que
produziu uma das mais importantes obras da literatura brasileira
(nesse mesmo blog o leitor encontrará alguns textos que escrevi
sobre ele e sua obra).
Em
5 de setembro de 1965 o casal retornou a Natal, e foram morar
próximos à casa onde morava o irmão Anísio de Melo e Sousa,
aposentado pela Secretaria Estadual de Saúde. Nos anos seguintes
nasceriam, Marcílio (1960), Maria Luísa (1962), Maria Augusta
(1963) e Normando (1966), somando-se 10 filhos. No total, Augusto
teve 16 filhos, somando-se com os do primeiro casamento. Maria
totalizou 11 filhos, da mesma forma.
Cinco
anos depois de terem retornado a Natal, Augusto
César morreu repentinamente no dia 18 de maio de 1970, aos 81 anos,
em decorrência de complicações cardiovasculares. Maria de Sousa
novamente ficou viúva aos 39 anos,
numa convivência de 15 anos. Dentre todos os irmãos do
ex-governador Dr. Antonio de Melo e Sousa, restou apenas Anísio, o
qual faleceu três anos depois, em 1973. Foi o último de todos os
irmãos a morrer. Teve 5 filhos (Mara, Marcos, Meire, Marcio e
Mateus). Apenas dois deles moraram em Natal. Os demais viviam no Rio
de Janeiro e lá morreram. Dentre os nove filhos vivos, dona
Maria de Sousa mora com a única filha solteira, Ticiana e o neto
Felipe, de 27 anos.
AUGUSTO CÉSAR DE MELO E SOUSA, IRMÃO DO DR. ANTONIO DE SOUSa |
Após
ter o prazer de conhecer essa adorável senhora e sua filha, foi em
sua casa que me deparei com um baú de histórias, fotografias
inéditas e até mesmo objetos que pertenceram à família do Dr.
Antonio de Sousa. Eu sempre quis saber o local onde ele havia sido velado, queria ter certeza da informação contida no livro "Menina Feia e Amarelinha", de Chicuta Nolasco Fernandes. A dúvida foi sanada quando D. Maria confirmou que o corpo do ex-governador realmente ficou na Associação dos Escoteiros, no bairro do Alecrim e está sepultado no cemitério do mesmo bairro. Falta apenas descobrir onde é o túmulo.
Sabe-se
que a única fotografia do Dr. Antonio de Sousa é a que está
exposta no Palácio do Governo e nos livros de história do Rio
grande do Norte.E
justamente a senhora Maria de Sousa guardou
por 60 anos fotografias do referido intelectual, da sua mãe, d.
Maria Emília Seabra de Melo e Souza e suas irmãs Maria Alice e
Maria Isabel, conforme estão postadas neste texto.
Esse
é o pequeno relato de uma página importante da história do Rio
Grande do Norte. Quando sei que os objetos pessoais que pertenceram
ao Dr. Antonio de Sousa fizeram parte dos famosos bailes ocorridos na
casa grande no Vale do Capió, em Papari, conforme li em velhos
documentos, confesso que sinto-me diante de um achado. Foi uma das
maiores surpresas que já tive nesse universo de pesquisa.
Experiência incomparável.
Talvez
alguns não compreendam a razão desse alumbramento. Só quem sabe
são os apaixonados por História e Memória. É sensação similar
ao arqueólogo que vê diante de si o “Eldorado’ou a fantástica
Atlântida tão procurada por Fawcet. Percebi que a poeira do
tempo por pouco sepultou e impediu que fosse registrado, ‘scaneado’
e fotografado esse material que hoje é oferecido – em primeira mão
– a você, leitor nisiaflorestense.
OBS.
Nos próximos dias estarei postando aqui fotos desse pequeno acervo e
outras informações anotadas e gravadas, pois só consegui registrar
fotografias dela, pois a máquina descarregou no dia que a visitei.
Ótimo registro, sem palavras...
ResponderExcluiramigo, que achado
ResponderExcluirparabens
o estado precisa ler isso