"Casadetaipa"
CAPÍTULO I
Luís Carlos Freire
1992-2004
Reorganizado
em 2016
Todo ser humano sabe fazer o seu abrigo, assim
como os animais sempre o fizeram. E a casa de taipa é um desses abrigos. É ali
que ele vive, dorme, descansa, se alimenta, conserta o que se estragou, faz,
refaz. Há uma cumplicidade entre o homem e a casa. É uma relação de amor e
pertencimento que precisa ser compreendida e respeitada pelos governantes.
Casa de taipa…
de gente
de calor humano
de varas
cipós
fogão a lenha
comida gostosa
sono profundo...
Casa de taipa...
pedaços da gente
retalhos do passados
INTRODUÇÃO
Este estudo, realizado no período de 1992 a 2004 é fruto de
História Oral, tendo como objeto de interesse as casas de taipa de Nísia
Floresta, município potiguar integrante da região metropolitana, a 40 km de
Natal. Certamente o leitor possui informações sobre esse tipo de
construção em outras regiões do estado e mesmo do Brasil, e não verá
novidade alguma nessa primeira informação. Convém
esclarecer, portanto, que esta pesquisa se detém única e
exclusivamente ao território nisiaflorestense. Por mais que o tema soe familiar
aos potiguares d'outros municípios, há um contexto amplo de informações, o
qual vai muito além do barro de das estacas.
Obviamente a casa de
taipa de Nísia Floresta não possui arquitetura exclusiva, mas a presente observação se
faz necessária mediante suas peculiaridades culturais, assim como os
aspectos antropológicos e folclóricos desencadeados dela. Meu pai
sempre disse que a maioria das pessoas não percebe as cores e os cheiros dos
cenários onde vive, pois de tanto que faz parte dele, se sente a própria
paisagem. Esta pesquisa permite reconhecer detalhes despercebidos a quem
nasceu e viveu em lugares onde a casa de taipa é parte da paisagem e por
sua riqueza devem ser proclamados aos quatro cantos.
São múltiplos contextos
que afloraram no universo de vários distritos, povoados e lugarejos de Nísia
Floresta. Por vezes o leitor perguntará qual a relação da casa de taipa com a
enormidade de assuntos aqui destrinçados. A resposta será sempre a mesma: a
própria casa de taipa, pois foi através dela que esse novelo foi
desenrolado. Seria injusto ignorar os detalhes imiscuídos na conversa gostosa,
sob sombra fresca de muitos quintais regados a cafezinho, tapioca e mesmo a
deliciosa manga espada, oferecidos por anfitriões idosos, cheios de sabedoria.
Foi das memórias dessas pessoas que eu retirei o barro, a madeira e construí a
presente casa de taipa, agora oferecida ao leitor para que ele entre e se
sinta à vontade.
Alto Monte Hermínio - A quinta casa, de cor verde, tem o frontão de tijolos e dali para os fundos tudo segue de taipa. |
Eu não conhecia as casas de taipa antes de
chegar a Nísia Floresta. Já havia visto uma centenária casa de pedra, em
Xavantina, lugarejo bem distante do município onde nasci, cuja curiosidade
levou-me até lá para apreciá-la. Suas paredes eram rebocadas com uma mistura de
barro e cal. As pedras foram assentadas com barro. Os livros didáticos e
paradidáticos da minha infância mostravam fotos e desenhos do famoso “Jeca
Tatu” (1) defronte a uma casa de taipa ao estilo paulista, chamadas naquele
estado e em Minas Gerais de “casa de pau a pique” (2). Foi também durante a
minha infância que assisti ao filme “Casinha Pequenina”, de Mazzaropi (3), cuja
construção era desse material. Na realidade, as casas de taipa sempre
exerceram-me um encantamento por razões que mal sei explicar. No meu estado de
origem – infelizmente – não existe esse tipo de construção. A cidade em que
nasci tem sessenta anos e foi planejada com ruas, calçadas e quadras modernas e
amplas, cujo fundador era admirador de Le Corbusier. As casas, ou são de
madeira de lei, muito bem construídas, sob influência eslovaca – haja vista o
fundador ser "tcheco-eslovaco" (4) – ou de tijolos.
O moderno traçado da cidade onde nasci - 1949 |
Toda vez que me deparo com uma casa de
taipa, perquiro-a, mesmo que seja mera ruína. Creio que o correto é dizer mero
"entrançado" (5) ou, como dizem muitos nativos: mera
"grade", ou "trama". O que fascina é o contraste de sua
aparente fragilidade – em se tratando de uma arquitetura de paus, varas, cipós
e barro – transformados numa fortaleza longeva. Não é difícil saber quem foram
os seus remotos engenheiros ou os seus pré-históricos arquitetos, pois tais
construtores existiram no mundo inteiro desde que o homem começou a se
organizar em busca de abrigo e conforto. Em algumas regiões do
nordeste já foi chamada de taipa de pilão, taipa de mão e até taipa
de gaiola. Como bem escreveu o genial arquiteto Le Corbusier: "Uma
casa: um abrigo contra o calor, o frio, a chuva, os ladrões, os indiscretos. Um
receptáculo de luz e de sol. Um certo número de compartimentos destinados à
cozinha, ao trabalho, à vida íntima" (1973).
Casa do fundador da cidade onde nasci, em estilo theco-eslovaco - 1955 |
O fundador da minha cidade com seus colaboradores pensando o traçados iniciais do município. |
Casa onde nasci - construída em modelo eslovaco - 1955 - já influenciado pela arquitetura brasileira. |
Moderno prédio construído no surgimento da cidade para abrigar a Prefeitura Municipal. Observe a ousadia de sua modernidade - 1957 |
Moderno prédio construído em 1959 para abrigar a primeira escola, local onde estudei. |
A cidade contava com uma moderna agência do Banco do Brasil pouco tempo depois de sua fundação.
|
Atualmente existem poucas casas de taipa
antigas em Nísia Floresta, mas em 1992 ainda eram muitas, pois até então não
existiam as políticas públicas de moradia como hoje. Com o advento dos
programas habitacionais do Governo Federal, houve uma demolição em massa desse
tipo de construção, cujos nativos almejavam ter a sua casa de alvenaria,
acreditando que as mesmas eram ideais e mais seguras. Não sabiam que estariam
entrando numa obra pessimamente construída, cujos “alicerces” eram de troncos
de coqueiro e o reboco praticamente de areia, conforme se constatava quando se
passava a mão na parede e esfarelava. Descobriu-se depois que o reboco havia
sido feito na proporção de um balde de cimento por dez baldes de areia, fruto
de malversação dos recursos públicos, conforme as denúncias desencadeadas na
época.
Na realidade, as casas de
taipa eram muito seguras, como veremos adiante. Câmara Cascudo nos
conta em uma de suas Actas Diurnas (6) que o Vale do Capió (7)
era berço de residências palacianas, nas quais ocorriam bailes que duravam dias
nas várias casas de engenhos ali existentes. Um exemplo de imponência é a ruína
da casa-grande do Engenho Descanso, a qual conheci-a em perfeito estado,
inclusive conversei muito com o seu último proprietário, Sr. Humberto Paiva (in
memorian).
A casa não era de taipa, mas de tijolões
assentados com barro de taipa, coberta de telhas grandes feitas nas coxas –
literalmente –, e impressionava pelas dimensões agigantadas de todos os
cômodos. O baldrame (8) tinha mais de dois metros de altura. Suas ruínas ainda
resistem. Vê-se as nódoas do barro escorrendo na cal branca das paredes que
insistem em não ruir. Num dos corredores um exemplar esguio de
"galamastro" (9) – certamente trazido por algum pássaro ou morcego –
se impõe, ultrapassando o telhado quase totalmente despencado. O piso, de
“ladrilho hidráulico” (10) em vários modelos geométricos, impressiona. Trata-se
do único elemento que permanece intacto em meio aos destroços desse belo
palacete que impressionava pelo tamanho. “O reboco de cimento foi colocado
muito tempo depois que a casa foi construída… o reboco original era de barro de
paul pintado com cal”, explicou-me o Sr. Humberto Paiva.
Fundos do Engenho Descanso - 2004 |
Degraus de acesso a casa grande |
Alpendre lateral |
Alpendre dos fundos - dava acesso a privada (ou "cagador") |
Sob essa pequena tábua há um orifício redondo vazado na madeira, no qual as pessoas defecavam (ou "se aliviavam"). |
Já sem telhado, exposta ao sol e a chuva, o barro que durante mais de um século assentou os tijolões de adobe, escorre sobre a cal branca, tingindo as paredes com sua cor peculiar. |
O tronco do "galamastro" se impõe, trazido por algum pássaro, talvez querendo dizer que a natureza retoma a sua essência. |
O "galamastro" se expande a procura da luz solar, direito este permitido pelo telhado que, desprezado, ruiu. |
O degrau, em formato de meia lua - ou "bolo de noiva" - resiste, conservando um pouco de sua beleza. |
A antiga Casa Paroquial era um belo
exemplar de taipa, muito bem feito, cuja demolição se deu em 1995 para dar
lugar ao prédio atual no centro da cidade. Era uma construção ampla, muito alta
e feita com aprimoramento. Tinha mais de cem anos. Atualmente existe uma
centenária casa ao lado da residência do Sr. Duda Trindade. Ela
ainda conserva algumas paredes de taipa. É o que restou das casas de porte
mais imponente. A pequenina casa do Sr. "Bambão" é o único exemplar
de taipa sobrevivente, ao lado da Igreja Matriz, embora se trate de uma
arquitetura simples.
RICOS E POBRES NO MESMO BARRO
No passado, rico e pobre
erguiam casas de taipa. Nela, nasciam e morriam várias gerações. Todos faziam
casas desse material. A diferença estava no tamanho, comprimento, altura,
diâmetro das paredes, piso, madeiramento, cobertura, e o que se colocava dentro
delas. Um detalhe curioso eram as fachadas dos proprietários abastados,
verdadeiros "cartões postais".
A fachada dos pobres era
lisa e sem imponência, mesmo assim muitas casas eram feitas com tanto capricho
que se poderia duvidar se era de barro. Havia casos, mais raros, em que os
pobres construíam apenas o frontão de tijolos assentados em argamassa ora
de barro, ora de areia e cal. O resto era todo de taipa. Tanto o “baldrame”
quanto a altura das paredes eram baixos. Havia poucos cômodos, os
caixilhos, as janelas e portas eram de madeira barata. Os quartos e cômodos
internos raramente tinham portas; usava-se cortinas para dar a privacidade
necessária. O piso era de barro batido, que de tão pisado se assemelhava a uma
base cimentada, embora nele não podia correr água. Eventualmente a dona de casa
espargia água com as mãos para evitar a poeira que causava incômodo nas vias
respiratórias.
A mobília era a mais rústica
possível. Uns tinham poltronas ou sofás sempre forrados com belas peças de
"fuxico" (11), crochê ou retalho. Outros com plástico ou napa. Quem
não podia comprar esse móvel, conservava na sala bancos, cadeiras ou tamboretes
simples de madeira. A maioria das casas de taipa sequer tinha as paredes
alisadas e caiadas, conservando a cor natural do barro e a típica aparência
tosca. Outras traziam o reboco do jeito que foi "rebolado" (12) pelas
mãos cuidadosas dos seus artesãos construtores. Pobre só pintava a casa de
branco.
A casa de taipa dos ricos era imponente.
Toda a sua estrutura, além de rebocada, era alisada e bem caiada. A propósito a
cal chegou ao Brasil praticamente nas caravelas, pois as primeiras construções
brasileiras tinham como argamassa e reboco esse produto, além de fazer as vezes
de tinta, depois que o reboco secava. O cimento veio aparecer no Brasil no
século XIX e não era para todos. A parede frontal sempre de tijolos assentados
ora com barro, ora com areia e cal. Seus frontões eram adornados ora com
verdadeiros rendados, ora com variados desenhos geométricos em alto e baixo
relevo, dando-lhe graça e beleza. O baldrame – todo em pedra – era alto,
exigindo degraus para acesso.
As paredes eram grossas, exageradamente
altas e bem caiadas, destoando da cor das janelas e portas, ora amarelas, ora
em tom azul royal. Todos os cômodos internos tinham portas de madeiras. Só rico
variava as cores. A parte de taipa era tão esmerada que não destoava em nada
das casas de tijolos atuais.
O resquício de "azul Royal" deixado ali há quase cem anos |
O banheiro e a cozinha ficavam no corpo
da casa e eram feitos de tijolos assentados com areia e cal. O banheiro tinha o
piso de ladrilho hidráulico e um reservatório de água, cujo banho se dava com
"quengas de coco" (13), "coité" (14) ou caneca. Por ficar
sob sombra, a água mantinha-se em temperatura muito fria. E isso era muito
favorável à saúde. Apenas a privada – ou "cagador" – era construída
afastada, normalmente na área de serviço, nos fundos. Uma tábua larga com
orifício no meio fazia papel de tampa de vaso sanitário. Após fazer as
necessidades fisiológicas, tampava-se o buraco com um pequeno pedaço de tábua,
evitando exalar mau cheiro.
Todo o piso variava entre os
de "tijolo branco" octogonal, retangular ou quadrado. Só rico fazia
casa com piso de ladrilho hidráulico, reservando-se os melhores cômodos da casa
para assentá-lo, por exemplo, sala, antessala, copa, quarto de oratório e corredores.
Houve casos, como no Engenho Descanso e no Museu Nísia Floresta, cuja casa teve
ladrilho hidráulico em todos os cômodos. Houve quem importasse da França um
tipo requintado de piso que era um misto de azulejo hidráulico e cerâmica fina.
É o caso da casa que abriga o referido museu, ao lado da Igreja Matriz, construída
por uma rica família de sesmeiros que ergueu as casas mais antigas de Nísia
Floresta, embora não fossem de taipa e sofressem modificações ao longo dos
anos.
Essa casa foi vendida, muito tempo
depois para a família Gondim. Outra é o Centro Pastoral Isabel Gondim
(originalmente o primeiro prédio do "Grupo Escholar Nysia Floresta"),
construído pelo Coronel José de Araújo, Presidente da Intendência da Vila
Imperial de Papari (15), o qual a administrou durante mais de quarenta
anos. Foi um intendente polêmico. Fidelíssimo à oligarquia Maranhão. Depois conto a sua história noutra postagem. Depois essa casa foi adquirida pela família Gondim. A última é a
"Casa das Freiras" (16), recuperada recentemente, embora o ladrilho
hidráulico desta era nacional. Atualmente o piso foi revestido com cerâmica
moderna imitando ladrilho hidráulico.
Como percebemos, ricos e pobres
edificavam casas de taipa. E as diferenças eram gritantes. Hoje, ricos e pobres
fazem casas de tijolos de oito furos, cimento e ferro, chamadas "casas de
alvenaria". As diferenças continuam as mesmas de sempre: ricos fazem casas
grandes, muito altas e luxuosas, enquanto pobres fazem – ou recebem do governo
– minúsculas e baixas moradias que, com dez passos se vai da sala ao quintal, e
levantando os braços, toca-se o teto.
FILHAS-MOÇAS SOB VIGÍLIA
As casas antigas de taipa – de pessoas
consideradas abastadas – eram divididas por corredores, salas e antessalas.
Havia, inclusive, uma curiosidade: os quartos de muitas delas eram interligados
por portas, independente da porta de acesso à sala. Vi modelos cujas portas se
sequenciavam do quarto dos pais para o quarto das filhas em quatro cômodos
seguidos. Os antigos contam que era para os pais vigiarem suas filhas à noite –
fazendo jus ao velho comportamento “mouro” (17) – importado de Portugal.
Muitas casas eram construídas de maneira
que o quarto das filhas, embora bem arejado, não tivesse janelas,
exceto cobogó. Contam que, além de ser uma estratégia para evitar a
entrada de gatunos, era uma forma de evitar que possíveis pretendentes mais
afoitos viessem roubar suas "moçoilas". Mas há quem diga que a ausência
de janelas visava justamente evitar a fuga das "moçoilas" nas caladas
das noites para alguma festa ou arriscando um casamento à revelia dos pais.
Normalmente, o quarto do casal, onde
ficava "o chefe da família" (18), localizava-se em local estratégico.
Isso não acontecia por acaso. Era tática de vigilância noturna. Além do chefe
de família, não faltavam solteironas de plantão, de olho nos mínimos movimentos
noturnos, pois as famílias eram grandes.
Toda casa tinha uma sucessão de tias,
tias-avós, sogras e agregados. Nesse bojo incluía-se muitas “moças velhas”,
legadas ao "caritó" (19), as quais vigiavam as mocinhas da casa como
a onça vigia seus filhotes. Algumas, recalcadas por nunca ter se casado, não
perdoavam que sequer cogitassem a possibilidade de as moças jovens
experimentarem o "fruto proibido", inclusive há farta literatura
sobre os famosos "chiliques" das tais moças-velhas, cujo
comportamento era diagnosticado pelos médicos como "problema de
nervos". O quarto do "chefe da família" destoava dos demais,
pois possuía janela (ou janelas). Nenhuma moça seria inconsequente a ponto de
arriscar furar essa blindagem toda.
Outro ponto curioso eram as travas
dessas janelas, em madeira de lei, tão resistentes que jamais alguém poderia
arrombar. Algumas delas possuíam duas travas seguras por grossas argolas de
ferro presos a parede ou na própria caixa da janela. Mas parece que tal exagero
não se dava pelo receio de alguém vir de fora para dentro, mas de dentro para
fora. Ou seja, o temor não era apenas de possíveis gatunos, mas de eventual
fuga de filhas mais afoitas. Abrir uma janela dessas na calada da noite era
promover um barulho tão grande que acordaria até quem fosse mouco.
Os ambientes que complementavam a casa
de taipa recebiam nomes específicos, como “a casinha” (privada), “casa de
farinha”, “casa de despejo” e cozinha, essa normalmente era afastada, sob
árvores próximas às casas. Como escreveu Gilberto Freyre, em Casa Grande e
Senzala, restava para a morada principal a função de guardar valores e proteger
as mulheres. A cozinha das casas da região Nordeste, apesar de ter sido por
sucessivas décadas “lugar de mulher”, só era construída fora do corpo da casa
por pura necessidade: afastar a quentura insuportável do fogão a lenha. Essa
opção favorecia as mulheres, cujos cabelos não se impregnavam de fumaça depois
que tomavam banho. Sem contar que as roupas de cama e de uso pessoal que
ficavam expostas nos quartos, absorviam o cheiro vindo da lenha. Apenas os
velhos casarões, por serem altos e arejados afastavam essa possibilidade.
PORTAS DIVIDIDAS AO MEIO
As velhas casas de taipa traziam na
entrada e nos fundos um tipo de porta dividida ao meio, funcionando
independentemente. Em termos de tranca, quando não usavam “taramelas” (20),
faziam uma engenhoca usada para fechar ambas as partes de cada vez. Eram travas
pesadas, feitas em ferro ou madeira de lei, muitas vezes encaixadas na própria
parede, presas por anéis de ferro ou em furos no caixilho. Outrora, seguras por
peças de ferro. É o caso da casa do Sr. Arnaldo, a mais antiga residência em
área urbana de Nísia Floresta, depois da Igreja Matriz, embora seja de tijolões
e barro de taipa rebocado com cimento.
"Casarão do Sr. Arbaldo" - essa é a morada urbana mais antiga de Nísia Floresta; OBS. Não é de taipa. |
Essa ideia de porta dividida ao meio tem
relação com a segurança, ventilação e claridade, pois quem está dentro da casa,
deixa a parte de baixo fechada e a parte de cima aberta, permitindo a entrada
de luz natural e ventilação, evitando a entrada de estranhos ou curiosos. Se
uma visita ou um estranho chamasse no portão, seria atendido pelo efeito de
janela proporcionado por tal modelo. Se algum mal intencionado aparecesse,
restava a quem estivesse do lado de dentro, saltar e fechar a parte de cima com
segurança. Esse modelo ainda existe, inclusive em casas de alvenaria, embora
não seja tão comum.
No caso do Engenho Descanso, as portas e
janelas eram de madeira de lei, prevalecendo envergadura redonda (que nem
sempre era o forte dos carpinteiros), ostentando carpintaria perfeita. A
esquadria era imponente e alta. A parte de cima da janela exibia um elemento
entrançado ao modo de “muxarabi” (21), emprestando-lhe grande beleza.
Essa parte trabalhada, embora integrasse o corpo da peça, era separada das
janelas de veneziana.
Haviam sete portas que permitiam entrar
na casa. Cinco davam acesso direto às salas ou corredores, e duas levavam à
área de serviço que fazia as vezes de um quintal interno, onde ficavam a
lavanderia e grandes reservatórios para água, próximos à imensa cozinha. Esse
aparente exagero de portas também parece estratégico. Haviam critérios de
acesso aos que moravam ou trabalhavam ali, tanto para entrar como para sair.
Quem podia entrar e sair – e por onde? Nesse rol incluíam-se os donos, as
visitas, os escravos de trabalho externo e os escravos do interior da casa.
Abolida a escravidão, tudo continuou igual, através dos serviçais brancos e
negros.
Um escravo ou serviçal – por exemplo –
não podia entrar pela porta da sala quando a família recebia visita, exceto se
prestasse serviço para aquela circunstância. O que – e quem – poderia entrar –
e por onde (pessoas, animais, mercadorias etc). O acesso do chefe da família se
dava por todas as portas; não apenas pelo caráter de socialização, mas pela
tradicional vigilância moura. Os demais membros da família também tinham acesso
a todos os cômodos da casa, exceto o quarto dos pais, onde raramente os filhos
ou parentes entravam. A propósito, esta casa tinha 36 janelas.
A
PLANTA DE UMA CASA DE TAIPA
Por mais que existissem semelhanças,
principalmente na construção das casas de pessoas pobres, não havia um
modelo-padrão. Uma casa de taipa de pessoas simples também podia ser grande e
ter muitos cômodos, pois exigia muito mais trabalho e força de vontade que
recursos financeiros. Tanto o rico quanto o pobre tinham muito trabalho para
construir uma casa de taipa, afinal não era fácil a sua execução. A diferença
era que – excetuando o barro e a madeira das matas – o rico empregava muitos
materiais – até então sofisticados – vindos de Natal.
A casa do pobre se resumia ao que
existia em território papariense. A matéria prima essencial para execução de
uma casa de taipa vinha da mata. Linhas, esteios, varas, cipós, estacas e
pedras. Quase nada era comprado, exceto os caixilhos das esquadrias de janelas
e portas, telhas e, raramente, cimento para piso e determinado cômodo. Um
nativo que retirasse a maior quantidade de madeira das matas, que dedicasse
maior tempo à construção e contasse com boa equipe, com certeza faria uma
grande e confortável casa.
Em 1992, contou-me o
Sr. Canindé, mestre (22) de Boi-de-Reis (23), morador da rua da Palha, que
"só se deve tirar madeira pra fazê casa de taipa nas noites de lua em
quarto minguante, pois se pegar em qualquer lua a casa se acaba cedo". De
acordo com esse senhor – que já construiu várias casas e participou da
construção de outras – “se houver esse cuidado, a madeira seca logo e adquire
resistência até a cupim”. Essa informação evidencia a riqueza de conhecimentos
populares do homem nativo, que via no ciclo lunar a garantia de longevidade
para a sua casa. Perguntei com quem ele aprendeu aquela informação. A resposta
foi a que eu já sabia: “meu avô dizia muito isso a quem ia fazê uma casa, e
assim eu aprendi”, completou.
Com relação às antigas casas de taipa de
aspecto simples, por mais que as plantas fossem diversificadas, todas possuíam
uma sala com uma ou duas janelas frontais e às vezes laterais. Nesse espaço
ficava uma mesa com cadeiras ou tamboretes. Também se faziam quartos ao modo de
“camarinha” (24), conforme me contou a Srª Leonísia: “Mamãe nasceu e cresceu
num quarto de camarinha; tinha só um cobogó de dois tijolo na altura das teia”.
Algumas casas de taipa possuíam antessala, divisando os quartos. Normalmente
uma casa possuía o quarto do casal, o quarto dos filhos e o quarto dos agregados,
por exemplo, avós, tios etc.
Em muitas casas tinha que se atravessar
todos os quartos para se chegar aos fundos, onde ficava a cozinha e, às vezes,
a despensa. Nem sempre haviam quartos suficientes para dividir os filhos por
sexo. A regra era um cômodo com várias redes ou camas.
COMO
SE DORMIAM NAS CASAS DE TAIPA
Até a década de 1990, havia o predomínio
do uso de redes – também chamadas “tipóias – para dormir e descansar, portanto
um dos acessórios que nunca faltava numa casa de taipa era o "gancho"
ou "pendurador". Essa peça, feita de madeira ou ferro, era fixada com
segurança, normalmente em esteios, linhas ou partes com madeira grossa, pois o
barro jamais suportaria o peso de uma pessoa. Nesse caso havia possibilidade de
se contar com um guarda-roupa ou cômoda, pois, guardadas as redes, o quarto
ficava como se estivesse vazio. Um costume comum em casa de taipa era enrolar a
rede e deixar a "bola" enganchada no pendurador assim que o dia
amanhecia e o usuário se levantava.
Alguns possuíam camas adquiridas nas
lojas da Ribeira (25), mas normalmente eram feitas de talisca e o colchão de
junco ou capim. Quase todos os quartos tinham um caritó, onde ficavam o penico,
o candeeiro e algum assessório de uso do quarto. Perguntei a d. Leonísia
explicação sobre a razão do nome da peça. Muito expressiva, ela respondeu
com outra pergunta: “moça véia e feia num fica pelos canto, sem ninguém?! … é
igual ao caritó… ele só fica nos canto, esquecido, é por
isso!”.
Como não encontrei "caritós" de época, seguem estes como ilustração - vejam como o passado se refaz e se recria no presente. |
Como as famílias sempre eram numerosas,
a organização da dormida, seja em camas ou redes, ficava sob os cuidados da
mãe. Diferente das redes, o uso de camas, impedia a existência de guarda-roupa
ou cômodas. Desse modo, as roupas ficavam penduradas numa corda rente a parede
ou atravessada de uma parede a outra. Alguns tinham malas de madeira, também
chamadas de “baús”, que fazia papel de criado-mudo, mesa de centro e até mesmo
banco.
Na maioria das casas de taipa de Nísia
Floresta se encontram ganchos de rede em todos os cômodos, até na cozinha, pois
durante a noite a casa inteira se transformava em quarto. Isso evidencia quão
numerosas eram as famílias das décadas passadas. Hoje, essa cena é mais visível
nas casas de praia, onde famílias inteiras se transferem para lá durante as
férias. Até mesmo a varanda se transforma em lugar de dormir. Ainda se veem
pessoas mais velhas que não trocam a rede por cama, mas é um número restrito. O
que parece ter mudado o hábito de se dormir em rede foi a facilidade que os
nativos passaram a ter – ao longo dos anos – para comprar mobílias. Antes era
um bem considerado luxuoso, acessível apenas aos ricos. O preço de uma rede era
incomparável ao de uma cama, explicou-me d. Leonísia.
A ÁGUA NUMA CASA DE TAIPA
Toda casa de taipa tinha um jirau de
madeira com função de pia de cozinha, sempre construído nos fundos da
casa. Nele ficavam duas bacias grandes de alumínio para armazenar água,
cabaças, coités e “quengos” (26) que serviam para manusear a água ao lavar
panelas e pratos. Tanto a cozinha quanto o banheiro tinham por perto latas
industrializadas que serviam para transportar água limpa. E a água, como
veremos adiante, vinha do “cacimbão” (27).
Só na década de (OBS. PRECISO
CHECAR A DATA), com o advento da água encanada, as casas de taipa das áreas
próximas ao centro do município receberam torneiras. Como diz o
nisiaflorestense, era um “bico”(28) só, e ficava instalado no quintal. Não
havia como engendrar canos hidráulicos na trama de madeira das paredes das
casas de taipa, pois no caso de vazamento, deteriorava-se o barro rapidamente.
Com o advento dos produtos
industrializados, a mangueira de jardim passou a ter papel fundamental, pois
direcionava a água para o lugar de interesse do usuário. Toda água servida de
uma casa escoava por regos sulcados em direção ao tronco de alguma planta,
fazendo a alegria dos patos, galinhas e outros animais domésticos, evitando
desse modo o contato com os "pés de parede". Normalmente a chuva
causava pequenos danos apenas à faixa da parede próxima ao solo.
Muitas casas de taipa passavam anos
muito bem conservadas, sem precisar de retoque, pois os donos faziam engenhocas
em forma de bica, por onde as águas pluviais corriam para algum reservatório ou
mesmo no quintal, mas afastado da casa e longe das paredes.
Alguns proprietários não eram tão
caprichosos e deixavam a casa se deteriorar a olhos vistos. Desse modo os “pés
de parede” ficavam com buracos que passavam uma criança. Os antigos sempre
diziam aos mais novos que “casa de taipa é inimiga de muita água”, explicou-me
o Sr. Manoel Salvador; desse modo era fundamental maior cuidado nos locais
expostos à chuva ou à água do cotidiano.
A
“GELADEIRA” DE BARRO
Ricos e pobres tinham grandes jarras ou potes, usados
para guardar água potável, chamada “água da diária” ou “água do gasto”, pois
era apenas para beber e cozinhar. Normalmente a peça ficava no chão da cozinha,
rente à parede, longe do fogão a lenha. Alguns mandavam fazer uma
engenhoca de madeira, na qual o pote ficava encaixado. Era uma peça baixa.
Imagine uma pequena mesinha de três pés com um buraco no meio. Agora imagine o
pote metido nesse buraco. Outros o deixavam sobre uma forquilha tirada da mata.
O líquido precioso ficava protegido de insetos ou qualquer intruso que
porventura se aventurasse por ali na calada da noite. Diferente dos outros
utensílios de cerâmica que tinham tampa de barro, pote de barro nunca teve
tampa de barro. Cobria-se com um pano limpo, normalmente de algodão, e
colocava-se uma peça redonda, de madeira, por cima. Algumas famílias
conservavam o seu pote, ou jarra, no corredor.
Como a cerâmica é naturalmente fria, o
fato de ficar o tempo todo sob a sombra e ventilação frequente, a água adquiria
uma temperatura bem fria. Não é gelada, mas muito agradável. E o gosto é bom. De barro.
Outro acessório que estava sempre ao lado do pote era uma mesinha com canecas
de alumínio. A maior era para encher as menores. “Não pudia butá no pote a
caneca que alguém acabava de beber água”, explicou-me d. Leonísia.
Alguns mandavam fazer canecas de latas
de conserva, outros usavam de cerâmica, mas a rainha do pote era a caneca de
alumínio. “Mamãe tinha uma peça de madeira cheia de ganchos para pendurar as
canecas; era agarrada na parede”, explicou o Sr. Vicente
Inácio de Melo (84 anos), popularmente conhecido como “Vicente Marinho”, morador no centro
de Nísia Floresta, ao lado da Escola Municipal Yayá Paiva.
'Vez em quando o pote devia ser
higienizado, pois ao longo do tempo criava uma película fina nas paredes
internas, conhecida como "lama de pote" ou “lodo de pote”, largamente
usado para fins terapêuticos, inclusive doenças nos olhos. A camada se tornava
mais grossa no fundo e era cobiçada por muitos. Também se passava no rosto,
deixando-o macio e “curava erisipela”, conforme me informou d. Leonísia. Para
limpar o pote era necessário emborcá-lo, esfregando uma bucha de "Melão
São Caetano" (29) nas paredes internas e no fundo.
Nunca se usava sabão, pois a fibra e o
efeito gelatinoso da bucha tinham a mesma eficiência de detergente. Creio que
seja a saponina. A “lama de pote” dependia da higiene dos donos da casa de
taipa. Ouvi contações de gente que esperava o fundo "fazer vergonha"
para limpá-lo. Haviam donas de casa tão cuidadosas que iam além na limpeza dos
seus potes. Elas traziam areia da beira do rio e esfregavam na parede do pote
com a bucha. Esse tipo de limpeza – segundo os nativos – devolvia ao pote a sua
cor original.
ONDE SE LAVAVA ROUPA NA ÉPOCA DAS CASAS
DE TAIPA
“A gente saia bem cedo com mamãe para
lavar roupa no rio… levava junto uma ruma de “Melão-São-Caetano”… pense num
negócio para espumá bem... a roupa ficava arvinha que dava gosto, mais limpa…
não era inguá a esses sabão de hoje que fede… é umas muié toda dormente, não
sabem nem quarar as roupa… ficava tudo tão cheiroso que dava gosto… mamãe era
tão limpa… cansei de fervê roupa com nóda… só depois de bem fervida a mancha
largava” (Natália Gomes do Nascimento 90 anos).
Ouvi o depoimento acima, me foi contado por
dona Natália, quando ela morava na Rua da Bica, mas toda a sua infância foi
passada em Tororomba. Ela explicou-me que em sua época ninguém lavava roupa em
casa, pois “cacimbão algum dava vencimento à ruma de roupa”. As mulheres
se reuniam com as filhas e passavam o dia no rio, que sempre tinha uma pedra
muito antiga, deixada por gerações anteriores. Outras vezes um tronco fornido
de madeira servia como base para esfregar e bater as roupas. Os filhos homens
também acompanhavam, mas para brincar. Muitas vezes desapareciam nas matas,
brincando de tica, balanço ou mesmo comendo frutos silvestres.
“As roupas branca ela ensaboava e
butava pra quarar” (30) no tabuleiro. Quando tinha
mancha, ela fervia quase o dia inteiro. Vez em quando vinha anil” (31) de
Natal e ela colocava na roupa. Ficava tão arvinha. As camisa de papai e nossos
vestido era butado goma para armar… ela fazia uma aguazinha de goma rala e butava
na roupa… era mais pra missa”, contou-me dona Natália.
Dia de lavagem de roupa
era dia de “liguento”, um pirão feito de peixe. A iguaria era preparada pelas
mulheres às margens do rio, à sombra de uma gameleira. Sobre trempes de pedras
era colocada a panela, enquanto a lenha ardia. A iguaria era preparada com
peixe cozido com muita água temperada com sal, cebola, pimenta, tomate e
pimentão. Despejava-se farinha de mandioca para tornar o caldo espesso. Na
última mexida, despejava-se coentro e cebolinha picados. O cheiro serpentava a
mata, numa silenciosa anunciação de estar pronto, enfeitiçando a todos. Não
havia como não se sentir atraído. Em frações de segundos todos estavam a
postos.
Eu, participando de um liguento em "Tororomba" |
Dona Leonísia contou-me
que sua mãe lavava roupa no rio da Bica. Ela também preparava “liguento” e
servia o pirão em quengas de coco e cuité. O pai se esmerava tanto no fabrico
dessas peças que pareciam pratinhos de louça de tão lustrosos. Usando uma
concha de quenga adaptada num galho roliço, a cuidadosa mãe dividia o alimento
entre todos, cuidando de reservar um pedaço de peixe para cada menino.
A carapaça de uma
semente, chamada, ‘panelinha’, tal qual a concha, fazia as vezes de colher
metálica, que eles nem sabiam existir. A criançada fazia dos dias de lavagem de
roupa o seu parque de diversões. “Mamãe
as veis ficava brava com os menino que baldeava a água que ela tava enxaguando
roupa… aí o cipó comia no lombo”. Eram
assim os dias de lavagens de roupa na velha Papari.
O autor
visitando a “Pedra Encantada”, ocasião em que experimentou o famoso “liguento
com uns nativos que pescavam no local – Lagoa Papari.
|
A
CASA DE TAIPA E O CACIMBÃO
Antes
de 1980 (CONFERIR DATA), toda água usada nas casas de taipa de
Nísia Floresta vinha apenas do poço, chamado de "cacimbão",
o qual era cavado nos quintais. Até hoje o município é tão
abundante em água, que ninguém faz esforço para cavar poço,
vendo-o verter rapidamente o líquido precioso. Alguns lugares vertem
água a dois metros. Somente nas áreas de "arisco"
(32),
que são mais secas, o cacimbão exige maior profundidade para brotar
água ou “chorar”, conforme disse o mestre Benedito. Toda casa
tinha um cacimbão, mas muitas vezes famílias diferentes se serviam
de um só, pois todos moravam próximos.
Para
evitar acidentes, colocava-se na base do cacimbão terra de arisco
com bastante pedregulho. Depois passaram a colocar tijolos e, por
fim, cimento. A abertura do cacimbão ficava sempre coberta com uma
tampa de madeira ou pedaço de “flandre” (33). Ao lado ficava a
lata ou o balde usado para “subir” a água. Alguns cacimbões
eram protegidos por telhados, mas boa parte ficava exposta a sol e
chuva. Os mais abastados o construíam no terraço interligado à
casa. Uma das narrações mais estranhas que ouvi é justamente sobre
os cacimbões. Contaram-me que após a chegada da água encanada muitos foram transformados em privadas ou fossas. O fato de os nativos
desconhecerem – ou não se importarem – que sob o solo há o
lençol de água, fez muitos nativos contaminá-la com “coliformes
fecais” (34).
Cacimbão feito sem tijolos e ainda em funcionamento |
Um cacimbão público, construído pela Prefeitura em 1969 (Oitizeiro). |
Certamente
isso explica o fato de até pouco tempo ser comum a alguns
nisiaflorestenses trazer a pele pigmentada de branco, parecida com
“vitiligo” (35). Os nativos denominam popularmente esse sintoma
de "pano-branco" (36). A propósito, quando professor e
depois gestor da EMYP (1992 a 2000) estranhava quando via alunos de
distritos humildes com o corpo e mesmo o rosto repletos dessas
manchas.
Foi daí que passei a comprar uma droga por nome “Nizoral”
e ofertava aos que apresentavam casos mais graves. Não posso
afirmar, mas quem sabe decorrente da contaminação do lençol
freático, pois muitos cacimbões eram próximos uns dos outros e
mantiveram a função de abastecer as famílias. Mas essa atitude não
foi generalizada. Alguns deram fim em seus cacimbões lentamente.
Fizeram cercas em volta e o buraco se tornou o depósito de lixo.
Outros foram aterrados. Conheço propriedades atuais que conservam os
seus cacimbões intactos. Alguns secaram, outros permanecem tal qual
foram cavados. Certamente tem valor estimativo para os filhos e
netos.
O
SABOR E O CHEIRO DAS CASAS DE TAIPA
Ouvi
depoimentos curiosos de nativos explicando a maneira como muitos pais
detectavam vermes nos filhos. "Comer barro" era um sintoma
forte de menino "podre de verme". As crianças arrancavam
os chamboques da casa para comer sem cerimônia. Algumas o faziam às
escondidas, pois estavam tão tarimbadas com a experiência de ter
verme que sabiam que era errado. Alguns pais descuidados só
percebiam depois que a criança estava "verde" de tanto
consumir os nacos das paredes. De acordo com o Sr. Manoel Salvador,
“ninguém nunca morreu de comer barro”. Explicou também
que café com barro de casa de taipa deixa qualquer bêbado são.
Mas,
"comer barro" não era "privilégio" apenas de
"menino buchudo" (37). Muita mulher buchuda (38) teve
desejo de comer barro e o fez sem cerimônia, cujo bebê nasceu
normal e com saúde. O Sr. Manoel Salvador contou-me
que nunca comeu barro, mas confessa que “o dito-cujo soltava um
cheiro que remexia as tripa, puxando a gente pra comer”, conforme
explicou. Ao perguntar a um nativo sobre o gosto do barro, ele
respondeu: “era
parecido com água de pote ou filtro antigo”.
Confesso que também tive vontade de experimentar a "iguaria". A medicina escatológica documenta o famoso de "biscoito de barro assado", o qual deve ser comido por pessoas adoentadas de anemia, amarelão e falta de sangue.
A
fama das casas de taipa é ser refúgio dos insetos xilófagos, como
por exemplo o mosquito causador da doença de Chagas (39) e Malária
(40), além de ser casa de outras traças e peçonhas. Na realidade,
alguns olham torto para esse tipo de construção justamente por
isso, embora a grande epidemia foi na região Norte, onde tais casas
eram inseridas nas florestas. Esse preconceito, associado ao apoio
que os governantes dão aos cartéis das construtoras, faz com que
muitos tenham pavor só de ouvir falar em casa de taipa. Para piorar o preconceito, elas a associam ao famoso mosquito.
O
Rio Grande do Norte não teve históricos tão amedrontadores com
relação a doença de Chagas e Malária, mas realmente as casas de
taipa sem manutenção se tornavam propensas à moradia de qualquer
inseto e até mesmo peçonha. Ao longo do tempo, o barro rachava,
deixando grandes fissuras, outrora nacos grandes caiam, sem receber
novo "barreado" (41). Como já foi exposto, uma casa de
taipa bem feita não difere da casa de alvenaria, mesmo sendo uma
construção humilde. O problema estava na falta de capricho de
alguns, os quais as construíam de qualquer jeito, deixando buracos
para todos os lados. Poucos se preocupavam com a sua manutenção. Até mesmo a casa de alvenaria pode se
transformar em moradia de mosquitos, escorpiões etc se não for bem
cuidada.
CASAS
DE TAIPA EM TERRENOS "DE FAVOR"
Nem
sempre uma casa de taipa era construída no imóvel do próprio dono.
Boa parte delas ficavam em terrenos “de favor”(42), cujos
sitiantes, fazendeiros e mesmo os donos de grandes áreas urbanas
cediam o local para os amigos morarem tranquilamente até se ajeitar
na vida. Haviam casos em que famílias inteiras moraram "de
favor" em terrenos, cujo cedente morreu e a palavra do pai foi
repassada ao filho, conservando o costume. A questão da honra e da
honestidade era um fator religiosamente respeitado, principalmente
pelos mais antigos. Palavra dada era cumprida. Nunca um morador
reivindicou litigiosamente o terreno onde morava “de favor”, pois
sabia que era um bem alheio, muitas vezes de um compadre, um amigo, e
que a mesma lhe foi emprestada.
Também
era muito comum se morar “de favor” em sítios e pagar a moradia
– que era uma espécie de aluguel – com a metade da colheita de
tudo o que o favorecido plantava. Chamavam essa tradição de “plantar de
meia”, ou seja, metade para o dono das terras e a outra metade para
o morador “de favor”. Se a roça não prosperasse por algum
motivo – que dificilmente acontecia – não se criava confusão. O
comportamento pacífico é uma característica do nisiaflorestense. A
entrega dos imóveis se dava de forma amistosa, quando o dono
realmente ia precisar para uso pessoal.
Esse
costume não acontecia apenas em áreas rurais. Em grandes terrenos
de áreas urbanas o costume vigorava. Dentre outras localidades, o Porto foi um grande exemplo desse
comportamento durante décadas. Muitas vezes num grande terreno se
avizinhavam as casas de taipa da bisavó, da avó, do filho e do
neto. Isso se somava a outras famílias que se avizinhavam também,
formando uma comunidade. O parentesco, como não podia ser diferente,
gerava a máxima: "em Nísia Floresta todo mundo é parente".
Várias famílias atravessavam os anos juntas, dividindo alegrias,
conflitos, mortes e nascimentos.
Como
não podia ser diferente, a família crescia, os filhos se tornavam
moços e começavam a se engraçar com alguém. Via de regra esse
“engraçamento” acontecia entre pessoas da própria vizinhança,
e assim permanecia a tradição de se morar em terrenos “de favor”.
E como "quem casa quer casa", o pai se tornava uma
referência na construção da casa do filho e da futura nora. As
casas eram feitas próximas às casas dos pais e parentes.
BANHEIROS E "PRIVADAS"
Raramente
as casas de taipa tinham banheiros no seu interior, pois o uso
frequente de água não combinava com o barro da parede. Desse modo,
faziam-se as "casinhas" no quintal, a poucos passos da
porta da cozinha. Uma para o banho, outra para as necessidades
fisiológicas. Algumas vezes até mesmo as pessoas de melhores
condições não faziam os banheiros dentro de casa. De acordo com o
Sr. Eutiquiano de Almeida, morador da Barreta, “banheiro dentro de
casa era coisa de gente rica; era luxo”. Como se percebe, até
mesmo um simples banheiro, pela dificuldade que se tinha de
possuí-lo, era demonstração de poder.
Banheiro de palha |
Alguns
banheiros, também chamados de "casinhas" eram protegidos
por palhas de coqueiro muito bem entrançadas, garantindo a
privacidade. Em seu interior ficavam canecos de alumínio ou latas
usadas para se tomar banho, mas a preferência ficava para as quengas
de coco ou cuias de coité. Também se construíam "casinhas"
de tijolos, as quais contavam com um reservatório para água feito
no chão.
A
"casinha" onde se faziam as necessidades fisiológicas
também era de palha. Cavava-se um buraco de uns dois metros – tal
qual um cacimbão – fazia-se uma engenhoca de madeira e deixava o
orifício para se sentar. Também construíam o banheiro ou a privada
com parede de taipa. Tudo dependia do capricho do dono.
Com
o advento da cal e, muito depois, do cimento, algumas famílias
mudaram esse costume, trazendo o banheiro para dentro das casas,
pois, embora continuassem de taipa – devido ao preço do cimento –
faziam um esforço e aplicavam apenas o emboço desse material. A
ideia era fazer o reboco sobre a taipa, pois economizava o
cimento, e o efeito era bom, conforme explicou o Sr. Euquitiano.
Muitas pessoas continuaram com seus banheiros fora da casa, apenas
cimentavam as paredes. Haviam casos em que o proprietário empreendia
esforços e construía o banheiro e a privada de tijolos num só
cômodo fora da casa, mas interligado. Ficava no terraço dos fundos.
Com o advento do cimento e tijolo, os banheiros, "privadas" ou "cagador" passaram a ser mais confortáveis. |
O
tijolo – considerado material nobre – era usado apenas por
pessoas de boa condição financeira. Com o aparecimento do cimento,
quase todos os banheiros passaram a contar com o reservatório para
água no chão do banheiro. Ao lado ficava uma coité ou caneca que
servia para apanhar a água para se banhar. Tais banhos eram muito
frios, pois a água ficava na sombra. Contou-me o Sr. Zé de Tatá,
morador da Barreta, que “criança 'cansada' (43) se curava
facilmente se tomasse banho com a água fria dessas antigas caixas
antes do nascer do sol… e a água do mar às cinco horas da manhã
botava toda a 'milacria' (44) pra fora… até de adulto”.
SABUGO
DE MILHO SECO ERA LUXO NAS CASAS DE TAIPA
Como
foi explicado acima, no título “Ricos e pobres no mesmo barro”,
o “cagador” era uma estrutura de madeira na qual as pessoas se
sentavam para defecar, como fazem, hoje, nos vasos sanitários. As
nádegas ficavam acomodadas exatamente numa peça de madeira com um
orifício no meio, permitindo um certo conforto. Outras vezes essa
peça com orifício ficava no chão, que já era parte do piso de
madeira, e a pessoa se agachava para defecar. Mas como era feita a
higiene anal? De acordo com os mais velhos, ninguém jogava fora o
sabugo de milho seco antes de passar pelos “cagadores”.
Sabugo de milho, precursor do papel higiênico |
Contou-me
dona Raimunda do “Pirão Bem Mole”, 94 anos, que após fazer as
necessidades fisiológicas os nativos se limpavam com sabugos secos
de milho. “A mata era o lugar preferido de muitos”, complementou.
Quando uma roupa ficava velha a ponto de não prestar para nada,
tinha destino certo. Alguns eram tão criativos que cortavam os
tecidos em pequenos quadradinhos, deixando-os próximos às mãos ao
defecar. Após o uso, todos os assessórios dessa higienização eram
jogados no buraco da privada.
As
grandes roças de milho começavam a ser plantadas entre fevereiro e
março para colher em junho. Os nativos não se preocupavam apenas
com as famosas comidas de milho, típicas das festas juninas, mas no juntamento de sabugos secos para usar durante todo o ano com tal finalidade.
Velame, precursor do papel higiênico |
Quando observamos um
sabugo de milho seco, percebemos uma espécie de aveludamento
proporcionado pelo resto de bucha onde os caroços foram retirados.
Essa característica é ideal para limpar o ânus ao defecar. É
assim que os antigos nisiaflorestenses se viravam no tempo em que
ninguém imaginava que um dia existiria papel higiênico. Foi-me
contado sobre uma planta chamada “velame” (45),
cujas folhas são largas e “peludas”, que fazem o mesmo efeito do
papel higiênico atual. Cheguei a pesquisar a referida planta, que
ainda existem em abundância nas áreas rurais de Nísia Floresta.
Suponho que sejam comuns em todo o estado, inclusive na medicina
natural o chá de suas folhas é usado contra diarreia, cólicas e
aliviar as dores de parto.
Também
me contaram que muito tempo depois, quando os jornais impressos
passaram a se tornar comuns em Natal, os “ricos” da região
sempre tinham alguém que mandava pilhas de jornais velhos para
Papari, cujo estoque durava meses e até mesmo anos abastecendo os cagadores.
Uma senhora cujo nome prefiro obviamente segredar, contou-me que sua
mãe escolheu o nome de duas filhas “cagando”. Considerei
interessantíssima a narração dessa nativa, que disse com muita
naturalidade que sua mãe foi defecar no mato e levou um pedaço de
jornal velho. Como não podia ser diferente, enquanto defecava, lia
as notícias; e foi assim que encontrou dois nomes diferentes de
meninas, achou-os bonitos e os escolheu para batizar as duas filhas
que nasceriam seguidamente.
Uma
jovem senhora contou-me que, quando criança, sua mãe a mandava para
o mato pastorar as vacas. Ali ela passava a tarde até o sol começar
a desaparecer no horizonte; era quando tangia os animais de volta ao
curral. Quando sentia vontade de defecar, não se fazia de rogada,
subia num enorme pé de cajueiro e ali mesmo deixava o intestino
funcionar, ao sabor do vento. Já havia o local certo, “era uma
forquilha”, explicou, cuja posição horizontal, a escondia entre
as folhas provenientes de outros galhos que sobraçavam de um lado e
de outro. Lá do alto admirava o horizonte, avistando, inclusive a
casa onde morava, enquanto o intestino cumpria a sua única missão.
Depois, ela descia a procura de velame, outrora já subia com um
galho na mão. Interessante ela ter dito que sente saudades dessa
época, e que depois de ter deixado o sítio, voltava eventualmente –
já casada e com filhos – para visitar sua mãe, e quando via o
cajueiro, vinham-lhe as lembranças desse tempo inesquecível de
criança.
O
PISO DA CASA DE TAIPA
A
maioria das casas de taipa dos pobres tinham piso de barro. O
transitar de chinelos e pés descalços deixava o piso tão firme que
parecia cimento. O efeito era reforçado pelo "socador de chão",
uma engenhoca semelhante ao usado atualmente para bater "metralha"
(46) para fazer piso de cimento. Água, só para espargir
eventualmente para matar a poeira. Só em meado do século XIX alguns
se esforçavam e mandavam colocar o piso de "cimento queimado"
ou aplicavam pigmento vermelho. Algumas donas de casa eram tão
caprichosas na arte de encerar tais pisos que ficavam espelhados de
tão lustrados. A casa do Sr. “Bambão” e d. Maria do Carmo é um
exemplo disso. Os mesmos esforços que se fazem, hoje, para colocar
porcelanato no piso, era feito, no passado, com o mero cimento ou
tijolinhos brancos. A vaidade, o luxo, a simplicidade, o tosco ou a
opulência de uma casa dependia do que o dono tinha no cofre. O
ladrilho hidráulico era material nobre, como atualmente os
porcelanatos importados. Via de regra o piso da casa de taipa sempre
foi aquele deixado pela natureza, desde a Criação.
Tijolinho branco |
Outro
tipo de piso que ainda deixou resquícios em algumas casas atuais é “tijolinho branco”, normalmente em formato horizontal,
dentre modelos quadrados e sextavados. Esse material, segundo os mais
velhos “esfriava a casa”. Dona Leonísia contou-me que quando sua
mãe lavava a casa, o piso ficava “gelado”, efeito proporcionado
pelo vento. Isso se explica pelo fato de serem peças de cerâmica
queimada, tais quais os potes de barro que também esfriam a água.
Por ser um material áspero, não permitia o uso de cera. A limpeza
era feita apenas com água, que era absorvida em poucos minutos.
Ladrilho hidráulico - Engenho Descanso |
Como
foi exposto acima, as casas imponentes usavam ladrilho hidráulico
com belos desenhos geométricos, florais e abstratos que, de tão bem
encerados, espelhavam. Alguns derretiam parafina (vela) trazida da
Ribeira, misturada a querosene, cujo efeito, segundo contam, era bom.
Contou-me d. Maria do Carmo Bezerra Dias, conhecida como d.
“Mariinha”, 94 anos, que a Igreja Matriz recebeu esse tratamento
durante muitos anos, graças aos esforços de Yayá Paiva, uma beata
que devotou muitos anos de sua vida ao referido templo.
Piso feito com pigmento vermelho, conhecido popularmente como "vermelhão". |
AS
FACHADAS E FRONTÕES DE TIJOLOS E CIMENTO
Outra
novidade que veio com o cimento foi a fachada de alvenaria (tijolos,
cal e cimento), mas os demais cômodos eram de taipa. Só o frontão
era de tijolos assentados com barro ou areia com cal. Com o passar do
tempo pessoas mais simples mandavam fazer frontões de tijolos.
Alguns pedreiros e mestres de obra eram exímios artistas, adornando
baixos e altos relevos com os mais belos desenhos. Alguns
encomendavam guirlandas e floretes; outros, optavam por variadas
formas geométricas abstratas. Havia preferência pelo contorno das
portas e janelas.
Muitos
mandavam colocar a data do ano da construção da casa. Há uma
inscrição de 1904 na nave direita da Igreja Matriz de Nossa Senhora
do Ó. Defronte a um posto de combustível na entrada de Nísia
Floresta foi conservado o frontão de uma casa datada de 1936.
O resto foi demolido.
Casarão assobradado que existia logo na entrada da cidade, pertencente à família de Yayá Paiva - demolido em 2005 |
A antiga casa da Srª Roseira, irmã de Yayá
Paiva (ambas falecidas) onde funcionou a Secretaria de Obras no
governo de João Lourenço Neto – apelidada de "Casa da Dinda"
– trazia o ano de 1934.
Infelizmente foi mandada demolir durante a gestão do
citado cidadão, apesar de meus incessantes pedidos para que a
conservasse, inclusive poderia servir a algum órgão público
ou, em últimos casos, deixasse ilesa ao menos a fachada. Essa
casa tinha apenas uma parte de taipa, tudo mais era de tijolões
dispostos em barro; só o emboço era de cimento.
AS
NOITES DE CHUVA NUMA CASA DE TAIPA
O
“inverno” (47) sempre foi muito bem recebido em Nísia Floresta,
embora se trate de uma região rica em água, mas sempre foi visto
com reservas, pois usar o banheiro ou a privada em noites de chuva
era um suplício. Imagine uma diarreia em noite torrencial.
Mas
não era apenas por isso. Algumas doenças ou sintomas indesejáveis
eram justificados pela tomada de "pancada de ar" (48) nas
madrugadas, quando as pessoas deixavam a cama, quentinha, e se
dirigiam às "casinhas". A “pancada de ar” ou até
mesmo a chuva imputava-lhes – segundo diziam – "estalecido"
(49), "carne triada" (50), “ramo”, alergias
respiratórias etc. O receio desses sintomas fez com que estendessem
o uso do penico por muitos anos em Nísia Floresta. Havia muito
tipos e dependia da situação econômica do proprietário. Uns eram
de luxo, feitos em louça com belos desenhos, outros, de ágata,
latão ou alumínio. Esse acessório, segundo, contou-me dona Natália
Gomes do Nascimento (90 anos),
ficava debaixo da cama ou da rede, exigindo o cuidado de não
tropeçar ou meter os pés dentro ao acordar. Logo de manhã alguém
corria para o “cagador” ou no mato mesmo, jogar os dejetos. Ela
também contou que o penico às vezes ficava no “caritó”,
justamente para evitar acidentes.
Mas
algo chama muito a minha atenção. principalmente pelo fato de eu
ter vivido boa parte da minha vida numa casa forrada e nunca ter
sentido uma experiência contada pelos nisiaflorestenses, com grande
nostalgia. São os famosos "farelos" de chuva no rosto nas noites de inverno. Ouvi depoimentos emocionados de nativos que dariam tudo para
reviver tal sensação. Dona Maria do Carmo (in
memorian)
esposa do Sr. "Bambão", que nasceu e morreu sob casas de
taipa, inclusive o seu lar permanece intacto no centro de Nísia
Floresta e já foi mencionado nesse estudo, disse-me: "nas
noites de inverno a gente ia cedo para a cama, nem esperava papai
mandar. Nossa Senhora, era bom demais dormir com aqueles farelinhos
na cara… era um frio! a gente deitava e ficava vendo o barulhinho
da chuva no telhado... batia e dava aqueles pinguinhos bem fininhos
na gente… ai, meu Deus, que tempo bom! as telhas de hoje são mais
fornidas, sei lá, aquele farelozinho diminuiu, mas ainda hoje eu sinto os pingos e
lembro de quando era menina".
Eu
sempre me impressionei com depoimentos desse tipo. E realmente
deveria ser muito aconchegante esconder-se sob a coberta quente,
deixando o rosto exposto a essa experiência.
OS
"BRECHADORES"
Ouvi
histórias singulares sobre trânsitos suspeitos e comprometedores
entre a casa de taipa e a “casinha”, sob a cumplicidade das
noites escuras, ajudadas pelas sombras das mangueiras que ocultavam a
luz da lua. Uma delas é sobre os "brechadores" (51) que
percorriam os quintais sem reserva. Contam
que existiam figuras tarimbadas nessa prática, acostumadas a olhar
as mulheres tomando banho através das frestas desses antigos
banheiros de quintal – pelos buraquinhos da taipa, ou das palhas.
Normalmente tais “façanhas” ocorriam nas primeiras horas da
noite, quando normalmente as pessoas tomam banho.
Moradores
de um determinado distrito contaram-me que, certa noite, ouviram os
gritos apavorantes de uma mulher. “Era mais ou menos umas dezoito
horas quando a gente escutou uma mulher gritando como louca”,
explicou-me J.A.N. Quando perceberam era nos fundos da casa da
vizinha. Eles saíram em disparada quando o irmão da moça que
tomava banho contou o que se tratava. Eles dispararam no encalço e
chegaram a ver o espectro do “brechador” na penumbra; ele saiu
passando por cima de pau e pedra, numa carreira desabalada para
escapar dos pais, irmãos e amigos da vítima.
Nunca
se soube quem era. Raramente eram flagrados, haja vista serem
matreiros. “Esses cabra safado faz isso por aí... uma hora aqui,
outra acolá”, explicou-me. Alguns rapazes e mesmo homens casados
tinham fama de "brechadores", embora nunca foram pegos. E
não era somente isso. Contam que muita moça apareceu "buchuda"
após tais banhos, pois, estando em tais banheiros, "alumiadas"
pela luz acanhada de candeeiros a base de querosene, se entregavam
aos apelos de algum rapaz vizinho que aparecia por ali após ter
acertado o encontro ainda sob a luz do sol.
Muitos
desses imbróglios acabavam em casamento, embora nem sempre oficial.
Ouvi casos de mulheres casadas que nesse fervilhado de banhos na
escuridão dos quintais, se entregavam a rapazes mais jovens. E nove
meses depois surgia o resultado sob foros de ser do marido que sequer
desconfiou – ou fingiu não saber. Houve episódios de menino
nascer com a cara do vizinho. Assim ouvi, inclusive contado por gente
idosa.
BANANEIRAS E JUMENTAS
Nísia Floresta é um município emoldurado por bananais, os quais disputam espaço com mangueirais e coqueirais. A
bestialidade, que encontra terreno – pasmem – até mesmo no
Alcorão tem suas nuanças por estas plagas, se é que se fazem tradição..
Paul Regle, em seu trabalho "El Ktab, Les lois secrétes de l'amour - Paris, 1913" informa: "Mahomet permettraite la fornication avec des animaux à la condition que se fut dans un but curatiff. Ainsi, il est permi d'aprés le Coran de forniquer avec des animaux femmeles quand on est atteint de gonorrihèe simple ou syphilitique".
Parece bizarro, mas, diferente de orientação medicamentosa do Alcorão, o ato sexual com jumentas e éguas funcionou e supostamente ainda funciona em Nísia Floresta apenas como iniciação sexual de adolescentes, ou quando homens casados estão sem mulher.
São impressionantes esses "namoros", ora entre homens e jumentas, homens e éguas, meninos e cabritas. A bestialidade me foi contada por várias pessoas, fazendo-me lembrar do livro Menino de Engenho, de José Lins do Rego. Num de seus capítulos ele narra a concorrência desses meninos com suas cabras e os "encontros" de lubricidade. Fala também de flagrantes de zoofilia que alguns faziam pelas matas e currais de gado.
Mas há um incremento especial nesse contexto, promovido por uma espécie inanimada, ou melhor, vegetal. Ouvi depoimentos sobre rapazes e – pasmem de novo – homens casados que copulavam com bananeiras. De acordo com N. M. N., após uma onda de comentários sobre um vulto nu que perambulava por determinado bananal nos finais de tarde, encontraram no dia seguinte orifícios de variadas circunferências e profundidades nessas plantas – sempre na altura da cintura de um adulto. A princípio imaginavam se tratar de mera traquinagem de meninos, se não fosse o resquício de odor peculiar ali deixado, confirmando a bestialidade.
Paul Regle, em seu trabalho "El Ktab, Les lois secrétes de l'amour - Paris, 1913" informa: "Mahomet permettraite la fornication avec des animaux à la condition que se fut dans un but curatiff. Ainsi, il est permi d'aprés le Coran de forniquer avec des animaux femmeles quand on est atteint de gonorrihèe simple ou syphilitique".
Parece bizarro, mas, diferente de orientação medicamentosa do Alcorão, o ato sexual com jumentas e éguas funcionou e supostamente ainda funciona em Nísia Floresta apenas como iniciação sexual de adolescentes, ou quando homens casados estão sem mulher.
São impressionantes esses "namoros", ora entre homens e jumentas, homens e éguas, meninos e cabritas. A bestialidade me foi contada por várias pessoas, fazendo-me lembrar do livro Menino de Engenho, de José Lins do Rego. Num de seus capítulos ele narra a concorrência desses meninos com suas cabras e os "encontros" de lubricidade. Fala também de flagrantes de zoofilia que alguns faziam pelas matas e currais de gado.
Mas há um incremento especial nesse contexto, promovido por uma espécie inanimada, ou melhor, vegetal. Ouvi depoimentos sobre rapazes e – pasmem de novo – homens casados que copulavam com bananeiras. De acordo com N. M. N., após uma onda de comentários sobre um vulto nu que perambulava por determinado bananal nos finais de tarde, encontraram no dia seguinte orifícios de variadas circunferências e profundidades nessas plantas – sempre na altura da cintura de um adulto. A princípio imaginavam se tratar de mera traquinagem de meninos, se não fosse o resquício de odor peculiar ali deixado, confirmando a bestialidade.
A
depoente contou-me que foram vistos vultos "mengando" (52)
em bananeiras em determinados terrenos onde esse tipo de vegetação
faz verdadeira floresta. A pessoa que viu, esteve em seguida no local
e constatou a pista, na qual o "fetiche" contou com um saco
desses de açúcar ou arroz introduzido no dito buraco para – certamente – deixar a sensação
mais “real”; pelo menos foi assim que me explicou a narradora.
Por
muito tempo, encontrar buraquinhos em bananeiras era algo tão comum
para alguns que mal se importavam. Passou a ser parte da paisagem.
Algumas pessoas eram tarimbadas no assunto, a ponto de serem
apontadas por todos, alvo de piadas, zombarias ou rejeição. Curioso
é que algumas delas não se importavam, abstidas totalmente do seu
senso de pudor ou moral.
A
zoofilia também me foi narrada em fartos episódios, inclusive
apontados os seus autores nas áreas de Currais, Porto e outras.
Muitos desses praticantes, hoje pais de família e até avós, certamente aposentaram a
abominável prática. Sobre isso, no ano passado (1992) estive em
Golandi a convite de um aluno, o qual quis me apresentar um senhor
que detinha muitas informações sobre uma dança folclórica antiga.
Ao longo das conversas que se demoraram uma tarde - dentro de um contexto - o pai do jovem contou-me que várias vezes viu o dono de um sítio (que eles chamam "fazenda") na região de Currais transando com éguas e
jumentas em um lugar ermo da propriedade. Eles ressaltou que a cena lhe era tão
comum que ele nunca quis interromper o “idílio” entre o zoófilo e sua égua. O narrador informou que o dito rapaz se prestava a essa atividade desde adolescente, inclusive mencionou o nome do mesmo - pessoa conhecida na região - e tal informação provocou inevitáveis risos em quem estava próximo, interessado naquelas conversas tão inusitadas.
A
INTIMIDADE DO CASAL NAS CASAS DE TAIPA
Ouvi
esse depoimento curioso e digno de análise por parte de psicólogos,
pedagogos e psicanalistas. Uma jovem, cujo nome preservo, contou-me
que por várias vezes despertou em altas madrugadas, instigada por
barulho esquisito vindo do quarto de seus pais. A lua trespassava as
frestas do telhado e os buracos da parede da casa de taipa, e nessa
penumbra ela conseguia identificar o seu pai se movimentando sobre
sua mãe. Ela disse que teve um “baque no coração”. Os gemidos
abafados da mãe e o ranger da cama causavam-lhe uma sensação de
aflição e angústia, sem entender o que se tratava.
E
quando o dia amanhecia, tudo voltava ao normal, menos para ela que
não suportava olhar o pai. Sentia medo por ter “judiado de mãe”
durante a noite. Assim me disse. Com relação à mãe, explicou que
“sentia dó dela”. Desse modo detestou o pai durante boa parte da
infância. Não suportava quando ele a chamava para dar-lhe os
carinhos típicos de um pai, pois relacionava as imagens da madrugada
com o que ele poderia fazer com ela. Assim, disparava, apavorada. Só
depois de muito tempo entendeu o que de fato ocorria naquelas
assustadoras madrugadas.
Ouvi
depoimentos sobre casais que preferiam ter relações sexuais nos
locais mais impensados, próximos da casa, evitando justamente chamar
a atenção dos filhos ou parentes, pois o silêncio da noite deixava
os sons mais audíveis. Desse modo, usavam os banheiros do quintal,
“puxadinhos” e até mesmo os arbustos próximos à casa, sempre a
noite. Casais que passavam o dia inteiro na roça reservavam “uma
horinha” para tais intimidades ao sabor das matas e dos cantos dos
pássaros, enquanto plantavam ou colhiam macaxeira, inhame e batata
doce. Muito bananal, canavial e moitas testemunharam as façanhas de
quem não queria assustar os filhos como o caso acima exposto. Como
se percebe, até mesmo as pessoas simples usavam a psicologia para
evitar traumas e outros imbróglios.
Por
falar nisso, contaram-me sobre um fato folclórico passado numa
residência em Nísia Floresta. A empregada pediu a uma assistente
que a ajudava na cozinha, que ela ligasse o rádio com o volume mais
alto e mexesse nas tampas das panelas enquanto ela estava no
banheiro. Toda essa estratégia visava
abafar os sons vindos do seu intestino enquanto ela usava o
sanitário. Sobre esse detalhe, é muito comum até hoje encontrar
nativos que, mesmo tendo banheiro dentro de casa, usam a privada do
quintal.
Escutei
exatamente esse depoimento: “não tem que me faça usar o banheiro
de casa; eu tenho vergonha quando saio e alguém entra, sentindo a
catinga que infesta a casa e às vezes vai até na cozinha; e tem
também o barulho quando a gente tá c.… Deus me livre”. Confesso
que ri muito desse depoimento pela espontaneidade como me foi
narrado. Não podia ser diferente. Um nisiaflorestense me contou que
quando está fora de casa resolvendo compromissos, não consegue usar
banheiros estranhos, mesmo nos lugares mais sossegados e privativos.
Explicou que pode passar até dois dias segurando, mas só consegue
quando chega em casa.
As
questões ligadas ao pudor também tinham nuanças interessantes. Os
pais eram muito cuidadosos com a nudez, de modo que jamais permitiam
que os filhos os vissem nus. O máximo que se via era o pai de
“samba-canção” (53), “ceroulas” (54) e a mãe de calção
(55), anáguas (56) saiotes (57) e califom (58). Mas essa regra nem
sempre funcionava entre os irmãos, pois muitas casas de taipa eram
tão pequenas e sem privacidade que se tornava comum irmãos e irmãs
se verem nus, enquanto se banhavam ou se vestiam. Isso não está
relacionado de forma alguma a incesto ou algo parecido. Os laços
irmanais impunha um respeito natural, abstido de erotismo ou algo
parecido.
Também
não significa que um filho nunca tenha visto o pai nu ou a filha
visto a mãe nua. Era uma possibilidade mais difícil, mas de certo
modo relativa, haja vista o pudor natural que se amplia quando há
parentesco. É muito comum encontrar até hoje pessoas idosas, de
idades entre setenta a oitenta anos, que não admitem ser cuidadas
pelos filhos ou cuidadores, justamente pelos pudores, preconceitos e
tabus formatados ao logo da vida. Alguns apenas toleram receber tais
cuidados por parte dos filhos mais velhos. Mas também é possível
encontrar um número menor de pessoas da mesma idade que encaram isso
com naturalidade, despidas de qualquer tabu. Parece que, quanto mais
nos distanciamos do passado, mais as tradições e costumes vão se
diluindo.
A
INTIMIDADE DAS MULHERES E MOÇAS NAS CASAS DE TAIPA
No
transcorrer dessas pesquisas, ocorridas ao longo de duas décadas,
ouvi detalhes que não poderiam passar despercebidos devido a sua
importância histórica. Na realidade eu nunca indaguei pessoas sobre
alguns pontos discorridos ao longo deste estudo. Pelo contrário,
eles foram evidenciados no corpo de um assunto diferente. Como dizem
“uma coisa puxa a outra”. No caudal de um tema afloravam nuanças
diversas. Foi assim que ouvi um relato muito espontâneo, contado por
d. M. J. R. senhora de 78 anos, sobre a sua primeira menstruação.
“Eu
nunca vi mamãe menstruada. Até essa palavra eu fui aprender depois
de véia. Mamãe não me viu menstruada quando eu menstruei pela
primeira vez. E nem eu nunca vi ela… nem os pano. Isso não era
assunto para ninguém falar… era proibido. Eu nem sabia o que era
quando veio pra mim. Tive medo, chorei… era coisa do outro mundo
procurar os pais para saber certas coisa. Menina cabida, minha mãe
dizia.” Foi através desse relato que perguntei a essa senhora o
que as mulheres de sua época usavam durante o ciclo menstrual. Ela
explicou que era pano de roupa velha que não prestava para mais
nada. “Usava e jogava na privada depois”, complementou.
“Naquele
tempo as mães não conversavam esses assunto com as filha, não. Nem
sobre casamento. O casamento dela foi a coisa mais esquisita do
mundo. Ela se casou e pensava que era para ficar junto do rapais,
assim como irmão, não sabe! Não pensava naquelas coisas… sabe o
que eu tô falando, né? E quando o meu pai se aproximava dela ela
corria e ficava pelos canto, chorando. Uma noite ela desapareceu no
mato e meu pai passou a noite procurando ela. De manhãzinha ela
estava no curral dos bicho, escondida. Ela tinha medo dele quando ele
se aproximava e queria as coisas com ela. A primeira vez que ela viu
ele daquele jeito… você sabe o jeito que é não é? Tá me
entendendo, né, Luís Carlos?! Então ela saiu correndo pra casa de
vovó, só depois de muita conversa ela foi viver com ele mesmo, mas
desconfiada. É, moça de respeito. Antigamente era assim”.
Os
dois depoimentos acima, contados por mulheres com nove décadas de
vida, passados mais ou menos em 1920, deixam claro que naquela época
a sexualidade da menina era um assunto proibido. As coisas eram
descobertas na prática, sem uma orientação prévia da mãe. Isso
com certeza traumatizou muita menina, com o agravante de ocorrer numa
época em que a única “fonte de informação” era o pai e a mãe.
Preferi dizer “sexualidade da menina” por ser uma peculiaridade
de gênero, em especial o detalhe da menstruação, pois no que se
refere a sexualidade masculina tudo sempre foi mais natural –
justamente pelo machismo absoluto e o fato de menino não sangrar.
Isso os isentava de sentir o pavor experimentado pelas meninas ao ver
os filetes rubros escorrendo entre as pernas, sem sequer imaginar o
que se tratava – devido a falta de educação sexual da á
época.
Como
não bastasse, pesava desfavoravelmente às mulheres o detalhe do
casamento. Praticamente não existia namoro, ou melhor, contato
físico como pegar nas mãos, beijar o rosto etc. “O beijo na boca
muitas vezes não existia nem no casamento”, disse-me dona Natália
Gomes do Nascimento. Ao se casar, as moças eram orientadas apenas às
práticas domésticas: cozinhar, coser, cuidar da casa e dos meninos.
Os pais diziam que elas iriam para os poderes do marido e deveriam
obediência eterna a eles. O assunto 'sexo' era ignorado, como se não
fizesse parte da vida conjugal. Quando cruzamos o detalhe da falta de
informação sobre sexualidade com casamento, entendemos o quanto era
traumatizante para uma menina de doze anos, por exemplo, se casar com
um desconhecido de 40 anos, como foi o caso da avó dessa senhora
citada acima, e muitas outras, afinal essa discrepância de idade
sempre foi muito comum no passado.
CASA
DE TAIPA, QUINTAIS E VIZINHANÇA
A
privacidade dos quintais das casas de taipa também tinha outras
nuanças. Era um detalhe quase inexistente, principalmente nos
povoados e lugarejos distantes da área urbana, onde as casas se
aglomeravam próximas umas das outras, principalmente em terrenos
onde gerações da mesma família se avizinhavam. Nem toda casa era
protegida por “faxina” (59), permitindo que seus habitantes
entrassem e saíssem pela porta dos fundos ou da sala, transitassem
nos quintais alheios a qualquer hora e com a mesma naturalidade de
quem transita no seu, aparecessem na janela da casa vizinha atrás de
uma "quartinha" (60) de café, farinha, feijão, costume
este que funcionava como uma espécie de “escambo”, encarado com
normalidade por todos, em nome da boa vizinhança. Nesses vaivens
contavam e ouviam as novidades.
Normalmente,
os únicos espaços faxinados nos quintais eram os chiqueiros de
galinhas ou porcos, hortas e locais onde se plantavam ervas
medicinais, justamente para evitar a entrada de bichos; o resto era
aberto e em constante trânsito. Essa “geografia” é comum até
hoje em todos os povoados de Nísia Floresta. A vida de todos era
compartilhada sem reservas. Era como se todos fossem parentes. Sabiam
das alegrias, tristezas, misérias e farturas alheias de maneira
muito natural. O hábito de uns confidenciarem assuntos pessoais –
e até segredos – entre si gerava cumplicidade e muitas vezes
fofoca, embora parece que as maldades daquela época passavam
anos-luz das de hoje. Por sua vez os mexericos causavam inimizades.
Não era regra, mas um comportamento comum. Até mesmo a inimizade
não se demorava muito, pois o tempo gasto “ficando de mal” (61)
desperdiçava a oportunidade de saber mais novidades do vizinho.
A
DESPENSA NAS CASAS DE TAIPA
As
casas de taipa também possuíam despensa, e seu tamanho e fartura
dependiam das finanças dos donos. Era nela que se guardavam
alimentos e objetos utilitários de cozinha, assim como panelas,
caldeirões, moedores de carne, urupema, cuias para apanhar
farinha, feijão etc. Normalmente, tinham a metade do tamanho de um
quarto normal e as paredes eram cheias de prateleiras. Esse cômodo
era "gerenciado" pela dona da casa, a qual controlava
rigorosamente a entrada e a saída dos alimentos, ao modo de
almoxarifado. Às vezes a função era passada a uma empregada antiga
e de confiança, a qual vigiava a despensa como "cão de
guarda".
Ali
ficavam os nacos de carne de sol pendurados em ganchos de ferro. Nas
prateleiras ficavam dispostos os queijos e grandes potes
de doce de caju, laranja da terra, goiaba e outros. Grandes tijolos
de rapadura eram guardados aos fardos, protegidos por embiras e
palhas de bananeiras. No chão ficavam sacas de farinha e feijão. D.
Leonísia contou-me que colocando a imagem de Santo Onofre no
saco de farinha o produto renderia muito,
como que milagrosamente. Caixotes
de peixe seco impregnavam o ambiente de uma espécie de cheiro
de bacalhau
velho com cereais. Uma despensa era local cobiçado pelos próprios
convivas, os quais a assaltavam na primeira oportunidade,
principalmente a meninada.
Contou-me
o Sr. "Zé Catita", em 1994, falecido com mais de noventa
anos, que o seu apelido "catita" (62) lhe foi dado pelo
pai, fruto de seus assaltos noturnos à despensa da casa – quando
criança. Ele comia os olhinhos dos peixes voadores que ficavam em
caixotes na despensa. Todos passaram a estranhar o sumiço único e
exclusivo dos olhinhos dos peixes. Imaginando que se tratava de uma
catita muito seletiva com os seus acepipes, passaram a guardar os
peixes de maneira mais protegida, mas os olhinhos continuaram
"desaparecendo", até que um dia a "catita" foi
pega com a "boca na botija".
A
despensa das pessoas humildes era um pequeno quartinho ao lado da
cozinha, sem guarnição alguma. Ali ficavam as sacas de feijão e
farinha, base da alimentação do nordestino. O resto dependia da
caça e da pesca do dia, sempre fartas. Outra iguaria apreciada até
hoje era o cuscuz, cujo milho seco ficava de molho na água durante a
noite. No outro dia era só pilar e pô-lo no vapor, protegido por um
paninho de prato limpo. Os mais velhos sempre disseram que em Nísia
Floresta ninguém passava fome, pois dava tudo, bastava ir atrás.
Também ouvi muito a frase: “em Nísia Floresta não existem
mendigos”. “Os mendigos daqui vem de São José de Mipibu”,
explicou-me o Sr. Pedro Leandro.
O
QUE SE COMIA NO TEMPO DAS CASAS DE TAIPA
Em
Nísia Floresta, até a década de 1990, o que mais se ouvia era que
ali passava fome quem queria. Isso é facilmente explicado pela
fertilidade de suas terras – verdadeira Manah –
e principalmente suas
lagoas e pequenos rios piscosos. Não é à toa que o município
carrega até hoje o a alcunha de “terra do camarão”. Dona
Terezinha Barros de Carvalho, (in
memorian),
que morou no Porto a maior parte da vida, disse-me exatamente assim:
“meu filho, dava medo ver o quintal vermelho de caranguejo… era
um passando por cima do outro; eles chegavam até aqui no batente, se
deixasse, invadia a casa; camarão você pegava na mão ai nesse
riozinho mesmo”.
Até
1970, segundo o Sr ……………………… ilegível (in
memorian),
“aqui na boca da lagoa os pescadores chegava com as canoa que dava
gosto… era um peixe maior que o outro; às veis os menores eles
jogavam e os mais pobres pegavam… o camarão Pitu era
do tamanho de um palmo… eles enchia os cesto… era fartura
demais”.
São
incontáveis os depoimentos de nativos descrevendo a fartura de
alimentos regionais. A galinha caipira sempre esteve na mesa de
todos, principalmente aos domingos, após a missa, contou-me d.
Maria Santana (Campo
de Santana). “O resguardo de toda mulher era com pirão de galinha
caipira. “Elas passava quarenta dias de cama depois do parto,
comendo o pirão pra fortalecê e sustentar bem o menino... pirão de
galinha enchia os peito de leite... umas tinha que controlá, pois já
tinha leite demais por natureza e vazava” contou-me dona
“Liquinha” (83
anos), famosa parteira. “Eu perdi as conta de tanto menino que
nasceu dessas mão aqui; lembro que só chamei Mané Amaro uma veis,
foi caso de menino atravessado”, explicou-me, mostrando as mãos
com orgulho. Ainda sobre pirão, sempre foi um prato comum na
alimentação papariense, seja de caranguejo, camarão e peixe.
Sr.
“Zé Carão” contou-me que “todo mundo tinha roçado, cada um
plantava para o seu próprio sustento… papai plantou muitos anos no
Engenho Descanso… era fartura demais, a gente vendia na Feira do
Carrasco, em Natal; toda casa tinha de tudo… as pessoas era pobre,
mas não sabia o que era passar fome… todo mundo tinha do que
viver.”
Segundo
o Sr. Pedro Araújo de Carvalho, neto do primeiro
intendente de Nísia Floresta, Cel. José de Araújo, a
comida do pobre era farinha, peixe, camarão, feijão verde, feijão
branco, batata-doce, inhame, fruta-pão, jerimun. A
sobremesa – palavra desconhecida – era rapadura, inclusive
consumida misturada a farinha, coalhada e até mesmo no feijão verde
ou branco, explicou-me d. Natália. E todos tinham essa quitanda em
suas casas, pois todos tinham roçados.
Até
hoje é fácil visualizar essa fartura aparentemente exagerada, mas
que foi real durante muitos anos, pois Nísia Floresta sempre teve
uma demografia baixa, contrastando com grandes áreas nas quais se
plantavam de tudo. O próprio nome original “Papari” evidencia
fartura de peixes em suas incontáveis lagoas. Uma das
características dos nativos é consumir muito suco. Quase ninguém
consome sucos em pó industrializados. Apesar de a mangaba estar na
lista das futuras frutas em extinção, é a preferida de todos,
juntamente com manga, goiaba, abacaxi, cajá, graviola e carambola.
Nos anos 1990 foi introduzida a acerola. A qual adaptou-se de maneira
surpreendente ao clima de toda a região, cujo tamanho surpreende.
“Eu
sempre gostei do ponche de mangaba… mamãe fazia muito, ais veis
mistuva as fruta… um dia um hômi do Sul disse que não podia
misturá fruta… aí ela deixou, mas quando ela morreu eu misturei
muito e dava para meus fii assim, misturado; nunca ninguém teve
nada… eu gosto muito do abacaxi misturado com cajá”, contou-me
dona Maria Santana, de Campo de Santana.
Perguntei
o que os nativos costumavam comer na janta. Ela foi logo me
interrompendo com uma longa interjeição “… ah! Meu Deus! Era
tanta coisa boa… hoje eu nem posso… essas doença véia acaba com
a gente… nóis cumia peixe frito com macaxeira ou batata-doce,
jerimun, fruta-pão ou inhame mais café; muita gente pilava milho e
preparava cuscuz; cuscuz nunca faltava na casa de ninguém; sempre
com manteiga da terra ou molhado no leite do coco ou de gado mesmo…
mamãe gostava de cuscuz com peixe ou camarão torrado (61)…
banana cozinhada
também era bom com carne guisada. Às veis carne de caça… papai
gostava de caçá… o tatu era bom demais… a janta era mais isso,
sempre com café… eu adorava peixe frito com qualquer coisa”.
O
Sr. “Zé Carão” contou-me que era muito comum o consumo de peixe
e carne de sol na grelha. “Esse negócio de fritar no óleo não
existia… não existia nem óleo, só banha de porco, mas todo mundo
assava na brasa… não tem nada melhor que carne-de-sol na brasa,
depois é só jogar uma manteiga da terra por cima… você já comeu
borra de manteiga da terra? não tem coisa melhor”, explicou-me.
Esses
e outros relatos evidenciam a riqueza de frutas, legumes, hortaliças,
tubérculos, peixes e crustáceos em Nísia Floresta, comprovando
aquela máxima comum, dita pelos antigos “em Nísia Floresta quando
aparece um pedinte é de São José”, como ouvi muito. Mas hoje,
apesar das terras continuarem férteis e com suas grandes lagoas,
ampliou-se muito o campo urbano. Áreas onde muitos anos se viam
belos roçados, atualmente são conjuntos habitacionais ou meros
pastos. Outras foram tomadas pelo mato. Não existem políticas
públicas voltadas para a agricultura, pesca e pecuária, exceto
atitudes acanhadas e sem impacto algum. Hoje, boa parte do que o
município produziu no passado – inclusive exportava para fora –
hoje compra tudo da CEASA, em Natal.
No
passado, o município cheirava a camarão. Tanto para o consumo do
nativo como para
venda. Fazia-se o crustáceo de todas as formas, cozido, frito, no
vatapá, no caldo, no pirão, “os caminhão saia daqui cheio de
corda de caranguejo, camarão… as muié iam vendê em Natal,
passava o dia, vendia tudo… até bacia de mangaba… os ônibus da
empresa Barros fedia a peixe e fruta, de tanta coisa que os povo
levava para Natal... todo mundo queria o que era de Papari… o povo
de fora achava bom o que era daqui, explicou-me o Sr. Joaquim,
dono do mais famoso restaurante especializado em camarão e galinha
caipira da região.
Ele
também me repassou um detalhe curioso sobre o fato de sua avó
ter-lhe dito que na época dela, comia-se com as mãos. Não existiam
talheres. Talvez isso explique o hábito de alguns nativos comerem
feijão verde ou branco misturado a farinha amassado com as mãos. A
combinação da fécula da farinha e o cereal resulta numa espécie
de bolo, cujos nativos o denominam “raposa”; outros chamam
“macaco”. Também ouvi "macaca", embora com menos intensidade. Sobre comer com as mãos, Henry
Koster (63) registrou
esse hábito vivido justamente aqui em Papari, no ano de 1810. Com
um quengo as
pessoas retiravam na panela o que queriam comer, misturavam tudo no
prato e se alimentavam. Os pedaços maiores de carne eram cortados
com uma única faca para toda a família. O resto se resolvia nos
dentes. Frango era comido ao modo D. João VI (64). Estamos
falando de duzentos anos passados. Só depois de muito tempo apareceu
a colher, a qual se tornou o principal acessório de uma refeição
depois do prato. Nem os ricos usavam garfos.
Quando
retroagimos no tempo – levando em conta que o Sr. Joaquim tinha
quase noventa anos – sua história se confirma, pois nos
aproximamos da época citada por Koster. Se bem que um costume
não tem prazo padronizado de duração, podendo ser muito mais
antigo e ter durado muito mais tempo. Ainda sobre comer com as mãos,
testemunhei – e acompanhei – d. Natália se deliciando com
“raposas” no alpendre da casa onde morava, na “Rua da Bica”.
Quando meu filho era pequeno e apresentou dificuldades para comer
certos alimentos, vali-me das famosas “raposas” de d. Natália. A
farinha e o feijão era base para misturar frango, carne desfiada e
peixe. Deu certo. De vez em quando – não posso negar – como
“raposas” misturadas a carne guisada
"Raposas" ou "macaco" (feijão amassado com farinha. |
Contou-me João
Lourenço Neto, professor e ex-prefeito de Nísia Floresta, que a
alimentação de sua família sempre foi à base de peixes. A
propósito, disse-me que só foi possuir um sapato aos 18 anos,
quando ingressou na Aeronáutica. Segundo ele, poucos tinham sapato
na sua época. Esse mesmo assunto me foi contado por D. Lourdes
Silva (60
anos), poeta popular, a qual residiu longos anos na Moita, ao lado do
Instituto Chico Mendes. Ela contou-me que em sua época todos andavam
descalços. Só muitos anos depois apareceram as famosas
“alpercatas” (65). Lembrou-se até da marca
“Roda”. Também
disse que só foi conhecer pão proveniente de padaria e macarrão
aos quinze anos. “Ninguém conhecia pão e macarrão em Nísia
Floresta na década de 1970”, explicou.
Nísia
Floresta ainda é aquele lugar, cujas casas exibem nas cozinhas
cestas com jerimum, inhame, batata-doce, banana, macaxeira, manga,
goiaba, laranja-da-terra, laranja-cravo etc. A geladeira ainda
resfria peixes e camarões. O cenário atual ainda lembra o passado
tão declamado pelos antigos. São muitos os agricultores informais,
que vivem do que plantam, mas nada se compara ao passado. Hoje,
existem cozinhas fartas – a dos ricos – cuja fartura vem de fora.
Ao lado dela está a dos pobres, nas quais alguns têm de tudo e
outros – diferente de ontem – não têm nada.
A
ALTURA DAS CASAS DE TAIPA ANTIGAS
É
muito comum vermos antigas casas de taipa muito altas, de cumeeiras
anguladas bem ao estilo das antigas construções da região norte de
Portugal (Douro e Minho). Algumas tão altas no centro que beiram a
cinco metros, diferentes das construções de taipa mais recentes.
Normalmente são feitas de duas águas. O declínio para o frontão é
mais alto que o declínio para os fundos, onde se situa a cozinha. O
que tem o centro da casa de alto, tem o fundo de baixo. Muitas vezes
é tão baixo que quase toca a cabeça de uma pessoa de estatura
média. Quem sai às pressas pela porta da cozinha, pode ser
“premiado” com um galo na testa. Tais casas sempre tinham janelas
altas e estreitas, como se para proteger de invasores.
A
altura aparentemente exagerada de antigas casas de taipa se explica
pelo clima quente do Nordeste. É justamente a distância entre as
telhas e o piso que faz com que a casa esteja sempre arejada. A
ventilação, proporcionada pelos cobogós e grande número de
janelas, tornava o ambiente incomparavelmente mais frio que uma casa
baixa. Não se e tratava de mania de grandeza meramente. Havia uma engenhosa sabedoria. As paredes internas eram sempre até a metade (mais ou menos dois metros e meio). Nem sempre atingiam o teto. Assim o ar formava uma camada quente bem junto a cumeeira, renovado sempre pelo ar que esquenta do chão.
Normalmente
a casa do rico e a do pobre não eram forradas, pois esse tipo de
construção não permitia tal luxo, exceto se fosse uma opção
mesmo. Nesse caso, exigia-se uma série de medidas especiais, que não
estavam na alçada dos artesãos locais, mas de especialistas nos
grandes centros. Nunca vi modelos com forro no município. O único
prédio antigo e forrado de Nísia Floresta era a Igreja Matriz de
Nossa Senhora do Ó, embora não seja de taipa e sim pedras e barro
misturado a óleo de baleia e ostras moídas.
Antigo forro de madeira da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, em Nísia Floresta (hoje retirado).
|
Quando
se forrava uma casa de taipa, proporcionava-se o conforto de tê-la
limpa por mais tempo, mas impedia-se aquele fenômeno contado pelos
mais velhos com muita nostalgia. Refiro-me às noites de chuva, cujos
pingos batiam nas telhas e trespassavam as frestas como delicado
sereno. Contam que as fagulhas de água tocando a face era uma
experiência muito agradável. Ouvi muitos depoimentos poéticos de
quem viveu isso, descrevendo-o como “inesquecível”.
A
TAIPA E A PALHA
A
longevidade da construção de casas de palha – técnica herdada
dos indígenas – ficou restrita às pessoas realmente muito pobres.
Os de melhor situação foram logo cuidando de fazer a sua casa de
taipa e os mais afortunados, as de alvenaria em número restrito. Até
o final da década de 1980 o primitivo estilo arquitetônico à base
de palha de coqueiro permeava toda a geografia nisiaflorestense. E
engana-se quem pensa se tratar de uma construção que ia ao chão
com um sopro de lobo. Pelo contrário, eram exemplares muito bem
construídos com linhas, esteios e estacas. A palha fazia as vezes da
taipa e das telhas de cerâmica num entrançamento perfeito. Muitos
anos depois tal construção se restringiu ao litoral, onde ricos e
pobres se igualavam na edificação desse tipo de construção.
Talvez isso explique a falta de valorização dada às praias no
passado.
As
casas de taipa de pessoas muito pobres eram feitas do mesmo modo que
a dos pobres comuns. A diferença estava na cobertura, normalmente de
palha de coqueiro. Na realidade, havia dois tipos, a casa com paredes
de taipa coberta com palhas, e a casa de paredes e telhado de palha.
Por ser um material de fácil combustão, a cozinha sempre era feita
em cômodo distanciado. De acordo com o Sr. Benedito, Mestre de Boi
de Reis da Rua Vila São João, “nem o inverno mais rigoroso fazia
atravessar uma gota de água nos entrançados de palha… quem
tivesse dentro de uma casa de palha não se molhava”.
Isso
era possível, graças às mãos hábeis dos "trançadores"
(66). A "trama" (67) era tão perfeita que tinha efeito de
impermeabilização. Infelizmente a profissão de "entrançador"
de palha de coco foi extinta. Restam, atualmente, alguns idosos que
fazem toscos entrançados para enfeitar barracas durante as festas
juninas. A “Rua Vila São João”, na comunidade do Porto tinha
como nome original “Rua da Palha”, exatamente porque foi um dos
últimos lugares a se desfazer dessa tradição. O narrador acima
disse “essa rua, de uma ponta a outra, até chegar no Sr. João
Amador, era toda cinzinha de palha… tão bonita… tempo bão
aquele”.
O
FOGÃO A LENHA NA CASA DE TAIPA
Como
já expliquei, o fogão a lenha era construído afastado do corpo da
casa, embora não fosse regra. Quando não o construíam num alpendre
nos fundos, faziam num puxadinho ao lado. Nas casas muito humildes o
fogão era feito sobre um jirau de varas e estacas, emendado na
parede, sem chaminé. Suas laterais eram bem largas para se colocar
as panelas quando se aprontavam os alimentos. A base inferior, onde
se colocava a lenha para queimar, se alargava, permitindo ser usada
para colocar algum recipiente que precisasse ser conservado quente ou
morno. A parte do telhado que ficava sobre o fogão servia para se
pendurar peixe, tripa, sebo ou carne, cascas de laranja e outras
coisas.
Casa de palha atual em região rural do Maranhão, pois não existem mais em Nísia Floresta - observe como é bem feita e, ao mesmo tempo, perigosas devido à condição inflamável das palhas.
|
Normalmente
a parede e o telhado da cozinha ficavam tão tisnados de fuligem que
pareciam pintados de tinta preta, pois nem sempre o fogão tinha
chaminé. As pessoas mais caprichosas, que tinham essa preocupação
usavam canos metálicos, manilhas ou mesmo tijolos. Debaixo do fogão
era guardada a lenha, livrando-a da chuva. Determinadas madeiras
quase não emitiam fumaça; outras "enfumaçavam" a casa ou
o puxadinho inteiro. Muitos cozinharam durante anos com "catembas"
(68) secas de coco. A palha seca do coqueiro era a combustão para se
acender fogo com rapidez. Quase todo fogão tinha ao lado uma
“bateria” (69), companheira inseparável, de onde se tiravam as
panelas e até mesmo o quengo. Alguns tinham uma espécie de
prateleira de madeira ou metal presa à parede, semelhante a uma “mão
francesa”, onde ficavam dispostos os alumínios. Outra companheira
fiel dos fogões era uma pequena mesinha que servia de apoio para se
colocar sal, banha de porco e especiarias, usadas na preparação dos
alimentos.
A
ideia de construir o fogão a lenha afastado da casa era para afastar
o calor, se bem que mais adiante o leitor constatará uma curiosa
desculpa feminina. Curiosamente o povo potiguar, que desconhece frio
e geada, reclama de qualquer friagem durante a época de chuva, aqui
chamada de “inverno” (não se refere a estação). Nas noites de
inverno” o fogão a lenha era o lugar preferido das famílias, pois
deixava o cômodo aquecido e aconchegante. Nessa época, o olfato
parecia mais sensível ao cheiro da comida, atiçando a fome. Segundo
alguns nativos o cuscuz feito em cuscuzeira de barro tem sabor
indescritível, ajudado pelo fogão a lenha. Somado a essa iguaria
tão apreciada em Nísia Floresta e região, o cafezinho pilado na
hora e feito na lenha dispensa comentários. Esse eu provei em
Alcaçuz e Campo de Santana. Realmente não se tem palavras para
descrever o sabor.
O
fogão a lenha, apesar da sua importância, não era tão benquisto
pelos moradores – principalmente as mulheres – pois a fuligem e
“pucumãs” plainavam pela casa, acomodando-se nas roupas,
tisnando-as. Mas a propósito, como tudo tem seu lado bom, o pucumã,
que é uma cinza fina como talco, formada sob as chapas de ferro e
chaminés de fogões a lenha, quando misturado a nata, é remédio
para sarampo. A fumaça impregnava as roupas pessoais e de cama. As
mulheres, principalmente, detestavam se aproximar dele quando
aguardavam o pretendente. Ninguém queria estar com os cabelos
cheirando a fumaça na hora de passear.
O
QUE SE OUVIA NO TEMPO DAS CASAS DE TAIPA
Sempre
admirei d.
Natália Gomes do Nascimento entoando “Pelo
Telefone” (70), do compositor
Donga. Como eu havia estudado História da Música Popular
Brasileira, achava interessante vê-la cantar essa
arcaica canção, então perguntei-lhe onde havia
aprendido. Ela disse que a
escutava pelo “rádio do véi Hermoge”, pai do ex-prefeito
José Ramires da Silva. Eventualmente me relatava partes
maravilhosas de sua vida – inclusive uma trágica – ocorrida em
sua mocidade, quando um homem passou correndo pelo seu quintal e
atravessou uma faca “no bucho de um rapaz bem nos meus pés”. O
episódio macabro deu-se em Tororomba, onde ela morava na sua casinha
de taipa, em 1929.
Costumava
cantar a seguinte música, a qual provocava risos de todas as partes:
“namorei uma mo-ce-a-cá, o pai de-le-ra-ri-ce-o-có, tinha muito
di-nhê-re-o-ró… namorá
é bem bom, os filim-nhó-go-nhó, casá não é vi-de-a-dá...”.
Pesquisando, descobri depois que essa é uma música caipira de
Alvarenga e Ranchinho (71), década de 1930. D.
Natália não gostava muito da imagem masculina. Era necessário
pegá-la em boa lua para arrancar-lhe informações do “arco da
velha”. Eventualmente dizia impropérios contra o genro, Sr. “Zé
Carão. Creio que essa impressão sobre o sexo
oposto devia-se ao fato
de o primeiro marido tê-la abandonado grávida do segundo
filho. Nunca souberam o seu paradeiro.
D.
Natália era uma senhora encantadora e cheia
de histórias. Vez em quando ela me xingava “o que esse
dormente quer aqui? Lá vem ele perguntá coisa véia”.
E dois dias depois me recebia como se nada tivesse acontecido,
bastava me ver e começava a desenrolar seus novelos de história.
Costumava narrá-los chupando uva ou comendo macaxeira amassada.
Às vezes fazia graça quando contava algo, só para ver as pessoas
rindo, mas o humor estava sujeito a alterações a qualquer
segundo, pois queria ser vista como “durona”.
D. Margarida Gomes do Nascimento (esposa de "Zé Carão") e Natália Gomes do Nascimento, mãe de Margarida.
|
Sobre
a discoteca papariense, contou-me o Sr. Vicente Melo que gostava
muito das músicas Última
Inspiração, de Carlos Galhardo (72) e “Se eu pudesse um dia”), de
Nelson Gonçalves (73);
a propósito era um senhor muito inteligente que residia ao lado
da Escola Yayá Paiva. Narrou-me sobre os feitos de alguns prefeitos
no passado, inclusive um que foi assassinado ao lado do baobá e
sobre os “vendedores de água e lenha”, história que tenho
guardada para outra oportunidade. Ele gostava de ler. Destoava do que
eu via nas casas paparienses.
D.
Leonísia mencionou várias músicas de Angela Maria e Dalva de
Oliveira (74), e disse que
os rádios eram objetos muito grandes, que
conheceu um quase
do tamanho de uma cômoda. Isso provavelmente se passou na década de
1940. O Sr. Joaquim disse
gostar muito Nelson Gonçalves e mencionou as músicas “Luar
do Sertão”, de Vicente Celestino (75) e
“Carinhoso”, de Orlando Silva (76). Sobre esses episódios
acabei ouvindo um fato curioso,
contado por ele, que alegou ter
ouvido de sua mãe. Trata-se do aparecimento do rádio em Nísia
Floresta. Segundo ele foi na casa de um pessoal da família do Dr.
Antonio de Sousa (77), ex-governador do Rio Grande do Norte, “na
casa grande do Vale do Capió”, complementou. Disse – rindo
– que todo mundo ia para o alpendre da casa escutar “o que
saia da caixa”, que muitos pensavam existir um
monte de gente bem pequenininha dentro do rádio. Outros tinham medo,
alegando “ser coisa do diabo”. Não entendiam como uma voz podia
vir de tão longe e ser ouvida daquele jeito.
O
FOGÃO A GÁS NA CASA DE TAIPA
Morar
em casa de taipa não significa estar afastado do progresso. Um
nativo contou-me que durante anos sua mãe manteve um fogão a gás –
comprado com muito sacrifício em famosa loja da Ribeira –
inutilizado. “Ainda me lembro da marca Cosmopolita (78)”,
complementou, narrando o episódio. Achei curioso o fato de ele se
recordar dessa marca, a qual também fez parte da minha infância.
"Cosmopolita", um dos primeiros modelos de fogão à gás a chegar ao Brasil:
|
Sem
uso, o fogão funcionava como uma espécie de objeto decorativo.
Também era status. Ficava num lugar de destaque, forrado com toalha
caprichada de crochê, labirinto ou renda, ostentando sempre um
vasinho de flores apanhadas no próprio jardim da casa.
COMO
SE GUARDAVAM DOCUMENTOS NUMA CASA DE TAIPA
Certa
vez visitei dona Joaninha dos Padres (Joaninha Bandeira), no "Sítio
Floresta" (79), onde fui comprar
azeite de dendê. Ela morava numa antiga casa de taipa, muito tosca,
no Sítio Floresta. Após a sua morte, o local foi abandonado e a
própria natureza se encarregou de invadi-lo. Tudo o que restou foi
revestido por um tapete de trepadeiras e plantas rasteiras que,
ajudado pelas flores, inspira telas e fotografias. Atualmente, todo
turista que passa por ali faz um registro.
No
fundo dessa casa havia um fogão a lenha, cujo tempo fez tisnar a
casa inteira. Na minha visita, constatei um costume muito antigo e
comum em toda a Papari. Ela quis me mostrar seu documento de
identidade, pois admirei-a quando ela disse que seu sobrenome era
"Bandeira". Eu brinquei, dizendo "quem sabe a senhora
é parente de Manuel Bandeira (80)". Inocente, ela nem sabia de
que se tratava. Foi nesse momento que me surpreendi ao vê-la
desataviar a tampa de uma lata de leite “Ninho” e retirar o
documento de identidade.
Depois
ela abriu uma lata de "Mucilon" e retirou umas fotografias
envoltas num saco plástico de arroz. Ao lado, via-se frascos
plásticos, semelhantes aos que atualmente vem com achocolatado,
aparentemente cheios de coisas. No pé de sua cama ficava uma lata de
"Querosene Jacaré" (81), guardando vários jornais e
revistas velhas, envolvidas em sacos plásticos. Sua casa era
permeada por tais materiais, denotando que ali estava guardado algo
de valor ou importância para ela.
As
paredes laterais de sua casa se divisavam com uma porção de
bugigangas, como pedaços de móveis velhos, arames, pedaços de
ferro, plásticos, enfim, sobras de materiais industrializados,
colocados ali para uma futura necessidade que quase sempre não
existia. Era mais o hábito de juntar coisas velhas para alguma
necessidade, conforme explicou-me. Creio que, mesmo sem saber, dona
Joaninha dos Padres era uma professora de reciclagem. Curiosamente,
observei esse costume em muitas casas de Nísia Floresta, cujos
quintais eram verdadeiros depósitos de coisas sem aparente
serventia. Muitas delas se desmanchando pelo tempo de exposição ao
sol e a chuva.
COMO
SE PROTEGIAM OS ALIMENTOS NUMA CASA DE TAIPA
Embora
ainda seja comum tal costume, os nativos sempre reaproveitaram
recipientes de materiais industrializados para as funções do
cotidiano. Não era exclusividade da Srª “Joaninha dos
Padres”, mas da maioria dos nativos. As extintas latas de
óleo de soja serviram para apanhar água, reservar água para o
banho, guardar cereais etc. As latas grandes eram usadas para guardar
a água da diária, frutas, ferramentas, além de servir de vaso para
plantas ornamentais etc. Os recipientes de margarina, manteiga, leite
e todo tipo de frascos de lata ou plástico que tinham tampa serviam
para guardar alimentos cozidos ou crus, inclusive dona Joaninha dos
Padres me ofereceu doce de jambo que estava guardado num vidro
originalmente de azeitona. Os vasilhames de vidro serviam para
armazenar mel de engenho, mel de abelhas, “garrafadas”
(82), lambedor,
remédios caseiros, azeite de dendê, feijão e milho para o plantio
da safra seguinte, dentre outras finalidades.
Durante muitos anos, essa foi a única marca de querosene brasileiro |
Na
sala da senhora citada acima estavam dispostos vasilhames de vidro e
garrafas cheias de feijão, milho e sementes. Tudo muito bem tampado,
pois era para a época do plantio. “Quando a gente era menina,
papai guardava feijão seco nas lata e garrafa... ele tampava com
cera de abêia e ais veis sabão. O sinhô pode nem acreditá, mais
era dois ano ou mais pra gente cumê… e eu nunca vi um caruncho”.
A casa dessa adorável senhora era emoldurada por dendezeiros,
mangueiras, leirões de batata-doce, macaxeira, feijão-verde e
milho. Tudo em proporção pequena, pois ela já era idosa. Ao
longo do tempo, observei que todo recipiente industrializado tinha
grande valor numa casa humilde, pois além de servir para guardar
alimentos, tinha múltiplas funções.
Até pouco tempo, antes do advento das políticas públicas do Governo Federal, a carne de porco era guardada na própria "banha" do animal. Após o abate, colocava-se a gordura in natura para se desmanchar na panela quente até sobrar apenas o toucinho, muito apreciado no preparo de feijão. A carne era cozida separadamente. Em seguida despejava-se a gordura quente até cobri-la. Quando a gordura esfriava, adquiria consistência de doce de leite. A carne passava meses sem mudar o sabor. Nesse hábito estavam implícitas três vantagens: a conservação da carne, a praticidade na hora de prepará-la, pois, como estava cozida, era só enfiar um garfo e depositá-la na panela para esquentá-la e, por último, ter em mãos a gordura para o preparo de outros alimentos.
Até pouco tempo, antes do advento das políticas públicas do Governo Federal, a carne de porco era guardada na própria "banha" do animal. Após o abate, colocava-se a gordura in natura para se desmanchar na panela quente até sobrar apenas o toucinho, muito apreciado no preparo de feijão. A carne era cozida separadamente. Em seguida despejava-se a gordura quente até cobri-la. Quando a gordura esfriava, adquiria consistência de doce de leite. A carne passava meses sem mudar o sabor. Nesse hábito estavam implícitas três vantagens: a conservação da carne, a praticidade na hora de prepará-la, pois, como estava cozida, era só enfiar um garfo e depositá-la na panela para esquentá-la e, por último, ter em mãos a gordura para o preparo de outros alimentos.
FINALIDADE
DE OUTROS MATERIAIS INDUSTRIALIZADOS
Em
tempos mais remotos as caixas de chapéu serviram para guardar
vestidos de noiva e outras roupas e acessórios de estimação. “Eram
bonitas, fornidas… nelas se guardavam de tudo… fotos,
documentos… tudo...”,
comentou a professora Conceição Trindade, 69 anos. As
caixas de sapato ou de camisa valiam ouro, protegendo os mais
diversos materiais de uso da casa. As velhas latas de biscoito se
transformavam em clássicos guardadores de documentos, fotografias,
cartas. Num tempo em que a cerveja era vendida em engradados de
madeira, estes se transformavam em pequenos armários para roupas,
lençóis e redes. Tudo tinha uma finalidade garantida. As caixas
grandes de papelão faziam papel de guarda-roupa, onde também se
guardavam roupas de cama e afins. Pequenos recipientes de vidro –
originalmente com produtos de boticas – serviam para guardar óleos,
pimenta, colorau, unguentos etc.
Normalmente,
esses materiais industrializados chegavam à Papari (83) através dos
nativos que trabalhavam em Natal. Eles juntavam e levavam nos finais
de semana, pois sabiam que naquele local sem recursos, teriam
utilidade. Contou-me o Pastor e militar aposentado Manoel
Barros, conhecido como “pastor Neco”, que, durante a 2ª Guerra
Mundial, quando os americanos se instalaram em Parnamirim, jogavam no
lixo muita coisa desconhecida dos brasileiros, os quais “faziam a
festa”, apanhando o que podiam. “Era tudo coisa dos Estados
Unidos, coisas diferentes que atraiam os trabalhadores”,
explicou-me o pastor. O lixo dos gringos era luxo para os
brasileiros. Ele conta que alguns nisiaflorestenses trabalharam na
Base Aérea e traziam muita coisa para casa, como por exemplo, latas
de conserva, folhas de zinco, caixas de papelão, sobras de madeira,
plástico, peças metálicas, enfim a fartura era grande. “Bastava
uma lata de conserva amassar que eles jogavam fora… foi assim que
muita gente de Nísia Floresta conheceu leite condensado”,
complementou o pastor.
As
latas de óleo, tinta e querosene serviam para plantar flores e fazer
mudas, além de guardar água, ferramentas, frutas, tubérculos etc.
A
MEDICINA NATURAL NA ÉPOCA DA CASA DE TAIPA
Atualmente,
entretidas com os smartphones e notebooks,
as crianças nem prestam atenção nos resquícios da medicina
natural ainda presente nos hábitos dos mais velhos. A tradição
parece em decadência, mas já foi a única alternativa dos nativos e
salvou muita gente. Quase todos tinham um pequeno cercado de faxina
no quintal; outros construíam um balcão, também chamado “jirau”.
Digamos que era uma horta suspensa numa mesa alta, feita com varas e
pedaços de madeira tendo as laterais emolduradas para segurar a
terra adubada. Nele plantavam ervas medicinais e hortaliças.
"Balcão" ou ""jirau" para plantio de hortaliças e plantas medicinais. |
Modelo super moderno de "balcão" ou "jirau", testemunhando que certas coisas do passado podem ser reinventadas, gerando o mesmo efeito. |
Certa
vez, sofri um corte no pé e o fato foi presenciado pelo Sr.
“Bambão”, que morava próximo. Ele correu até a sua casa e
retornou com um frasquinho de “Novalgina”. Eu havia acabado de
lavar o pé e ele pediu que eu encharcasse o ferimento com o que
estava no frasco. Achei estranho,
mas logo vi que o recipiente guardava alguma coisa preparada por ele.
Era um líquido preto-vermelhado, denominado “barbatimão” (84).
Na realidade, ele conservava – aliás – conserva até hoje,
cascas dessa planta em álcool, num litro de Pitu (85) e fraciona o
“remédio” em frascos pequenos para qualquer eventualidade. São
as famosas “mezinhas” (86).
Lembro-me
que ardeu um pouco, mas no outro dia o ferimento não apresentou
sinais de inflamação e já secava. Com dois dias ficou
imperceptível. Ele também me contou que o leite da folha de
“jasmim” tem a mesma propriedade. É só passar sobre o
ferimento. Em sua casa era possível encontrar frascos com cascas de
“cajueiro bravo” que servia para “doenças de mulher”,
inflamações internas e cura de ferimentos externos, dentre outros
produtos naturais. Seu quintal, todo “faxinado”, era uma farmácia
natural; tinha hortelã, boldo, erva cidreira, alecrim, capim santo,
babosa, dentre outras plantas medicinais.
Diferente
dos produtos químicos das farmácias, que não eram tão acessíveis
– num tempo em que médicos e drogarias era algo inacreditavelmente
distante – as plantas caseiras eram usadas numa proporção
incomparável. Cascas, sementes, folhas ou flores eram conservadas em
cachaça e serviam para beber pequenas doses ou passar sobre o
ferimento. Muito tempo depois a cachaça foi substituída pelo
álcool, elemento desconhecido durante muitos anos na velha Papari.
Alguns remédios só podiam ser passados sobre o ferimento; não se
bebia e vice-versa. Determinadas doenças, sintomas ou ferimentos
eram curados através do leite das folhas, pó raspado, sumo,
vaporização, chás, banhos, óleos vegetais e animais, gorduras,
sebos etc. O sebo servia para remédio contra dores nos ossos. Era
passado nas áreas que doíam. A casca de laranja era usada para
fazer chá para acalmar. A gordura da “jia (87) ou do tejuaçu (88)
tirava o “cansaço” (89) da criança.
São
amplas as propriedades curativas dos lambedores feitos com várias
folhas, cascas e até mesmo com inseto, como o cupim. Cozinhava-se a
planta em água com açúcar até dar o ponto de mel ou licor.
Antigamente o lambedor era feito em casa, mas hoje se encontra até
em supermercado, embora muitos não confiem na autenticidade. Até
hoje os “raizeiros” são comuns em alguns bairros natalenses,
inclusive presenças garantidas em feiras públicas como no Alecrim.
Também se alegam que nem todos são confiáveis, pois vendem “gato
por lebre”. Mas, no passado, todo nativo tinha essa farmácia
natural à altura das mãos ou mesmo pendurada em jirau, latadas, nos
fogões a lenha e até nas paredes. Em todo canto da casa se
encontrava um pequeno galho de alguma planta medicinal, acaso
precisasse à noite, evitando-se “caquear (90)” mato fora de casa
e ser surpreendido por cobra, aranha caranguejeira etc.
Defronte a uma "Casa de Prefeitura", emoldurada por bananeiras uma horta no chão e no balcão. |
O
sereno exerce papel importante na preparação de xaropes, por
exemplo, o abacaxi cortado em pequenos pedaços, colocado num prato
fundo, coberto com bastante açúcar, deixado exposto nos telhados
até a manhã seguinte, recolhido antes de o sol nascer, é eficiente
xarope para asma e acúmulo de catarro no peito. Quase toda casa
tinha mel nos cortiços, pendurados nas latadas, árvore ou num canto
do alpendre. O mel nunca foi usado com finalidade alimentícia no
passado. Sempre teve uso terapêutico, em especial nos sintomas de
gripe e catarro no peito. No início de 2000 começou a aparecer
muitos apicultores em Nísia Floresta, mas ainda há resistência
quanto ao uso alimentício do mel. Foi um dos hábitos que estranhei
por aqui.
Na
realidade, expus um pequeno contexto desse universo rico da farmácia
natural, inclusive existem crendices relacionadas ao uso de vários
produtos. Algumas plantas devem ser colhidas no escuro; outras, em
lua cheia; outras, cortadas em cruz, com faca virgem etc. Os nativos
costumam dizer que determinadas plantas são “um santo remédio”,
devido à eficiência. Muitas pessoas idosas nunca foram ao médico,
atalhadas pelos remédios caseiros, e tem saúde perfeita. A
juventude atual parece alheia a tudo isso.
QUANDO
A ÚNICA SOLUÇÃO ERA O MÉDICO
“Dotô.
Manel Amaro era quem socorria o povo de Nísia. Que Deus o tenha. Era
de São José. Homem bom. Quantas veis ele vinha para cá debaixo de
chuva num Jeep... socorria mulher quase morrendo de parto. Uma vez
ninguém dava jeito numa coceira que apareceu na perna dum tio meu,
chega magoô de tanto coçá cas unha. Ele passou uma pomada, a gente
foi comprá em Natá. Só se passô uma vez, nunca mais coçô. O
povo dizia logo, procura Mané Amaro… era o médico da época”.
(Natália Gomes do Nascimento, 90 anos).
São
tantos depoimentos desse tipo que, se fosse colocá-los no papel,
levariam laudas sem conta. A mesma narradora desse episódio também
se reportou ao “finado Candinho”, um profundo conhecedor da
medicina, cujo nome foi dado ao Posto de Saúde do centro de Nísia
Floresta. Segundo os mais velhos ele atendia a todos e tinha uma
espécie de farmácia de manipulação, embora variava entre drogaria
e remédios naturais, mas pertenceu à geração que fez parte da mãe
de d. Natália. Como ela tinha mais de 90 anos, constata-se que isso
se dava entre 1930 a 1950.
Com
relação a Manoel Amaro Freire o período compreendia entre 1960 a
1992. Por coincidência sou sobrinho dele. Testemunhei pessoas de
diversos lugares que o procuravam para se consultar. Gente idosa que
só confiava nele. Poucos dias antes de morrer, em 1992, ele ainda
prescrevia, inclusive sua morte foi rápida, decorrente de enfisema
pulmonar. Lembro-me que ele saiu de casa com as próprias pernas e
falando com naturalidade. Foi a última vez que o vi com vida.
Sobre
o meu tio, ouvi seu nome por toda a Nísia Floresta; de Jenipapeiro a
Pirangi. Certa vez eu estava em sua casa quando um senhor, morador do
Bonfim, o visitou e contou-me que numa noite de forte inverno, sua
esposa sentiu as dores do parto. Ele disparou até a casa de Manoel
Amaro e este o atendeu prontamente, sob chuva torrencial. Ele contou
esse episódio com muita gratidão, inclusive presenteou-lhe com
frutas. Notei que muitas pessoas o visitavam em gratidão, sempre com
ofertas de frutas, hortaliças, galinhas etc. Ele aceitava para não
fazer desfeita, pois nunca cobrou.
Manoel
Amaro Freire, embora tratado como médico pela maioria das pessoas,
era enfermeiro formado pelo Instituto de Química do Rio de Janeiro.
Fazia questão de dizer “não sou doutor”. Viveu as agruras dos
soldados do Exército Brasileiro escalados durante a 2ª Guerra
Mundial na Itália. Aprendeu anatomia da maneira mais impensada,
tratando de amigos vitimados por explosivos, cujas vísceras saltavam
para fora da barriga. Outrora era obrigado a cortar pernas
dilaceradas por minas ou bombas. Assim aprendeu anatomia ao vivo e em
cores, vendo os nervos humanos encolherem como elástico ao partir,
veias jorrando sangue, iguais a um cano hidráulico. Passava o dia
limpando ferimentos, estancando sangue, costurando cabeças,
decidindo que parte do corpo extirpar, enfim, salvando vidas e
sepultando amigos. Muitos destes – segundo contou-me – mandavam
recados para famílias antes do último suspiro. “Cansei de ver
soldado virar menino... implorando mamãe, mamãe... nome doce”,
contou-me ele.
Creio
que nessa aterrorizante universidade, Manoel Amaro Freire encontrou
subsídios diferenciados, que nutriram seus neurônios
transformando-o num enfermeiro que sabia mais que muitos médicos.
Certa vez encontrei uma senhorinha idosa lavando roupas no rio
Mipibu, nos fundos do Engenho Morgado – onde morava o meu primo
Tamires Ítalo Trigueiro Peixoto. Ela perguntou se eu era da família
de Manoel Amaro. Ao responder, ela contou-me um episódio passado com
seu filho que colocou um caroço de milho no nariz. Encerrando a
história, ela disse “Mané Amaro era tiro e queda, se ele não
desse jeito, ninguém dava”.
Recentemente,
conversando com Kátia Palhano, esposa do ex-prefeito de
Parnamirim, Maurício Marques, ela – que é nativa de São José de
Mipibu – disse que quando criança, fazia arte numas varas de
pesca, quando um anzol penetrou sua mão. Na hora do desespero, a mãe
e o pai a colocou no carro e disparou ao “Ambulatório”, onde
Manoel Amaro atendia. Nem se deram conta que trouxeram também a vara
de pescar ainda engatada na linha. Durante o atendimento ele brincou,
dizendo “onde foi que a senhora pescou esse peixão bonito?”.
Ressaltou que sempre que a via a chamava de peixão, rindo.
Manoel
Amaro não tinha papas na língua. Era muito brincalhão. Seus
pacientes se divertiam durante o atendimento, pois ele estava sempre
dizendo uma máxima, um dito, uma brincadeira, ou lembrando algum
episódio engraçado. Achava curioso vê-lo prescrever remédios no
verso de papel de presente, em papel de pão ou folha de caderno.
Embora aposentado, as pessoas peregrinavam sua residência, trazendo
junto a história de quem viu o pai, a mãe, o avô sendo tratado por
ele e não o dispensava por nada.
Outro
nome que fez história na região foi João Leite (in
memorian),
embora veio muito depois de Manoel Amaro Freire, Mas sua história eu
não conheço.
ACESSÓRIOS
FUNDAMENTAIS NAS VELHAS CASAS DE TAIPA
Toda
casa de taipa tinha um lugar certo para alguns objetos de utilidade
diária e eventual: pilão, urupema, covos (91), puçás (92). varas
e redes de pesca, bateria, calão (93), paris (94), facão, quengos,
esteiras, cestos de cipó, enxada, enxó (95), vassouras de mato,
coités, quengas, lenha, dentre outros. O pilão era um toco com
cerne cavoucado de mais ou menos vinte a trinta centímetros de
profundidade com diâmetro de quinze a vinte centímetros, uma
espécie de buraco bem alisado. Um porrete tão alisado quanto servia
para "pilar" (96) os grãos, transformando-os em pó ou
farelo. Alguns pilões eram horizontais, diferindo apenas nas
proporções. Nele se pilava café, milho, amendoim, mandioca,
macaxeira, paçoca etc. Quando não estava sendo usado, o pilão
servia como banco.
"Vassoura de mato" |
A
“vassoura de mato” ea outro acessório inseparável a uma casa
de taipa. De acordo com os mais velhos, varria tão bem, ou melhor,
que as boas vassouras de piaçava compradas em mercearias. Elas ainda
sobrevivem em diversas áreas rurais. D. Raimunda do “Pirão-Bem-Mole”
(94 anos), residente na comunidade do Porto, ainda a usa. Em setembro
de 1999 vi uma senhora varrendo o quintal com uma bela vassoura de
mato em Alcaçuz e Campo de Santana. Em setembro de 2016 vi a mesma
cena em Tororomba (97) e Jenipapeiro (98). É
sinal que elas sobrevivem e ainda são as preferidas de muitos.
Tendo ido apresentar um estudo sobre Nísia Floresta na terra de Jorge Amado, fiquei maravilhado quando vi essa casinha de taipa no campus universitário e fiz este registro que veio a calhar. |
AS
CERCAS DE FAXINA E SUA MÚLTIPLA FUNÇÃO
Cerca de "faxina" no distrito de Timbó. |
Boa
parte das casas de taipa de proprietários humildes era construída
em terrenos alheios. Certamente isso explica o fato de a maioria não
ter os quintais faxinados, embora não fosse regra. Em época de
cimento e tijolos serem produtos caros, a faxina os substituía sem
problema. A cerca de faxina era uma construção feita de varas
encostadas umas às outras, em posição vertical, sustidas por
outras varas mais grossas fincadas no chão. Para que ficassem
harmoniosamente dispostas e firmes eram perpassadas por três varas
em posição horizontal, sendo uma no rodapé, uma no centro e a
última na parte mais alta da cerca. A altura de uma cerca de faxina
variava entre dois a três metros. A engenhoca ficava distribuída ao
longo de todo o quintal, embora, como vimos acima, nem sempre os
quintais eram faxinados. A opção normalmente se restringia às
hortas e chiqueiros.
Cerca de faxina com estacas |
Podemos
dizer que a faxina era uma cerca ecológica, não fosse a
despreocupação com o reflorestamento, pois só tiravam, não
repunham. Muito tempo depois, algumas pessoas substituíram a
amarração por arame liso e farpado, "entrançando" as
varas ao longo de sua extensão. Até hoje a faxina é parte das
áreas rurais, mas nos lugares turísticos são feitas meramente com
caráter decorativo. A última versão da faxina obedece ao modelo
das cercas de madeira. Permanecem as varas, mas presas com pregos em
duas estacas finas em posição horizontal, sendo uma em baixo e a
outra em cima, fixas em estacas enterradas no chão. Não se enterra
a base da faxina, deixa-se apenas sobre o chão. São tão bem
ajustadas que pelas brechas não passa um pinto, por isso
constroem-se também galinheiros, chamados aqui "chiqueiros".
Até mesmo o "portão" das áreas faxinadas é feito de
varas.
Extensa cerca de "faxina" no distrito de Timbó. |
Em
1996 estive numa residência, em Pium, e vi uma bela faxina. O
quintal era tão bem varrido por "vassoura de mato" que
chamava a atenção. A areia branquinha dava aparência de praia.
Fiz, nesse dia, uma fotografia com a cuscuzeira de barro que
encontrei no fogão a lenha, pois nunca vira algo parecido. A cerca
de faxina, além de proteger a casa de bichos do mato exerce funções
mais inusitadas, como varal e armário. De longe se veem o colorido
de redes, lençóis e roupas penduradas, além de bugigangas como
varas de pesca, cabaças, cortiços de mel, bacias, coités, pneus
com plantas etc. Há vários tipos de faxina. Algumas são baixas,
feitas de estacas finas. Já vi currais todos faxinados de estacas
grossas.
CASA
MULTIUSO
Numa
casa de taipa, nada se perde, tudo se reaproveita, e bem. Ela é a
extensão de quem ali mora. Pelo que constatei, é difícil
distinguir se as pessoas moram na casa ou se a casa mora nas pessoas.
A relação é muito forte. Os espaços mais impensáveis são usados
para tudo. Em Jenipapeiro vi ferramentas, baldes, caixas, bacias,
latas etc sobre telhados baixos de fundo de casas de taipa – ou
anexos. Quem está dentro da casa, não tem dificuldade para guardar
cachimbos, fumo, latinhas de rapé, galhos do domingo de ramos etc.
Serve – ou servia – até para esconder coisas valiosas. “Mamãe
tinha um segredo, ela guardava dinheiro no telhado, butava numa bolsa
de plástico e enfiava entre a vara e a telha”, contou-me
d. Maria Santana (Campo de Santana). Basta meter a mão
entre as telhas e ajeitar o que se quer guardar.
Percebe-se
a relação de amor incondicional às casas de taipa quando as
pessoas relembram saudosas, a infância e os episódios vividos nela.
Cada um conta um recorte do passado: o fogão de lenha aceso,
cozinhando o feijão, a mãe mexendo a canjica no panelão de barro,
a avó preparando a galinha caipira; alguns até suspiram, sentindo o
cheiro do alimento, o gosto do tempero… é uma relação muito
forte de pertencimento. Ouvi relatos emocionados de idosos que
descreveram as cenas com realismo impressionante, vividas nesse
espaço praticamente em extinção.
O
CHEIRO DA CASA DE TAIPA
Em
2005 viabilizei a construção de uma casa de taipa nos fundos da escola Maria
Dolores Regina de Macedo Leite, sob os cuidados dos mestres de Boi-de-Reis, Benedito e Canindé. Sugeri a obra a partir do projeto
"Túnel do Tempo: de Nísia Floresta a Papari", idealizado
por minha esposa Alysgardênia, diretora da referida instituição. Os educadores se envolveram de forma incomum, promovendo um verdadeiro acontecimento na escola. Os alunos entravam num túnel, cujo início reunia elementos
contemporâneos ligados ao cotidiano deles. À medida que avançavam,
se deparavam com elementos que fizeram parte do passado do município
(pilões, covos, cestos de cipó, puçás, redes, etc).
Após
percorrer todo o túnel, os alunos e visitantes se deparavam com uma
casa de taipa nos fundos da escola, onde uma “escrava” servia
tapiocas feitas naquele exato momento, num fogão a lenha. Na pequena
salinha ficava um banco de madeira e um tamborete. O telhado servia
como base para guardar varas de pescar, covos e paris, exatamente
igual a cena que vi em Jenipapeiro. Um “pendurador” de rede se
encarregava se segurá-la como uma bola, enganchada a espera de um
corpo sonolento. Um CD escondido num feixe de lenha sob o fogão
emitia sons de pássaros, vento e chuva, emprestando ao cenário um
aspecto ainda mais natural.
No
quintal ficavam feixes de lenha, cabritos pastando capim bem
verdinho, galinhas e outros animais, protegidos por "faxina'. Na
frente da casa foi feito o simulacro de "cacimbão", tendo
ao lado uma lata amarrada a uma corda para puxar água. Era um
cenário tão bucólico e apaixonante que qualquer pessoa que
chegasse ali se encantava. Sem contar que as crianças admiravam e
não queriam sair do local.
Lembro-me
quando uma professora, por nome Ana Maria Barros de Carvalho,
ex-secretária municipal de educação, emocionou-se quando entrou na
casinha. Seus olhos lacrimejaram quando
ela contou sua experiência infantil passada numa casa de taipa na
Praia de Camurupim. O mesmo aconteceu com o policial militar Vavá
Mendes, quenemocionou-se ao falar da casinha onde passou a
infância, em Tororomba. Ambos disseram que o cheiro emanado daquela
inesperada casa de taipa os transportou ao passado, fazendo-os
lembrar detalhes que jamais imaginavam. É impossível fazer o leitor
imaginar o cheiro da casa de taipa; é uma mistura de barro, fumaça e
fogo. Mesmo que o fogão não esteja aceso, emana um cheiro frio
de fumaça. Diferente. Inesquecível. E
nesse dia eu comprovei que a casa de taipa é parte da pele de cada
nativo que a conheceu.
A
CASA DE TAIPA E OS ANIMAIS DOMÉSTICOS
Certa
vez estive numa casa de taipa em Alcaçuz (99) e
vi um cenário de excepcional singularidade, pelo menos para mim. Num
canto da sala estava um velho pneu em posição horizontal com palhas
de milho, servindo de ninho para uma galinha choca. Outras
atravessavam a casa com a ninhada de pintinhos. Sobre
o sofá, um cachorro tirava uma soneca sem demonstrar preocupação.
A filha da dona da casa se balançava na rede no quarto, usando o
espinhaço de uma imensa leitoa como apoio para o movimento. O
animal, sob a rede, parecia nem sentir os pés da moça, entretida,
dando de mamar a uma dezena de porquinhos. No corredor da casa, um
sapo-cururu fazia de morada o pé de um pote d'água. O animal, de
tão bem acomodado no sulco, se confundia com o piso de barro
levemente úmido.
Sobre
o fogão a lenha, um gato descansava espichado tal qual
contorcionista. Debaixo dele, vários pintinhos ciscavam algo
misturado às sobras de gravetos e lenha. Outros gatos somavam várias
madornas pelos cantos da casa. Cachorros percorriam todos os lados em
trânsito franco. Alguns saguis exibiam um vaivém contínuo pelos
galhos de um abacateiro que sobraçava o telhado e uma latada,
certamente atiçados por uma penca de banana ali dependurada. O bicho
que pareceu-me mal vindo foi o pato por seu peculiar hábito de
esguichar líquidos em abundância por onde passa. A todo instante
alguém tangia os que apareciam, sem se importar com os demais.
Num
anexo próximo à cozinha, um roliço tejuaçu dormia num chiqueiro
de faxina, aguardando o abate (verdadeiro crime contra animais
exóticos). Ao lado, num grande pneu, uma cambada de caranguejo
pisoteava uns aos outros, cevados pelo dono da casa. Penduradas no
madeiramento desse anexo ficavam algumas gaiolas com pássaros
variados, e próximo dela um velho papagaio “conversava”, bicando
pedaços de jambo. Calangos ora se agarravam aos paus do telhado,
tesos iguais a robôs, ora ziguezagueavam pela casa. Contaram-me que
era comum aparecer
“cobra cipó”, caída dos galhos de mangueiras que acariciavam a
casa. Muitas vezes esses répteis serviam de brinquedo para meninos.
Com certeza eu estava dentro de uma “casa zoológico”, embora os
donos pareciam não perceber a rica fauna harmonizada com tanta
naturalidade.
Creio
que a inexistência de porcelanatos e cerâmicas favoreciam essa
relação. Quem encontraria pelo de
gatos, cachorros, penugens de galinha num chão de terra batida?
Hoje, essa cena seria impossível nos pisos finos, onde se vê de
longe um pequeno cisco.
Eu
nunca me esqueci dessa imagem, e, hoje, escrevendo justamente sobre
casas de taipa, não poderia deixar de dividi-la com você. Pelo
aparente primitivismo da descrição, talvez o leitor ache distante e
estranhe a cena, mas, por incrível que pareça, andando recentemente
por Nísia Floresta, revivi, nem tanto nas casas de taipa, mas em
casas de tijolos e cimento de um sítio, cenas parecidas. Ainda é
comum à Nísia Floresta o trânsito frequente de animais domésticos dentro das casas, principalmente nos distritos mais distantes da área
urbana. Creio que esse “zoológico” seja a terapia que dá paz e
longevidade aos nativos
RELIGIÕES
E CRENDICES NA CASA DE TAIPA
O
culto a Nossa Senhora do Ó (100), remonta o ano de 1735, quando foi
iniciada a construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, toda
em pedra e barro misturado à concha moída e óleo de baleia. Papari
reinou quase trezentos anos com população católica. O
protestantismo evangélico não tem setenta anos. Surgiu após o
município ter recebido o nome de Nísia Floresta.
Era
possível identificar uma casa católica sem entrar nela,
principalmente se pertencesse à pessoa de situação financeira
elevada. Não era regra, obviamente, mas as pessoas abastadas
mandavam fazer pequenos nichos no alto do frontão da casa, colocando
nele a imagem do santo que a família tinha devoção. Com o advento
da energia elétrica, esse espaço ganhou lâmpada que era acesa de
noite. O Engenho Descanso traz esse elemento, assim como a antiga
casa onde atualmente
funciona o Museu Nísia Floresta.
Alguns
faziam grutas no jardim da casa, onde abrigavam imagens dos santos
cultuados. O costume, embora acanhado, permanece. Curiosamente, nunca
vi um nisiaflorestense que possuísse a imagem de Nossa Senhora do Ó,
padroeira do município. As únicas imagens existentes ficam na
Igreja Matriz. Uma é original, em madeira do século XVIII, chamada
pelos nativos “Nossa Senhora do Ó Pequena”, peça tosca e
revestida de interessante lenda. A outra, muito maior, imponente,
veio da Europa; é trabalhada em ouro, tem traços finos.
Os
casarões das famílias abastadas possuíam até capela; é o caso do
Engenho Descanso, cujo oratório, em madeira de lei e com belíssimos
detalhes torneados ou entalhados, ostentava as mais belas imagens
sacras, lindos adornos e acessórios que ligavam a terra ao céu:
santinhos, terços, rosários, fitas coloridas de promessas e graças
obtidas, ramos do "Domingo de Ramos" e água benta.
O
casarão tinha as paredes cravejadas de quadros com retratos de gente
velha. Um deles veio do Vaticano em 1900, assinado pelo Papa,
abençoando a família do padre Paiva. Cheguei a ver essa quadraria
da parede, dividindo espaço com incontáveis estampas de santos e
santas, Havia necessidade de se dizer católico a quem chegasse. E
esse recado precisava ser dado de longe, portanto a visita percebia o
nicho a longa distância. O oratório fechava com "chave de
ouro" essa anunciação. N´outras casas, essa informação era
passada através da gruta ou azulejos com pinturas sacras.
As
pessoas humildes não tinham como anunciar a sua fé católica de
maneira tão espetaculosa, pois a qualidade da taipa de suas casas
não permitia a construção de nichos nos frontões toscos, muitas
vezes mal barreados, deixando à mostra o entrançado dos cipós nas
varas. Se o jardim não tivesse uma pequena e acanhada gruta de
pedra, bastava pisar no chão da sala e estava anunciado o que todos
sabiam: ali morava uma família católica. As paredes ostentavam
quadros simplórios com estampas de santos, todos enfeitados com
fitas coloridas, fruto de promessas e graças alcançadas. Tais peças
eram compradas de caixeiros viajantes, também chamados “mascates”.
A
sala tinha ares de capela, pois as paredes ostentavam terços ou
rosários, folhinhas (calendários) com imagem de santos. Sobre algum
móvel ficavam esculturas dos santos devotados pela família,
normalmente em madeira, gesso ou barro. Nesse espaço sagrado
costumava ficar os galhos de alecrim e outras plantas, cujo morador a
usou no "Domingo de Ramos". Servia para fazer chá para as
mais diversas curas, defender a casa de peçonhas e abrandar trovões
e relâmpagos durante as orações. Quando a casa era maior,
reservava-se um quarto para o oratório, mesmo sem perder sua função
original de lugar de dormir.
Com
o passar dos anos o velho hábito de anunciar a fé católica a
partir da sala se ampliou. Além de todo acervo da parede, somavam-se
fotografias de familiares submetidos aos sacramentos do Batismo,
crisma e primeira comunhão, as respectivas certidões, quadros com
retratos de santos em paisagens iluminadas com pequenas lâmpadas
internas, dando-lhe efeito tridimensional. Quando anoitecia, os tais
quadros eram acesos, emprestando à sala uma aparência sacra –
lembrando que isso só foi possível com o advento da energia
elétrica.
Algumas
famílias, mesmo simples tinham pequenos oratórios, onde ficavam
protegidos os santos queridos junto a variados elementos sacros.
Alguns eram pintados com guirlandas de flores e anjos. O fundo
normalmente trazia pinturas que lembravam o céu, sempre azul e com o
pombo lembrando o Espírito Santo. Outros tinham pinturas apenas
internamente, cujo lado externo era envernizado ou na cor natural da
madeira. As velas da primeira comunhão e crisma também tinham lugar
certo nessa peça, normalmente de madeira com uma portinha de vidro,
permitindo ficar fechada muitas vezes com chave, evitando o
tradicional furto de Santo Antônio – hábito típico das moças em
estado de caritó, conforme o depoimento da d. Leonísia.
Famílias
ricas possuíam grandes oratórios, muitas vezes tão belos que
lembravam fachadas de igrejas. Atualmente não se vê oratórios com
a mesma frequência nas casas dos nativos, exceto um grande número
dessa peça na residência de “Arnaldo do Camarão”, colecionador
de antiguidades.
O
respeito ao oratório – não sei se permanece como alegam ter sido
no passado – mas era igual ao respeito desprendido ao próprio
templo da Igreja Matriz. Os católicos se colocavam diante de um
oratório com absoluta contrição e piedade. Oratórios talvez
significassem pequenas igrejas dentro de casa. Lugar onde estava o
Santíssimo. Lugar divino, sagrado. Lugar de respeito extremo, onde
se rezava desde as orações simples e cotidianas às prostrações
típicas dos momentos de aflição e desespero.
Ouvi
de uma senhora nisiaflorestense o caso de uma mulher que, ao se
tornar evangélica, chegou em casa, juntou todas as imagens sacras,
quadros de santos, calendários com temáticas católicas, terços,
velas e mandou queimar tudo. Antes disso, uma vizinha repreendeu-a,
pedindo que ela não fizesse aquilo, que desse a alguém, inclusive
não queimasse a imagem de Santa Luzia, protetora dos olhos e da
visão. Segundo a minha narradora, a nova evangélica desdenhou,
usando as típicas palavras ditas por católicos que se tornam
protestantes. A dita vizinha ficou estarrecida vendo as labaredas
lamberem os quadros como demônios esfaimados.
Tempos
depois essa senhora começou a sentir gradualmente a diminuição da
visão. Ela recorreu ao médico, recebeu os melhores tratamentos, mas
não obteve melhora. Sua visão ficava cada vez mais comprometida.
Segundo a minha narradora, essa senhora tornou-se deprimida ao longo
do tempo, tendo grandes dificuldades para se adaptar à nova vida. A
vizinha que presenciou a queima do material sacro procurou-a,
aconselhando-a a pedir perdão à Santa Luzia, mas ela foi
irredutível. Muitos anos depois morreu totalmente cega. São as
coisas da fé. São as coisas da ausência da fé. São as
coincidências. São as crenças e crendices.
Dia
desses, em Parnamirim (101), um amigo mostrou-me em
seu smartphone uma
bela imagem sacra em madeira de aproximadamente quarenta centímetros,
encontrada no lixo. Ele procurava uma pedra de paralelepípedo para
fazer um segurador de porta, quando deparou-se com a imagem da santa
tomou-a para si, sem cerimônia. Não compreendi como alguém teve
coragem de jogá-la. Quem sabe foi algo parecido com a história
acima, até porque Parnamirim parece predominantemente evangélica. A
sorte de quem se desfez da imagem é que não era Santa Luzia. Não
lhe perguntei qual a especialidade da santa.
Em
1994 testemunhei um episódio envolvendo mudança de religião com
conflitos em Nísia Floresta. Um rapaz de fervorosa família católica
chegou à casa de sua mãe, recolheu tudo o que lembrava a igreja
católica e foi jogar no lixo. Ele havia acabado de assistir a um
culto na noite seguinte e decidido abraçar o protestantismo
evangélico. A mãe compreendeu a sua decisão, mas ressaltou que
naquela casa todos eram católicos, que ela era a dona da casa e
aquelas peças lhe pertenciam. Reprovou a atitude do filho,
pedindo-lhe que respeitasse a religião dela e dos demais irmãos.
Com o passar do tempo o rapaz ficou confuso e desenvolveu problemas
psiquiátricos, causando muita tristeza à família.
Mas
como diz a máxima: "mãe é mãe". Ela pediu aos demais
filhos que deixassem todas as imagens e elementos que lembrassem o
catolicismo longe dos olhos do rapaz, pois percebia que ele
demonstrava cólera quando via ou ouvia algo que se referia à Igreja
de Roma. Assim eles guardaram as imagens nos guarda-roupas e deixaram
mais restritas aos quartos. O rapaz passou muitos anos afastado da
casa dos pais. Tempos depois entendeu que devia respeitar a fé
alheia, assim como toda a sua família respeitou sua decisão de ter
escolhido ser evangélico.
Conheci
uma velha senhora benzedeira, moradora de uma casinhola de taipa em
Barra de Tabatinga. Na sala de sua casa ficava disposto um velho
oratório sobre uma máquina de costura. Ela contou-me que quando
está benzendo, pede que ninguém fique na porta, pois é por onde
“passa toda a 'milacria” emanada da pessoa, acaso esteja
“carregada” (102). Se
alguém ficar ali, recebe a carga negativa que passa justamente pela
porta. Cheguei a vê-la benzendo crianças, cujos pais alegavam estar
com “mau-olhado” (103). Suas orações só ocorriam antes do pôr
do sol, segundo suas crenças. Nísia Floresta teve muitas
benzedeiras, mas atualmente essa prática parece diminuída.
"CASAS
DE TAIPA SÃO MAIS RESISTENTES QUE AS DE ALVENARIA"
O
subtítulo acima é uma frase que ouvi de um idoso nisiaflorestense,
que disse-a como sentença. Parece exagero, mas tem muito nexo. Quem
conhece esse tipo de construção, sabe por quê. A casa da “dona
Joaninha dos Padres”, comentada no tópico “Como se guardavam
documentos numa casa de taipa”, é um exemplo disso. Com certeza
você já viu ruínas de taipa. Elas não sucumbem com "duas
risadas" (104). Dão trabalho para desaparecer. O barro duro se
agarra com força ao trançado de cipós e varas; só desaparece após
muitos e muitos verões. Não se quer dizer que as casas de taipa são
mais resistentes, mas que demoram-se muito para ruir totalmente.
Parece não gostar da morte. As paredes entortam, enclinam, o telhado
é tomado por ramagens e trepadeiras, mas são necessárias muitas
décadas para desaparecer totalmente.
As
casas de taipa abandonadas são tão teimosas que não desmoronam.
Elas se desmancham lentamente, numa resistência heroica, após suas
madeiras serem consumidas por cupins ou pelo apodrecimento causado
pela chuva, pelo sol e vento. Sua degradação nunca se dá de uma
vez. Mesmo definhando, as estacas mais grossas resistem, segurando os
nacos de barro, insistindo, cambaleando, mas opiniosas, ou talvez,
geniosas.
Quando
o seu telhado arria, não o faz de todo. É seguro por outros pedaços
mais resistentes, cujos cupins ou chuva não conseguiram destruí-lo.
São assim as casas de taipa, diferentes das velhas casas de tijolos
e cimento, cujas paredes muitas vezes tombam inteiras, bastando um
empurrão da parede. Para apressar seu desaparecimento, surgem os
"cupins-homens", levando os tijolos, restos de madeira e o
que podem aproveitar n'outra obra, tirando-a de cena. Por mais que
uma casa de alvenaria deixe seus restos perdurarem por décadas, por
mais que desapareçam
sem vestígios, diferem muito da taipa, pois essas são
resignadas. Elas não fazem da fraqueza a força, pois são
sinônimos de resistência por excelência. Assim como
"o sertanejo é antes de tudo um forte", como escreveu
Euclides da Cunha (105), é a casa de taipa, uma
fortaleza.
Depois
de abandonada, não conserva pistas ao longo dos anos, pois, como
tudo veio da natureza, volta para ela. A madeira vira material
orgânico, adubando a terra. O barro que subiu e foi alisado pelas
mãos calejadas do nativo, arria, retornando ao chão. A casa de
tijolos pode até deixar velhos alicerces como testemunha quase
eterna, mas não deixa o que é mais nobre: o exemplo de resistir até
quando puder. Creio que a casa de taipa deveria figurar no Brasão da
bandeira de Nísia Floresta como símbolo de sua cultura. Símbolo de
luta.
O
BARRO NAS CASAS DE TAIPA
“... Côni
se usava barro de paul (106) tinha que misturá cum barro de arisco
(103). O barro de paul é inguá a uma pasta. Si butá puro ele incói
quase tudo côni seca. O arisco é que deixa o barro bom pra barreá
bem. Mas tem o barro amarelo… o vermelho (107)… que dá nos canto
seco. Ele pode usá sem nada, só butá água e pronto. Barreado bom
tem que sê cum barro curtido. Você junta o barro, molha, mexe bem,
deixa tudo iguá e forra. Pode ser com foia mesmo… de bananeira, do
que tivé; até lona mesmo, dessas preta. Dispois usa e ele dá liga
da boa”.
(Pedro Ribeiro, 80 anos, in
memorian).
O
depoimento acima, contado pelo Sr. Pedro Ribeiro é
interessantíssimo. É apenas um detalhe sobre complexa engenharia
que envolve a construção de uma casa de taipa, e essa engenharia
merece tanto respeito quanto aquela aprendida nas universidades. Ele
já fez muitas casas de taipa em lugares diferentes. Como foi exposto
no início, fazer uma casa de taipa dava muito trabalho e exigia
certos cuidados como os expostos acima.
O
barreado de uma casa de taipa obedece vários estágios. Como é
composto de água, ela evapora lentamente e deixa fissuras e
rachaduras, precisando de acabamento gradual. Alguns nativos
barreavam suas casas uma única vez, resultando numa aparência tosca
e desconforme. Fazer uma casa de taipa caprichada exige várias
etapas. Cada vez que se preenche as fissuras e rachaduras aparecem
outras menores, que devem ser tapadas até ficar parecido com reboco
de alvenaria. É um processo lento, depende do capricho de quem
executa a tarefa. Depois de pronta os cuidados com a manutenção
continuam, assim como numa casa de alvenaria. Talvez o fato de exigir
manutenção faz com que alguns não se importem, contribuindo com a
ideia preconceituosa de que casa de taipa é foco do mosquito
causador da doença de Chagas e malária.
Na
realidade o produto final de uma casa de taipa revela a personalidade
de quem a fez – ou quem mora nela. Alguns nativos têm cuidado
extremo na escolha da madeira, a feitura da trama, o amarrado dos
cipós, a aplicação do barro (como expôs os senhores Pedro e
Canindé). Um reboco bem feito não difere em nada do reboco de
cimento, principalmente depois de caiado. Mas com o advento do
cimento, muitas casas de taipa receberam tal material e resistiram
várias décadas. Algumas são centenárias.
A
MADEIRA DAS CASAS DE TAIPA
A
feitura de uma casa de taipa, como foi exposto, dependia do capricho
de seus artesãos. Alguns nativos eram primorosos e passavam dias nas
matas escolhendo a madeira e amontoando os feixes ali mesmo. Como não
bastasse, curtiam o barro durante dias. Só depois de estar com toda
a matéria-prima disponível davam início à construção.
Nos
velhos tempos de matas abundantes, era fácil escolher as madeiras
ideais para estaca, linha, caibro, esteio, ripa e as amarras de
cipós. “Papai juntava uma ruma de vara para fazer os gradeados e
amarrava os feixe com cipó… a gente trazia nos espinhaço, pois a
carroça num entrava na mata”, contou-me o Sr. “Zé Carão”.
Com um facão, desbastava-se os nós onde ficavam os galhos, e com o
serrote manual fazia-se os cortes oblíquos para os encaixes da
madeira pesada do telhado. Apenas as grades, os caixilhos ou caixas
das janelas e portas eram adquiridos de carpinteiros especializados
nessa função.
Conheci
casarões centenários em Nísia Floresta que até mesmo as janelas e
portas foram feitas artesanalmente. Verdadeiras obras primas, peças
únicas saídas das mãos esmeradas dos carpinteiros, homens simples
e humildes, mas geniais, num tempo em que ninguém tinha pressa. Era
tal o capricho que quando o gradeado da casa ficava pronto, antes de
receber o emboço, tinha-se uma imensa escultura diante de si.
Verdadeira obra de arte. O capricho na confecção do gradeado, as
tramas perfiladas e amarradas com “cipó de sapo” (108), formava
uma sucessão de formas geométricas. Um espetáculo a parte. Quando
encontramos ruínas de casas de taipa, percebemos a perfeição das
amarras de cipó e essa organização da madeira.
Pessoas
despreocupadas com o capricho faziam com o que era mais fácil. Não
se importavam com a escolha nem do barro nem da madeira, como é
possível ver em várias ruínas. Conforme o barro vai arriando
desnuda o madeiramento, evidenciando arame, cacos de telhas, madeira
industrializada, lixo, enfim o capricho dos homens do passado foi
ficando cada vez mais em desuso. Creio que hoje, mesmo sem estar com
pressa, muita gente faz tudo com pressa.
A
CASA DE TAIPA HOJE
Atualmente
as casas de taipa, assim como alguns elementos da cultura do
Nordeste, estão na alçada da decoração. Tem caráter
expositivo.“É
folclore” – meramente –, e um folclore de exposição, como
se a cultura popular fosse algo do passado. Outrora, são
construídas em grandes feiras e parques de exposições, como a
Festa do Boi, de Parnamirim/RN, onde Paulo Varela (109), famoso poeta
potiguar é conhecido por construir casa de taipa nos locais onde se
apresenta. Ele distribui seus escritos pelos cômodos da casa, ao
lado de objetos antigos como rádio, máquinas de costuras e
assessórios de vaqueiro.
Restaurantes,
bares e ambientes comerciais de áreas turísticas se revestem dessa
plástica como marketing.
Isso é até curioso, pois a proposta comercial é tornar o ambiente
aconchegante ao turista por seu aspecto de simplicidade e bucolismo.
Mas na vida real quase ninguém quer a casa de taipa como moradia.
Na
praia de São Miguel do Gostoso, área litorânea do Rio Grande do
Norte, existem restaurantes e barzinhos que exibem cinematográficas
casas de taipa. Nota-se que é algo super produzido. A ornamentação
e as antiguidades sob efeito das luzes emprestam ao espaço um visual
diferenciado, nem sempre fiel ao passado, mas a ideia de atrair
o turista. Não posso dizer que em tal lugar seja assim, mas em muitos amibientes com tal "decoração" os empresários criam uma ideia
exagerada, com excesso de informação.
As
casas de taipa atuais são comuns nos espaços turísticos
interioranos, como Pipa e até mesmo Nísia Floresta. Tem caráter
demonstrativo, muitas vezes “apapagaiado” - na expressão dos
nativos – pois se
expõe todo
tipo de quinquilharia que fez parte do passado dos nativos. Muitas
vezes chega-se a exceder a proposta, exibindo objetos
presenteados pelos visitantes, transformando a casa de taipa num
espaço de “ajuntamento” de coisas.
Em
Nísia Floresta ainda se encontram raras casas de taipa que servem de
moradia, pois sinalizam inferioridade para muitos. Em 2016 andei por
toda a Nísia Floresta e quase não vi casas de taipa, exceto no
“Conjunto Poeirão”, onde, para minha surpresa, um nativo acabava
de barrear a sua. O modelo, como não poderia ser diferente, era de
barro vermelho. O proprietário serviu-se
de todo tipo de madeira que conseguiu juntar pela cidade.
Dia
desses eu disse a uma senhora vizinha ao apartamento onde moro,
que pretendia construir a minha casa de taipa muito bem feita, com
fogão a lenha, fogão a gás, partes forradas, ar-condicionado etc.
E mesmo assim ela disse “meu filho, você quer regredir?!” Achei
curiosa a espontaneidade como ela disse isso. A ideia que os
nativos têm é que a casa de taipa é regresso, vergonha, sinônimo
de pobreza e atraso. E até mesmo maluquice. E quando nos
aprofundamos sobre o que gera esse conceito, é uma sucessão de
fatores.
Curioso também que
alguns nordestinos
parecem não se identificar com esse “passado” de taipa, como se
fosse negativo para a sua identidade. Atualmente, quando alguém
constrói uma casa de taipa, encaixa-se no seguinte perfil:
1)
está em situação de pobreza extrema;
2)
é saudosista e a construiu para reviver as experiências do passado
(não se trata de pessoa em situação de pobreza extrema; muitas
vezes são pessoas excêntricas, cuja situação financeira daria
condições de fazer uma casa de alvenaria a seu gosto); esse
tipo é uma raridade;
3)
é dono de algum espaço que recebe turista, portanto construiu a
casa de taipa como mostruário, fez o próprio restaurante/bar desse
material ou exibe apenas alguma parede como amostra.
Tenho
absoluta certeza que o nisiaflorestense que mora numa casa de taipa
de seus antepassados, mora muito melhor que certos habitantes de
belos e espaçosos apartamentos, cujas paredes mais parecem uma
fornalha, onde não se pode fazer barulho, o latido dos cachorros
gera multas, elevador enguiça, enfim, onde o “morador” não se
sinta confortável. A diferença é apenas visual. Nada se compara a casa de taipa arejada, fria,
cercada de árvores, brisa, fogão a lenha, cuscuzeira de barro,
barulho de água...
A
EXTINÇÃO DA CASA DE TAIPA
Não
diria que um dia a casa de taipa vai desaparecer, mas como moradia é
possível. Os governantes – ao invés de favorecer e patrocinar os
cartéis das construtoras – deveriam incentivar a construção de
casas de taipa, pois além de baratas, duráveis e confortáveis, são
ecológicas, fazem parte da cultura e da história do Brasil, em
especial do Nordeste.
Os exemplares mais toscos entortam para cá e lá, mas não caem. |
Os
gestores deveriam desenvolver políticas públicas de revitalização
das casas de taipa, associando o conhecimento empírico dos artesãos
nativos com o conhecimento científico dos engenheiros e arquitetos.
As universidades públicas e particulares deveriam abraçar essa
ideia através de projetos de extensão, buscando alternativas para
a revitalização desse patrimônio belíssimo
da cultura popular.
A
construção de uma casa de taipa, hoje, deve primar por critérios
como impermeabilização, reaproveitamento de madeira de demolição,
uso de madeira ecologicamente correta, alternativas de telhas
produzidas com materiais recicláveis, inserção de materiais
modernos, criados por laboratórios universitários e, obviamente,
materiais industrializados, usados nas casas de alvenaria, ao gosto
do dono.
Para
isso ela seria bem servida de hidráulica, energia elétrica, forrada
ou não, climatizada ou não, enfim, uma casa de taipa moderna
e aconchegante. Assim, ninguém se referiria a uma casa de taipa
como nos referimos desde o início, “como coisa do passado”. E a
sua cultura seria preservada. Alguns países da Europa mantém o
hábito de construir casas de taipa, assim como no Chile. Por que não
se pode fazer mais casas de taipa no Brasil? Com que autoridade os
governantes decretaram que elas devem ser extintas para dar lugar aos
embriões que mal cabem um casal? Quem disse que uma casa de taipa é
sinônimo de doenças, de pobreza etc? Esse desprezo às casas de
taipa não é automaticamente um desprezo à cultura?
O
preconceito contra as casas de taipa decorre da ideia antiga de ser
moradia do mosquito causador da doença de Chagas. Isso ficou
impregnado na mentalidade do brasileiro, sem qualquer questionamento,
tampouco pelos engenheiros civis e arquitetos, os quais deveriam ser
os primeiros defensores desse tipo de construção. Entendo que a
tentativa de extinguir as casas de taipa é um desrespeito à
história do homem, pois elas significam os primeiros modelos de
construções civilizadas. É preconceito à engenharia e a
arquitetura primitiva, pois, assim como as casas de alvenaria,
também tem estilo, engenharia e técnica. É um ataque à cultura
popular, pois, idealizadas e feitas por mãos humanas, refletem
infinitas nuanças da cultura do homem.
No
Rio Grande do Sul são conservadas, intactas, as casas “enxaimel”
(110) em estilo alemão, do início do século XIX – que é um
tipo de taipa – assim
como outros estilos construídas totalmente em madeira ou pedra.
Ainda se veem, intactas, no estado de São Paulo e Minas Gerais, as
famosas “casas de pau a pique, que é o mesmo que a casa de taipa.
As diferenças são apenas os materiais diversificados que lá se
usam, mas o barro, as varas, as madeiras se assemelham. Por que no
Nordeste elas devem ser extintas?
MEMORIAL
DA CASA DE TAIPA
Independente
de os governantes incentivarem ou não projetos habitacionais em
taipa, Nísia Floresta poderia criar o “Memorial da Casa de Taipa”.
O projeto, pioneiro, seria construído numa área grande, de
preferência próximo à área rural, cercado de faxina. Nesse espaço
seria construído um complexo de seis casas – todas de taipa –
com ênfase a duas casas de taipa grandes. Na primeira casa deixaria
exposta toda a sua estrutura de madeira, os entrançados de cipós,
as grades, os cortes, as janelas etc. O objetivo dessa primeira
construção é mostrar como era a casa de taipa antes de ser
barreada. Como já foi exposto acima, essa casa seria uma enorme
escultura de madeira. Seria a casa pronta, mas sem o barro.
A
segunda casa seria igual a essa, mas barreada e telhada, ou seja,
pronta – completa. Os cômodos seriam mobiliados com os elementos
que fizeram parte das antigas casas de taipa de Nísia Floresta, mas
numa proposta natural, sem exageros. A proposta é passar a ideia de
que moram pessoas ali. Um fogão a lenha com panelas sobre ele,
restos de lenha queimada, feixe de lenha, um pote de barro, bateria,
camas, redes, tamboretes e tudo mais que os nativos utilizavam no
passado. Uma pequena despensa em cujas prateleiras se colocassem
simulacros de queijo e rapadura.
Em
outra casa ficariam dispostos pratos e canecas de ágata, alumínio.
No chão ficariam sacos de farinha e feijão etc. Num anexo próximo
à cozinha, faria-se um jirau com latas, bacias e coité.
Numa
casa menor e separada ficariam expostos outros elementos que
transportariam o visitante ao passado, como por exemplo, varas de
pescar, pilões, puçás, coités, paris e materiais do cotidiano,
litros cheios de sementes de feijão, milho etc. Em outro anexo
teriam-se amostras de cipós utilizados na confecção de casa de
taipa, amostras rústicas das madeiras usadas para linha e esteio sem
serem trabalhadas por marceneiros, amostras de barro de paul, barro
vermelho, arisco, enxós, facões etc.
No
quintal, teria-se uma área totalmente faxinada, com plantas
medicinais e um balcão com a mesma finalidade. Ao lado, um cacimbão
real, cujo visitante poderia puxar água in
loco. Nas
proximidades plantaria-se cana-de-açúcar, macaxeira, mandioca,
batata-doce, inhame, fruta pão, cajá-manga, jenipapeiro, abricó,
sapoti e principalmente fruteiras que estão entrando em extinção.
Num pé de manga disporia-se um cortiço de abelha, e sob ele um
moedor de cana-de-açúcar. Nesse mesmo quintal teria-se uma casa de
farinha completa, inclusive utilizada pela população a partir de
projeto cooperativo, bem como um complexo gastronômico em taipa,
onde o turista tivesse acesso às comidas típicas, artesanato,
folclore local, inclusive forró do turista. Ali seriam vendidos
cartões postais e souvenirs de
Nísia Floresta.
CAPÍTULO
2 (AINDA NÃO TRANSCRITO)
COMO
SE FAZ UMA CASA DE TAIPA
"E,
ao lado dessa taipa, tradição árabe via Sul de Portugal, a
taipa de sebe ou de pau a pique, própria dos peritos carpinteiros
portugueses que chegaram à perfeição técnica na arquitetura
naval." (ainda não transcrito)
NOTAS
1.
Jeca Tatu. é um personagem
criado por Monteiro Lobato em sua obra Urupês, que
contém 14 histórias baseadas no trabalhador rural paulista.
Simboliza a situação do caboclo brasileiro, abandonado pelos
poderes públicos às doenças, seu atraso e à indigência. "Jeca
Tatu não é assim, ele está assim". A frase de Monteiro
Lobato, sobre um dos seus mais populares personagens, refere sua obra
para além das histórias infantis e incomoda a elite intelectual da
época, acostumada a uma visão romântica do homem do campo. Jeca
Tatu, um caipira de barba rala e calcanhares rachados – porque não
gostava de usar sapatos, era pobre, ignorante e avesso aos hábitos
de higiene urbanos. Morava na região do Vale do Paraíba (SP),
distinta por seu atraso. O personagem Jeca Tatu e a análise dele
feita por Monteiro Lobato no conto Urupês e no artigo "Velha
Praga" de Monteiro Lobato, é assim explicado pelo
folclorista Cornélio Pires, quando analisa o caipira
caboclo: Coitado do meu patrício!, (o caipira caboclo),
Apesar dos governos os outros caipiras se vão endireitando à custa
do próprio esforço, ignorantes de noções de higiene… Só ele, o
caboclo, ficou mumbava, sujo e ruim! Ele não tem culpa… Ele nada
sabe. Foi um desses indivíduos que Monteiro Lobato estudou, criando
o Jeca Tatu, erradamente dado como representante do caipira em geral!
2.
Pau a pique. também conhecida como taipa de mão, taipa de
sopapo ou taipa de sebe, é uma técnica construtiva antiga que
consiste no entrelaçamento de madeiras verticais fixadas no solo,
com vigas horizontais, geralmente de bambu, amarradas entre si por
cipós, dando origem a um grande painel perfurado que, após ter os
vãos preenchidos com barro, transformava-se em parede. Podia receber
acabamento alisado ou não, permanecendo rústica, ou ainda receber
pintura de caiação. Foi utilizado no repertório das construções
dos séculos XVIII e XIX, período colonialsdo Brasil, sobretudo
nas paredes internas de tais edificações. Das técnicas em
arquitetura de terra é a mais utilizada, principalmente por
dispensar materiais importados. Note-se que seu uso ocorria em sua
maioria, na zona rural. A construção de pau a pique, quando mal
executada e mal acabada, pode se degradar em pouco tempo, apresentar
rachaduras e fendas, inclusive se tornando alvo de roedores e
insetos, que se instalam nestas aberturas. Durante muitos anos, o pau
a pique foi associado ao barbeiro (Triatoma infestans), inseto
transmissor da Doença de Chagas. No entanto, quando construída de
forma adequada, com base de pedra afastando-a do solo (50 a 60 cm) e
devidamente rebocada e coberta, não há o perigo da instalação do
barbeiro nas paredes e ou mesmo da degradação do pau a pique. Houve
alguma evolução nessa forma de construção. As madeiras deixaram
de ser fixadas no solo, pelo fato de apodrecerem rapidamente, suas
amarrações passaram a ser feitas com outros materiais, como fibra
vegetal e arame galvanizado. Mais recentemente, no Chile, têm
surgido construções utilizando uma variação desta técnica, que é
chamada de quincha metálica ou tecnobarro, onde a madeira da
"gaiola" é substituída por malha de ferro, preenchida com
barro através de equipamento apropriado.
3.
Mazzaropi. Amácio Mazzaropi, ator e cineasta brasileiro,
nascido em Taubaté, São Paulo, aos 9 de abril de 1912; falecido aos
13 de junho de 1981. Célebre por seus personagens simplórios, mas
cheios de argúcia. Durante décadas fez a alegria de muitos, pois
arrastava multidões.
4.tcheco-eslovaco: gentílico
pátrio de quem nascia na Tchecoslováquia; Estado que existiu na
Europa Central entre 1918 e 1992 (com a excepção do período da
Segunda Guerra Mundial.
5.
entrançado: ato de organizar os cipós e varas; certamente
por lembrar uma trança deu-se tal nome.
6. Actas
Diurnas: No jornal “A República”, o
folclorista potiguar Câmara Cascudo criou três
colunas: Biblion Biblioteca e Acta
Diurna. A coluna Acta Diurna foi iniciada em
maio de 1939 e mantida, diariamente, até 1960. Foram publicados, na
totalidade, 1.848 artigos dos mais variados assuntos.
7.
Vale do Capió: grande área de paul existente em Nísia
Floresta; onde no passado os índios faziam as suas roças; nesse
local existiam muitos casarões dos senhores de engenho locais.
8.
baldrame: alicerces.
9.
galamastro: tipo de árvore muito esguia e alta.
10.
ladrilho-hidráulico: também conhecido como 'piso
hidráulico' (às vezes impropriamente chamado azulejo
hidráulico), é um tipo de revestimento artesanal feito à base de
cimento, usado em pisos e paredes, que teve seu apogeu entre o fim do
século XIX e meados do século XX. Foi apresentado como alternativa
ao mármore ou como uma cerâmica que não necessitava de cozimento.
A partir dos anos 1960, o surgimento de outros materiais substituiu
progressivamente os pisos hidráulicos por elementos menos elaborados
e mais rentáveis. Os ladrilhos hidráulicos têm sua origem no final
do último século no sul da Europa. Rapidamente se espalharam pelos
países mediterrâneos e tornaram-se populares também n Inglaterra
vitoriana e na Rússia por sua resistência e por suas qualidades
decorativas. Até hoje continuam sendo produzidos um a um, e a
maneira com que são feitos continua a mesma há mais de um século,
inclusive há lojas especializadas em Natal. Fábricas de cerâmicas
comuns fizeram uma releitura dos ladrilhos hidráulicos, adaptando-os
a azulejos e cerâmicas. Depois de aplicados, ficam quase iguais aos
antigos.
7. fuxico: artesanato local, feito com
retalhos; normalmente lembram flores com pétalas.
11.
fuxico. artesanato de flores feitas com sobras de
tecidos, aplicadas sobre outros tecidos ou como colcha de retalhos;
atualmente existem vários modelos, inclusive fazem bolsas etc.
12.
rebolado: arremessado com as mãos, jogado; rebolar é o
mesmo que pegar qualquer coisa com o propósito de atirar em algum
lugar.
13.
quengas de coco: bandas do casco do coco seco, também
chamadas de “cuias”, usadas para manusear água, farinha etc; com
uma banda se faz o “quengo”.
14.
coité: grande cuia de um tipo de cabaça que dá em árvore
(Crescentia cujete L.) o
fruto é exatamente igual a uma bola, que, dividido ao meio quando
verde, é transformado em cuias que têm múltiplas finalidades:
guardar farinha e alimentos, cobrir pratos de comida, apanhar água,
colocar sementes para secar ao sol etc.
15.
Vila Imperial de Papari: Pela Lei número 242, de 18 de
fevereiro de 1852, o povoado de Papary desmembrou-se de São José de
Mipibu, tornando-se município com o nome de Vila Imperial de Papary,
haja vista se tratar do Brasil Império, comandado por um imperador,
filho de um rei português.
16.
casa das freiras. centenária residência onde pela primeira
vez ocorreram reuniões que dariam origem à Campanha da Fraternidade
no Brasil, tendo como embrião o distrito do Timbó, em Nísia
Floresta/RN.
17.
mouro. dos mouros, mauritanos, mauros ou sarracenos são
considerados, originalmente, os povos oriundos do Norte de África,
praticantes do Islão, nomeadamente Marrocos, Argélia, Mauritânia e
Saara Ocidental, invasores da região da Península Ibérica,
Sicília, Malta e parte de França e Portugal, durante a Idade Média.
Estes povos consistiam fundamentalmente aos grupos étnicos berberes
e árabes, que constituem o âmago de etnicidade da África
setentrional. O período da Reconquista marca a expulsão destes
povos da Península Ibérica, consubstanciando-se também numa
cruzada histórica entre a religião dos mouros, o islão, e a
religião dos povos da Península Ibérica, o catolicismo. Nota-se
que a maior parte dos mouros da Península Ibérica eram descendentes
de ibéricos convertidos ao islamismo. Portanto, não havia
significativa diferença fenótipa entre mouros e cristãos da
Ibéria. Com os mouros veio o costume de conservar as mulheres sempre
vigiadas e sem poder sair de casa, como fazem atualmente alguns
muçulmanos.
18.
chefe da família: maneira antiga de se referir ao pai.
19.
caritó: pequena prateleira de canto, feita com dois paus
fixados a parede e tábuas horizontais; serve para colocar penico,
candeeiro, vela etc; nome usado também para se referir às moças
que não conseguem arrumar marido.
20.
taramela: peça de madeira, de tamanho entre 10 a 15 cm,
fixada rente à porta, com um prego no meio, de maneira que possa
girar para abrir e fechar.
21. muxarabi: ou muxarabiê; elemento
de madeira vazada, semelhante ao cobogó; tem função de
ventilação e iluminação dos ambientes, permitindo a quem está do
lado interno ver o ambiente externo.
22.
mestre. especialista popular em conduzir os folguedos
folclóricos, normalmente usa um apito e serve de guia para os
brincantes; sabe decorada as letras e os passos.
23.
Boi-de-Reis: manifestação folclórica semelhante ao “Bumba
Meu Boi”, composta por coreografias e canções que respeitam
diversas jornadas, tendo o boi como protagonista ao lado de
personagens como Birico, Jaraguá, palhaço, cão, galantes. Jaraguá
e outros.
24.
camarinha: quarto sem janela.
25.
Ribeira: o mais antigo bairro de Natal, margeado pelo rio
Potengi.
26.
quengos: concha tosca, feita de uma banda do casco seco do coco
com uma pequena varinha atravessada de um lado a outro, de modo que
um deles seja mais cumprido, onde se segura para manuseá-lo.
27.
cacimbão: poço; lugar de verter água do solo.
28.
bico: torneira comum.
29.
Melão São Caetano: conhecido cientificamente
como momordica charantia, é uma planta que faz parte da
família das cucurbitaceae e é originária de
partes como leste da Índia e sul da China. Em todo o Brasil, também
vem a ser reconhecido por nomes populares como erva de São Caetano,
fruto de cobra, erva das lavadeira e melãozinho. Tratando-se de
características, é uma trepadeira de cheiro desagradável que
possui flores amareladas ou esbranquiçadas, folhas palmatífidas e
fruto dourado que abre-se em válvulas espinhosas, possuindo
carnosidade mole em seu interior, que torna-se amarelo avermelhada
quando madura.
30. quarar: expor
as roupas sobre grama ou jirau, de maneira que fique bem distribuída
– como tapete – em dias de sol forte com o objetivo de clareá-la.
Creio que a palavra seja uma corruptela de “clarear”.
31. anil: O
Anil é um corante de fórmula C₁₆H₁₀O₂N₂. É uma tintura
importante com uma cor azul própria. É uma combinação
heterocíclica. O composto químico que constitui a tintura do anil é
chamado indigotina. Fórmula:
C16H10N2O2. Massa
molar: 262,27 g/mol. Densidade:
1,2 g/cm³. Ponto
de fusão: 390°C. Seu uso na lavagem de roupa se dá da
seguinte forma: depois de dissolver o produto na água,
mergulha-se as roupas brancas e ferve. Em seguida, retira-se e
expõe-se ao sol. O resultado é uma tonalidade branca muito
bonita com leve oscilação em azul.
32.
arisco: terreno
seco com areia e minúsculos pedregulhos.
33. flandre: zinco,
folha de qualquer material metálico flexível, com a qual se molda
peças utilitárias como chaminés.
34.
coliformes fecais: atualmente chamado de coliformes
termotolerantes, são bactérias que estão presentes em grandes
quantidades no intestino dos animais de sangue quente. Os coliformes
fecais (termotolerantes) podem contaminar a água através das fezes
de animais que chegam até a água por meio de despejo do esgoto que
não foi adequadamente tratado.
35.
vitiligo: dermatite, afecção cutânea
caracterizada por perda localizada da pigmentação; leucopatia
adquirida.
36.
pano-branco: também chamado de micose de praia e
cientificamente de Pitiríase versicolor, é uma doença de pele
causada por um fungo chamado Pityrosporum Ovale ou Malassezia
furfur. Este fungo produz uma substância chamada ácido
azeláico, que impede a pele de produzir melanina quando exposta ao
sol. Logo, nos locais onde o fungo está, a pele não fica bronzeada
como o resto do corpo, ficando com um aspecto mais branco.
37.
menino buchudo: maneira regionalista de se referir a meninos
criados à vontade, cheios de dengos e costumes inadequados.
38.
mulher buchuda: regionalismo para definir mulher gestante.
39.
doença de Chagas: doença infecciosa causada por um
protozoário parasita chamado Trypanosoma cruzi, nome
dado por seu descobridor, o cientista brasileiro Carlos Chagas, em
homenagem a outro cientista, também, brasileiro, Oswaldo Cruz.
40.
malária. também chamada paludismo, impaludismo ou maleita,
é uma doença infecciosa transmitida por mosquitos e provocada por
protozoários parasitários do gênero Plasmodium. A
doença é geralmente transmitida através da picada de uma fêmea
infectada do mosquito Anopheles, a qual introduz no
sistema circulatório do hospedeiro, os microorganismos presentes na
sua saliva, os quais se depositam no fígado, onde maturam e se
reproduzem. A malária manifesta-se através de sintomas como febre e
dores de cabeça, que em casos graves podem progredir para coma ou
morte. A doença encontra-se disseminada em regiões tropicais e
subtropicais de uma larga faixa em redor do equador, englobando
grande parte da África subsariana, Ásia e América. Existem
cinco espécies de Plasmodium capazes de infectar e
de serem transmitidas entre seres humanos. A grande maioria das
mortes é provocada por P. Falciparum eP. vivax, enquanto
que as P. Ovale e P. Malariae geralmente provocam uma forma menos
agressiva de malária e que raramente é fatal. A espécie
zoonótica P. knowlesi, prevalente no sudeste
asiático, provoca malária em macacos, podendo também provocar
infeções graves em seres humanos. A malária é prevalente em
regiões tropicais e subtropicais devido à chuva abundante,
temperatura quente e grande quantidade de água estagnada, o que
proporciona habitats ideais para as larvas do mosquito. A transmissão
da doença pode ser combatida através da prevenção das picadas de
mosquito, usando redes mosquiteiras ou repelente de insetos, ou
através de medidas de erradicação, como o uso de inseticidas ou o
escoamento de águas estagnadas. O diagnóstico de malária é
geralmente realizado através de análises microscópicas ao sangue
que confirmem a presença do parasita ou através testes de
diagnóstico rápido para a presença de antigénios.
41.
barreado: ato de distribuir o barro pelas tramas usando as
mãos.
42.
de favor: através da boa vontade de alguém, algo cedido
por empréstimo.
43.
cansada: angustiada pelos sintomas do peito cheio de catarro
e mesmo a asma.
44.
milacria. tudo o
que não presta para nada: secreções humanas, objetos etc.
45.
velame: planta arbustiva que pode chegar a alcançar
uma altura entre três e quatro metros. Suas folhas são alternas e
ovais, e possuem pelos finos, curtos e macios. Suas flores surgem em
formato de espigas, brancas nas pontas, aromáticas e, assim como as
folhas, peludas. Seu fruto é uma cápsula com três lojas, sendo que
cada uma delas possui um caroço. Da família das Euphorbiaceae,
a planta também pode ser conhecida como cróton campestre, velame do
mato, e velame do campo de minas. A árvore é nativa da flora
brasileira, podendo aparecer em todo o país, mas principalmente nas
regiões sudeste e nordeste. A erva velame do campo pode ser
encontrada para comprar em lojas de produtos naturais e algumas
farmácias de manipulação; por ser larga e aveludada sempre foi a
preferida para a higienização do ânus após defecar.
46:
metralha: sobras de alvenaria de construção, cacos de
telhas, tijolos, pedaços de paredes etc.
47.
inverno: chuva; não tem relação alguma com a expressão
sulista que ser refere à estação fria, onde ocorrem geadas.
48.
pancada de ar: friagem/sereno/vento muito frio da madrugada.
49.
estalecido: gripe cujo nariz fica escorrendo sem parar.
50.
carne triada: sintoma de doença também conhecida como
estiramento muscular.
51.
brechadores: homens que olham mulheres nuas por frestas e buracos
de parede; voyers.
52.
mengando: movimentando a cintura como quem copula.
53.
samba-canção: cueca de algodão; trata-se de uma espécie
de short grande, quase na altura do joelho.
54.
ceroulas: ceroilas, ceroula ou ceroila é
uma peça de vestuário interior e íntimo que cobre o ventre, as
coxas e as pernas, substituindo as cuecas. Antigamente, o seu uso era
mais frequente, mas, hoje, há quem tenha se aplicado em desenhá-las
duma forma mais moderna e estilizada devido ao seu conforto e
principalmente por protegerem muito do frio. "Ceroulas"
provém do árabe vulgar saraul (pronuncia-se
"sarol"), que é o plural de siroal,
"calça".
55.
calção: peça íntima semelhante ao calção.
56.
anáguas: do espanhol enagua é
uma peça da indumentária feminina utilizada por baixo da roupa
(vestido ou saia) com o objetivo de inibir a transparência ou gerar
volume.
57.
saiote: saia de agasalho utilizada por
debaixo da outra saia.
58.
califom: espécie de sutiã antigo, feito de tecido macio,
amarras, e fitilhos.
59.
faxina: cerca de varas amarradas rentes uma às outras,
presas por outras varas horizontais, fixas por estacas em
determinados pontos, as quais as seguram, pois não são enterradas
no solo.
60.
quartinha: ¼ (medida para venda de algum produto, como
farinha); é muito usada para se referir a pequenas vasilhas.
61.
ficou mal. Quando as pessoas deixam de se falar por algum
desentendimento ou mal entendido.
62.
catita. rato minúsculo, ratinho novo e ágil, que
dificilmente se consegue pegá-lo.
63. Henry
Koster: Henry
Koster (Portugal,
c. 1793— Recife, 1820),
também conhecido como Henrique da Costa, foi um empresário e
pintor português. Filho de pais ingleses, por motivos de saúde
veio ao Brasil em 1809,
onde se tornou senhor de engenho. Quanto as suas obras artísticas,
tinham como tema a retratação dos engenhos no Brasil Colonial e
também explorou vários locais do país, através de viagens que
deram origem ao livro Travels
in Brazil. Ao
visitar Papari, em 1810, encontrou-se com o pai de Nísia Floresta –
Sr. Dionísio Pinto Lisboa –, que o convidou para um almoço com
sua família.
64. D.
João VI: João
Maria José Francisco Xavier de Paula Luís António Domingos Rafael
de Bragança. (Lisboa, 13
de maio de 1767 – Lisboa, 10 de março de 1826), cognominado O
Clemente,
foi REI DO Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. De 1816 a
1822, de
facto,
e desde 1822 até 1825, de
jure.
Desde 1825 foi rei de Portugal até sua morte, em 1826.
Pelo Tratado
do Rio de Janeiro de 1825,
que reconhecia a independência do Brasil do Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves, também foi o imperador titular do
Brasil, embora tenha sido seu filho Pedro o Imperador do
Brasil de
facto. Um
dos últimos representantes do absolutismo, D. João
viveu num período tumultuado, e seu reinado nunca conheceu paz
duradoura. Ora era a situação portuguesa ou europeia a degenerar,
ora era a brasileira. Não esperara vir a ser rei; só ascendeu à
posição de herdeiro da Coroa pela morte de seu irmão mais
velho, D.
José.
Assumiu a regência quando sua mãe, Dona
Maria I,
foi declarada mentalmente incapaz. Teve de lidar com a constante
ingerência nos assuntos do reino de nações mais poderosas,
notadamente a Espanha, França e Inglaterra.
Obrigado a fugir de Portugal quando as tropas
napoleônicas invadiram o país, chegando à colônia enfrentou
revoltas liberais que refletiam eventos similares na
metrópole, e foi compelido a retornar à Europa em meio a novos
conflitos. Perdeu o Brasil quando seu filho D. Pedro I proclamou a
independência e viu seu outro filho, D.
Miguel I,
rebelar-se buscando depô-lo. Finalmente, foi provado há pouco tempo
que morreu envenenado. Seu casamento foi da mesma forma acidentado, e
a esposa, Dona
Carlota Joaquina,
repetidas vezes conspirou contra o marido em favor de interesses
pessoais ou da Espanha, seu país natal. Não obstante as
atribulações, deixou uma marca duradoura especialmente no Brasil,
criando inúmeras instituições e serviços que sedimentaram a
autonomia nacional, sendo considerado por muitos pesquisadores o
verdadeiro mentor do moderno Estado
brasileiro.
Apesar disso, é até hoje um dos personagens mais caricatos da
história luso-brasileira, sendo acusado de indolência, falta de
tino político e constante indecisão, sem falar em sua pessoa,
retratada amiúde como grotesca, o que, segundo a historiografia mais
recente, na maior parte dos casos é uma imagem injusta.
65. “alparcatas”:Era
um calçado popular feito
de lona (pano
parecido com os "jeans" atuais) e sola de corda (cizal),
fabricado por Sao Paulo Alpargatas desde os primeiros anos do século
passado. Existia nas cores azul, marrom e vermelho. Contrariando a
propaganda, estava longe de ser confortável, mas fazia muito sucesso
(principalmente no interior do país) nos anos
30 a 50 pelo
seu preço barato. Nos anos 60 ainda era usada para trabalho na
lavoura. Era quase impossível não encontrá-la nos armazéns e
vendinhas da época. Em cada região tinha apelidos diferentes,
carinhosos e esquisitos: "enxuga-poça"(encharcava-se
todo, em contato com a água); "pé
de cachorro"(?);
"chinelo-de-ladrão"(silencioso,
ao andar); "precata"
e "pergata"
(pronúncia popular do nome); etc. Em muitas famílias daquele tempo
era a opção para a criançada ir à escola com os pés calçados.
No final dos anos 50 a empresa lançou outro calçado também de
preço popular: "Sete
Vidas".
Nesse, a parte superior continuava de lona, mas a sola não era mais
de corda e sim de borracha (precursor do tênis "Conga" ?).
Foi uma grande melhora.
66.
trançadores: vide nº 2
67.
trama: organização das varas amarradas aos cipós nas
paredes de taipa antes do barreado.
68.
catemba: bucha seca que se forma ao redor do casco do coco
.
69.
bateria: paneleiro antigo;
tripé de ferro com vários degraus, nos quais se disponibilizam as
panelas sob as bases horizontais e penduradas nas laterais.
70. Pelo
Telefone: é considerado o primeiro samba a ser gravado
no Brasil segundo a maioria dos autores, a partir dos
registros existentes na Biblioteca Nacional. Composição de
Ernesto dos Santos, mais conhecido como Donga, e do
jornalista Mauro de Almeida. Foi registrada em 27 de
novembro de 1916 como sendo de autoria apenas de
Donga, que mais tarde incluiu Mauro como parceiro . Foi
concebida em um famoso terreiro de candomblé daqueles
tempos, a casa da Tia Ciata, frequentada por grandes
músicos da época. Por ter sido um grande sucesso e
devido ao fato de ter nascido em uma roda de samba, de
improvisações e criações conjuntas, vários foram os músicos que
reivindicaram a autoria da composição.
71.
Alvarenga e Ranchinho: Alvarenga
& Ranchinho foi uma popular dupla sertaneja brasileira,
formada em 1929 por Murilo Alvarenga (Itaúna, Minas
Gerais, 22
de maio de 1911-18
de janeirode 1978)
e Diésis dos Anjos Gaia (Jacareí, São
Paulo, 23
de maio de 1912 – 6 de junho de 1991). A
dupla sertaneja começou a carreira em apresentações em circos
no interior de São Paulo no final da década
de 1920.
Em 1934,
eles foram contratados pelo maestro Breno Rossi para cantar
na Rádio São Paulo e, dois anos depois, mudaram-se para
o Rio
de Janeiro,
onde gravaram o primeiro compacto, em 1936,
com a música "Itália e Abissínia" uma sátira sobre o
conflito entre esses países. Trabalharam durante dez anos no Cassino
da Urca,
onde aprimoraram o talento para a sátira política, uma
das principais
características do duo Alvarenga e Ranchinho. Por causa das sátiras,
participaram de dezenas de campanhas eleitorais e também
acabaram presos diversas vezes. A dupla participou do primeiro filme
falado feito em São Paulo, Fazendo Fita, em 1935, levada por
Ariowaldo Pires, o Capitão
Furtado.
Fizeram participações em mais de 30 filmes.
Em 1939, Alvarenga e Ranchinho fizeram uma turnê pelo Rio Grande
Sul. Nesse mesmo ano, passaram a se apresentar na Rádio Mayrink
Veiga, onde receberam o título de "Os Milionários do Riso",
graças aos cada vez mais bem sucedidos esquetes cômicos. A dupla
original se desfez em 1965, quando Diésis dos Anjos
Gaia abandonou em definitivo a dupla. Sendo substituido
por Delamare de Abreu e depois por Homero
de Souza Campos.
Na década
de 1970,
se apresentaram principalmente em cidades do interior. Em 1973,
a gravadora RCA lançou "Os Milionários do Riso", um LP ao
vivo. Com falecimento de Avarenga encerrou-se a dupla. São os
autores da canção Êh...
São Paulo.
72. Carlos
Galhardo: nascido
Catello Carlos Guagliardi (Buenos
Aires, 24
de abril de 1913— Rio
de Janeiro, 25
de julho de 1985)
foi um dos principais cantores da Era do Rádio. Filho de
italianos, Pietro Guagliardi e Saveria Novelli, teve três irmãos.
Dois nascidos na Itália, uma nascida no Rio de Janeiro. Dois
meses depois de seu nascimento, a família mudou-se para São
Paulo, e em seguida, para o Rio de Janeiro. Aos oito anos de idade,
com o falecimento de sua mãe, o menino passa a viver com um parente
no bairro do Estácio e aprende o ofício de alfaiate. Aos quinze
anos torna-se já um oficial, apesar de não gostar do ofício. Chega
até a abandonar os estudos (completou o primário) para dedicar-se à
profissão. Passou por várias alfaiatarias e numa delas trabalhou
com o barítono Salvador Grimaldi, com quem costumava ensaiar
duetos de ópera. Apesar de em casa e para amigos cantarolar
cançonetas italianas e árias de ópera, sua carreira iniciou em uma
festa na casa de um irmão, onde encontravam-se presentes
personalidades como Mário
Reis, Francisco
Alves, Lamartine
Babo, Jonjoca e,
ali, cantou para os convidados Deusa, de Freire
Junior,
canção do repertório de Francisco Alves. Aprovando-o,
aconselharam-no a tentar o rádio. Foi então apresentado ao
compositor Bororó e através deste conseguiu uma oportunidade
na Rádio Educadora do Brasil onde cantou "Destino",
de Nonô e Luís
Iglesias.
No dia seguinte foi procurado e convidado a fazer um teste na RCA
Victor.
Aprovado, passa a fazer parte do coro que acompanhava as gravações
da gravadora. Seu primeiro disco solo é lançado em 1933,
com os frevos Você
não gosta de mim, dos Irmãos Valença e
Que é que há,
de Nélson
Ferreira.
Conhecendo o compositor Assis
Valente,
gravou muitas canções suas tais como Para onde
irá o Brasil, É duro de se crer, Elogio da raça (em
dueto com Carmen
Miranda), Pra
quem sabe dar valor e Boas
festas,
esta última seu primeiro grande sucesso. Passou cantando por várias
emissoras de rádio do Rio de Janeiro, tais como: Mayrink
Veiga, Rádio
Clube, Philips, Sociedade, Cruzeiro, Cajuti, Tupi, Nacional e Mundial.
Em 1935,
estréia como cantor romântico com a valsa-canção Cortina
de Veludo, de Paulo
Barbosa e Osvaldo Santiago e obtém grande sucesso. Em
sua carreira além de na RCA Victor, gravou também
na Columbia, Odeon e Continental.
Foi o segundo cantor que mais gravou no Brasil, cerca de 570 músicas
(só perdeu para Francisco Alves). Além das canções carnavalescas,
Galhardo foi quem mais cantou temas de datas festivas, a
exemplo: Boas
festas, Boneca
de Papai Noel (Ari
Machado) e Lá
no céu (Silvino
Neto), Não
mudou o Natal (Alcyr Pires Vermelho e
Oswaldo Santiago) para o Natal; Bodas
de prata (Mário
Rossi) e Roberto
Martins)
para a celebração de mesmo nome, Mãezinha
querida (Getúlio Macedo e Lourival
Faissal), Imagem
de mãe (Othon
Russo e José Nunes), Dia
das mães (José
Cenília e Lourival Faissal), Aniversário
de mãezinha (Mário
Biscardi e Newton
Teixeira)
e Mamãezinha (José
Selma, Lourival Faissal e Maurício das Neves) para o Dia
das Mães; Papai
do meu coração (Lindolfo
Gaya e Osvaldo dos Santos) para o Dia
dos Pais; Tempo
de criança (Ari
Monteiro e Osvaldinho) para o Dia
das Crianças; Subindo,
vai subindo (Osvaldo
e Valfrido
Siva), Olha
lá um balão (Roberto
Martins e Wilson
Batista), Balão
do amor (Armando
Nunes e Geraldo Serafim) para as festas
juninas; Valsa
dos noivos (Sivan
Castelo Neto e José Roberto Medeiros), Para
os noivos, Brinde
aos noivos, Valsa
dos padrinhos para
noivos, Valsa dos namorados (Silvino Neto) para o Dia
dos Namorados; Quarto
centenário (J.
M. Alves e Mário
Zan)
para o aniversário de São Paulo; Dentro
da lua e 23
de abril (ambas
de Ari Monteiro e Roberto Martins) para o dia de São
Jorge;
e a Canção
do trabalhador (Ari
Kerner)
para o Dia
do Trabalhador.
Participou dos seguintes filmes: Banana
da terra,
dirigido por J. Ruy (1938), Vamos
cantar, de Leo
Martins (1940), Entra
na farra, de Luís
de Barros (1941), Carnaval
em lá maior,
de Ademar Gonzaga (1955), Metido
a bacana, de J.
B. Tanko (1957).
Em 1945,
grava juntamente com Dalva de Oliveira e Os
Trovadores,
a adaptação de João de Barro para a história
infantil Branca
de Neve e os sete anões,
com canções de Radamés
Gnattali.
Em 1952,
passa um ano apresentando-se em Portugal.
Em 1953 a Revista do Disco deu-lhe o slogan "Rei
do disco". Também ficou conhecido como "O rei da valsa",
título dado pelo apresentador Blota Júnior e "O
cantor que dispensa adjetivos". Daí pra frente começou a
apresentar-se por todo o Brasil, inclusive através da televisão.
Em 1983,
fez a sua última apresentação no espetáculo Allah-lá-ô,
de Ricardo
Cravo Albin,
dedicado ao compositor Antônio
Nássara,
realizado na Sala Funarte - Sidney Miller. Carlos Galhardo faleceu
com 72 anos e foi sepultado no Cemitério
São João Batista.
Ao lado de Francisco
Alves, Orlando
Silva, Vicente
Celestino e Sílvio
Caldas,
formou o quadro dos grandes cantores da era do rádio.
73. Nelson
Gonçalves: Nélson
Gonçalves (nome
artístico de Antônio
Gonçalves Sobral, Santana
do Livramento, 21
de junho de 1919 - Rio
de Janeiro, 18
de abril de 1998)
foi um dos maiores cantores e compositores brasileiros. Terceiro
maior vendedor de discos da história do Brasil, com mais de 81
milhões de cópias vendidas, fica atrás apenas de Roberto
Carlos,
com mais de 120 milhões e Tonico e Tinoco com
aproximadamente 150 milhões. Seu maior sucesso foi a canção "A
Volta do Boêmio". Nasceu
no interior do Rio
Grande do Sul,
mas mudou-se com os seus pais, portugueses de Lisboa,
para São
Paulo,
no bairro do Brás.
Quando criança, era levado para praças e feiras pelo seu pai, que
precisava sustentar a família, e para isso, além de fazer outros
serviços, fingia-se de cego e tocava violino, enquanto Nelson
cantava, agradando os transeuntes e ganhando gorjetas. Sua
família era muito humilde e por isto, Nelson teve que abandonar os
estudos no início de sua adolescência,
para ajudar o pai a sustentar o lar. Foi jornaleiro, mecânico,
engraxate, polidor e tamanqueiro. Querendo ganhar mais dinheiro e
seguir uma profissão, se inscreveu em concursos de luta e venceu,
tornando-se lutador de boxe na
categoria peso-médio, recebendo, aos dezesseis anos de idade, o
título de campeão paulista de luta. Após o prêmio, só ficou mais
um ano lutando, pois queria investir em seu sonho de infância: Ser
artista. Mesmo
com o apelido de "Metralha", por causa da
gagueira, tomou coragem e não se deixou levar pelos preconceitos, e
decidiu ser cantor, após deixar os ringues de luta. Em uma de suas
primeiras bandas, teve como baterista Joaquim Silva Torres. Foi
reprovado duas vezes no programa de calouros de Aurélio Campos.
Finalmente foi admitido na rádio PRA-5, mas dispensado logo depois.
Nesta época, em 1930, aos 20 anos, casou-se com sua noiva,
Elvira Molla. Com Elvira teve um casal de filhos: Marilene Gonçalves
e Nelson Antônio Gonçalves. Sem emprego, trabalhava como garçom no
bar do seu irmão, na avenida São João. Neste mesmo ano, seguiu
para o Rio de Janeiro com a esposa, onde trilhou mais uma vez o
caminho dos programas de calouros. Foi reprovado novamente na maioria
deles, inclusive no de Ary Barroso, que o aconselhou a desistir.
Em 1941, conseguiu gravar um disco de 78 rotações, que foi bem
recebido pelo público. Passou a crooner do
Cassino Copacabana (do Hotel Copacabana Palace) e assinou
contrato com a Rádio Mayrink Veiga, iniciando uma carreira de
ídolo do rádio nas décadas de 40 e 50, da escola
dos grandes, discípulo de Orlando Silva e Francisco Alves.
Alguns de seus grandes sucessos dos anos 40 foram Maria
Bethânia (Capiba), Normalista (Benedito
Lacerda/Davi Nasser), Caminhemos (Herivelto
Martins), Renúncia (Roberto
Martins/Mário Rossi) e muitos outros. Maiores ainda foram os êxitos
na década de 50, que incluem Última
Seresta (Adelino
Moreira/Sebastião Santana), Meu
Vício É Você e
a emblemática A
Volta do Boêmio (ambas
de Adelino Moreira). No final dos anos 40, seu casamento com Elvira
estava abalado,
por muitas brigas conjugais devido aos ciúmes de Elvira. Em uma
turnê por Minas
Gerais, Nélson
conheceu Maria, uma fã, que se declarou apaixonada por ele. Não
resistindo à jovem, os dois passaram a ter um caso, e Nélson sempre
ia visitá-la no interior de Minas. A moça engravidou, mas não
revelou a Nélson, por medo de a família saber que ela se envolveu
com um homem casado, pois Maria sabia que Nélson jamais largaria a
esposa para ficar com ela. Ele até poderia assumir o bebê, mas a
família de Maria não aceitaria vê-la sendo mãe solteira. Assim, a
jovem terminou o relacionamento e Nélson ficou sem entender o
porque. Nélson, então, já não mais feliz no casamento com Elvira,
entrou com o pedido de divórcio, que
foi dado pela esposa. Só em 1991 Nélson conheceu a filha
que teve com a amante, Maria, mas esta já havia falecido. Após
exame de DNA, comprovou-se que Lílian realmente era sua filha. Sendo
assim, ele aceitou feliz esta nova filha, que conheceu seus
meio-irmãos, sendo bem aceita por eles. Na década
de 50,
além de shows em todo o Brasil,
chegou a se apresentar em países como Uruguai, Argentina e Estados
Unidos,
no Radio
City Music Hall.
Logo após o divórcio conhece Lourdinha
Bittencourt,
substituta de Dalva de Oliveira no Trio
de Ouro.
Os dois se apaixonam e após alguns anos de namoro, casam-se,
em 1952.
O casal passou os primeiros anos em lua-de-mel,
e não pensavam em ter filhos, já que Lourdinha era muito vaidosa
com o corpo e apesar de ser apenas quatro anos mais nova que o
marido, se considerava jovem
demais para ter filhos. Apesar da felicidade no início do casamento,
com os anos a união foi se deteriorando, e o casamento durou
até 1959,
quando Lourdinha pediu o divórcio, devido as traições de Nélson.
No início da década
de 60,
Nélson conheceu Maria Luiza da Silva e começaram a namorar. Em
poucos anos noivaram e em 1965,
casaram-se. O casal teve dois filhos: Ricardo da Silva Ramos
Gonçalves e Maria das Graças da Silva Ramos Gonçalves. Em
homenagem a filha, sua caçula tem seu apelido no refrão da
música Até
2001.
(É no gogo gugu). O casamento passou por grandes tribulações,
quando Nélson se envolveu com cocaína,
em 1958.
Usando drogas por anos, sua esposa lutou contra o vício de Nélson,
e apesar disto, Nélson foi preso em flagrante em 1965 por
porte de drogas, e passou um mês na Casa
de Detenção,
o que lhe trouxe problemas pessoais e profissionais. Por todo esse
tempo, sua esposa o visitou no presídio e juntava economias dela e
do marido, que pagavam seu tratamento e seu advogado. Após sair da
cadeia e diminuir o uso de drogas, voltou a lançar o disco A
Volta do Boêmio nº1,
um grande sucesso. Após
poucos anos, abandonou de vez o vício, sempre com o apoio de sua
mulher. Totalmente recuperado, retomou sua carreira, cada vez mais
bem sucedida. Continuou gravando regularmente nos anos 70, 80 e 90,
reafirmado a posição entre os recordistas nacionais de vendas de
discos. Além dos eternos antigos sucessos, Nélson Gonçalves sempre
se manteve atento a novos compositores, e chegou a gravar canções
de Angela Rô Rô (Simples
Carinho), Kid
Abelha (Nada
por Mim), Legião
Urbana (Ainda
É Cedo)
e Lulu Santos (Como
uma Onda).
Compôs e gravou A Deusa do Amor, com Lobão. Ganhador de um prêmio
Nipper da RCA, dado aos que permanecem muito tempo na gravadora,
sendo somente Elvis Presley o
outro agraciado. Durante sua carreira, gravou mais de duas mil
canções, 183 discos em 78 rpm, 128 álbuns, vendeu cerca de 75
milhões de discos, ganhou 38 discos de ouro e 20 de platina. Morreu
em consequência de um infarto agudo do miocárdio no apartamento de
sua filha Margareth, no Rio de Janeiro. Encontra-se sepultado
no Cemitério São João Batista no Rio de Janeiro.
74. Dalva
de Oliveira:Vicentina
de Paula Oliveira,
conhecida como Dalva
de Oliveira,
(Rio
Claro, 5
de maio de 1917 – Rio de Janeiro, 31 de agosto de 1972) foi
uma cantora brasileira. Segundo a revista Rolling Stone,
Dalva de Oliveira foi considerada a 32ª maior voz da música
brasileira de todos os tempos. Filha de um carpinteiro,
Mário de Paula Oliveira, conhecido como Mário Carioca, e da
portuguesa Alice do Espírito Santo Oliveira, Vicentina de Paula
Oliveira nasceu em 5 de maio de 1917 na cidade de Rio
Claro, São
Paulo.
Em 1935, no Cine Pátria, Dalva conheceu Herivelto Martins que
formava ao lado de Francisco Sena o dueto Preto e Branco; foi
terminado o dueto e nascia o Trio de Ouro. Iniciaram um namoro e,
no ano
seguinte, alugaram uma casa e iniciaram uma convivência conjugal,
oficializada em 1937 no civil, celebrada na igreja católica
e comemorada em um ritual de Umbanda na praia. A união
gerou dois filhos: Os cantores Peri Oliveira Martins, o Pery
Ribeiro, e Ubiratan Oliveira Martins. A União durou até 1947,
quando as constantes brigas e traições por parte de Herivelto deram
fim ao casamento. Matérias mentirosas que difamavam a moral de Dalva
foram publicadas por Herivelto, com a ajuda do jornalista David
Nasser no "Diário da Noite" fizeram com que o conselho
tutelar mandasse Pery e Ubiratan para um internato, alegando que a
mãe não possuía
uma boa conduta moral para criar os filhos, o que a fez entrar em
desespero e depressão. Os meninos só podiam visitar os pais em
datas festivas e fins de semana, e podendo sair de lá
definitivamente com dezoito anos. Dalva lutou pela guarda dos filhos
e sofreu muito por isso. Em 1949 Dalva e Herivelto
oficializaram a separação, se divorciando. Em 1952,
depois de se consagrar mais uma vez na música mundial e ganhar o
título de Rainha do Rádio, Dalva de Oliveira resolve excursionar
pela Argentina,
para conhecer o país e cantar em Buenos
Aires.
Nessa ocasião conhece Tito Climent, que se torna primeiro seu amigo,
depois seu empresário e mais tarde, seu segundo marido, quando Dalva
se muda para Buenos Aires, indo morar na casa de Tito, antes da união
oficial. Dalva não queria mais ter filhos por conta de sua carreira,
que tomava muito seu tempo, mas sempre quis ter uma menina. Por isto,
adotou uma criança em um orfanato de Buenos Aires, a quem batizou de
Dalva Lúcia Oliveira Climent. Dalva e Tito, após dois anos morando
juntos, casaram-se oficialmente em um cartório na Argentina, e
viveram juntos por alguns anos. No começo, a união era feliz e
estável, e criavam a filha com muito amor e dedicação. Após mais
de quatro anos de casamento, o casal passou a viver brigando, também
por conta da carreira de Dalva, que vivia viajando, e de seus filhos,
a quem constantemente visitava no Brasil.
Dalva era uma mulher simples e querida por todos, fazendo amizade com
facilidade, mas Tito queria uma mulher fina e cheia de requintes,
sempre pronta para atender a todos em cima do salto. Essa grande
diferença de temperamentos pôs fim à união no início dos anos
60.
Dalva se muda para o Brasil com a filha, mas no mesmo ano, Tito entra
na justiça pedindo a guarda da menina, e Dalva volta para Buenos
Aires, onde entra em processo contra o marido. Para manter o processo
até o fim, Dalva deixa sua carreira no Brasil e passa a morar com a
filha em Buenos Aires até a decretação da sentença do juiz. Dalva
e Tito passam a brigar muito pela guarda da criança, com brigas
verbais, mas Tito acaba usando as mesmas provas que Herivelto
utilizou: As notícias mentirosas em jornais a respeito da moral
duvidosa da cantora. Muito triste e infeliz, perde a guarda de sua
menina e volta sozinha para o Brasil, dando entrada no pedido
de divórcio. Ela
retoma sua carreira, fazendo mais sucesso que nunca. Em 1963,
já há alguns anos separados, a separação oficial finalmente é
concedida pelo juiz, já que casamento entre estrangeiros, na época,
havia demora para protocolar o divórcio. Dalva de Oliveira volta a
Buenos Aires para assinar os papéis e se divorcia de Tito, voltando
logo em seguida para o Brasil. Seus pequenos momentos de felicidade
ocorriam quando seus três filhos a visitavam nas férias escolares
de Janeiro. Iam visitar a mãe no Rio de Janeiro, e passavam um mês
com Dalva, em sua mansão. A cantora cancelava todos os shows do mês
para ficar com os filhos. Seu desejo era poder viver com os três,
sempre juntos, um sonho que não pôde realizar. Os anos se passaram.
Dalva vivia sozinha em sua mansão, e já havia se acostumado com a
solidão. Tinha tido alguns namorados, como cantores e atores, mas
eram relacionamentos sem compromisso, que duravam geralmente uma
noite ou poucos meses, pois não queria se apegar a ninguém, pois
não pretendia casar-se novamente, apenas viver a vida com homens que
a atraíssem. Também não tinha tempo de dedicar-se a
um relacionamento, pois viajava o mundo em turnês musicais. Estava
concentrada em sua carreira e fazendo mais sucesso ainda, quando, sem
estar a procura, ela conhece Manuel Nuno Carpinteiro, um homem vinte
anos mais jovem, por quem se apaixonou perdidamente, e com quem
redescobriu o amor: Eles se casaram, e este fora seu último marido.
Ao assumir o namoro, foi alvo de preconceitos, pela grande diferença
de idade, mas Dalva não ouviu os outros, e escutou a voz de seu
coração, seguindo os passos da felicidade. Com poucos meses de
namoro, foram viver juntos, e ali Dalva reencontrou a alegria de
viver. Em 18 de agosto de 1965 Dalva e seu último marido,
Manuel Nuno Carpinteiro, que na época era seu namorado, sofreram um
grave acidente: Ele dirigia o veículo, quando saíam de mais um show
da cantora, onde haviam bebido muito, quando Manuel perdeu o
controle, sofrendo um acidente automobilístico na cidade do Rio
de Janeiro,
que não causou ferimentos ao casal, mas resultou na morte por
atropelamento de quatro pessoas. Manuel foi preso, e assumiu que
estava realmente dirigindo o carro. Dalva se desesperou com a
situação do amado, e toda a imprensa noticiou o fato, prejudicando
sua carreira. Não se importando com críticas, Dalva o visitava na
prisão, o que foi um escândalo na sociedade, pois na época, uma
mulher que ia em presídios era considerada prostituta. Dalva arrumou
um advogado para ele, e após meses, ele foi absolvido da acusação,
tendo que reverter a condenação em prestação de serviços a
comunidades carentes. No fim dos anos 60, após todos estes processos
terminarem, Dalva e Manuel casam-se oficialmente em um cartório, com
uma grande festa na mansão de Dalva. De voz afinada, e bela,
considerada a Rainha da Voz ou o rouxinol brasileiro, sua extensão
vocal ia do Contralto ao Soprano. Em 1937 gravou, junto com a
Dupla Preto e Branco, o batuque Itaquari e
a marcha Ceci
e Peri,
ambas do Príncipe Pretinho. O disco foi um sucesso, rendendo várias
apresentações nas Rádios. Foi César
Ladeira,
em seu programa na Rádio
Mayrink Veiga,
que pela primeira vez anunciou o Trio
de Ouro.
Em 1949 deixou o trio, quando excursionavam pela Venezuela com
a Companhia de Dercy
Gonçalves.
Em 1950 retomou a carreira solo, lançando os sambas Tudo acabado (J.
Piedade e Osvaldo Martins) e Olhos verdes (Vicente Paiva) e o
samba-canção Ave Maria (Vicente Paiva e Jaime Redondo), sendo os
dois últimos, grandes sucessos da cantora. No ano seguinte foi
eleita Rainha
do Rádio,
e excursionou pela Argentina,
apresentando-se na Rádio El Mundo, de Buenos
Aires,
na qual conheceu Tito Climent, que se tornou seu empresário e depois
marido, pai de sua filha, como mencionado anteriormente. Ainda em
1951, filmou Maria da praia, dirigido por Paulo Wanderley, e Milagre
de amor, dirigido por Moacir Fenelon.Três dias antes de morrer,
Dalva pressentiu o fim e, pela primeira vez, em sua longa agonia de
quase três meses, lutando pela vida, falou da morte. Ela tinha um
recado para sua melhor amiga, Dora Lopes, que a acompanhou ao
hospital: "Quero
ser vestida e maquiada, como o povo se acostumou a me ver. Todos vão
parar para me ver passando!".
Morreu em 31 de agosto de 1972, vítima de uma hemorragia
interna causada por câncer no esôfago. A cantora teve seu
apogeu artístico nos anos 30, 40 e 50. Seu corpo está enterrado no
Cemitério Jardim da Saudade na Cidade
do Rio de Janeiro.
75. Vicente
Celestino: Antônio
Vicente Filipe Celestino (Rio
de Janeiro, 12
de setembro de 1894 – São Paulo, 23 de agosto de 1968) foi um
dos mais importantes cantores brasileiros do século XX. Nasceu
no bairro de Santa
Teresa,
filho de italianos da Calábria.Teve
onze irmãos, dos seis homens, cinco dedicaram-se ao canto e um
ao teatro (Amadeu Celestino). Desde os 8 anos, por causa de sua
origem humilde, Celestino teve de trabalhar como: sapateiro, vendedor
de peixe, jornaleiro e, já rapaz, chefe de seção numa indústria
de calçados. Começou cantando para conhecidos e era fã
de Enrico
Caruso.
Antes do teatro cantava muito em
festas, serenatas e chopes-cantantes.
Estreou profissionalmente cantando a valsa Flor
do Mal no teatro
São José e fez muito sucesso e também entrou no seu primeiro
disco vendendo milhares de cópias em 1915 na Odeon (Casa
Edison). Em
1920 montou uma companhia de operetas, mas sem nunca deixar
o carnavalesco de lado, emplacando sucessos como Urubu
Subiu.
Rapidamente, depois de oportunidade no teatro, alcançou renome.
Formou companhias de revistas e operetas com atrizes-cantoras,
primeiro com Laís Areda e depois com Carmen Dora. As excursões
pelo Brasil renderam-lhe muito dinheiro e só fizeram
aumentar sua popularidade. Nos anos 20, reinava absoluto como ídolo
da canção. Na década de 30 começou a demonstrar seus dotes como
compositor resultando em clássicas de seu reportório, como 'O
Ébrio', sua música mais lembrada até hoje (inclusive transformada
em filme por sua esposa). Vicente Celestino teve uma das mais longas
carreiras entre os cantores brasileiros. Quando morreu, às vésperas
dos 74 anos, no Hotel Normandie, em São Paulo, estava de saída para
um show com Caetano Veloso e Gilberto Gil, na famosa gafieira "Pérola
Negra", que seria gravado para um programa de televisão. Na
fase mecânica de gravação, fez cerca de 28 discos com 52 canções.
Com a gravação elétrica, em 1927, sentiu uma certa inaptação
quanto ao rendimento técnico, logo superada. Aí recomeçaria os
sucessos cantados em todo o Brasil. Em 1935 foi contratado pela RCA
VICTOR, praticamente daí sua única gravadora até falecer. No
total, gravou em 78 RPM cerca de 137 discos com 265 músicas, mais
dez compactos e 31 LPs, nestes também incluídas reedições dos 78
RPM. Vicente Celestino, que tocava violão e piano, foi o compositor
inspirado de muitas das suas criações. Duas delas dariam o tema,
mais tarde, para dois filmes de enorme público: O Ébrio (1946)
e Coração Materno (1951). Neles Vicente foi dirigido por
sua mulher Gilda Abreu (1904 - 1979), cantora, escritora,
atriz e cineasta. Celestino passaria incólume por todas as fases e
modismos, mesmo quando, no final dos anos 50, fiel ao seu estilo,
gravou "Conceição", "Creio em Ti" e "Se
Todos Fossem Iguais a Você". Seu eterno arrebatamento, paixão
e inigualável voz de tenor, fizeram com que o povo o elegesse como A
Voz Orgulho do Brasil.
Em 1965, recebeu o título de Cidadão Paulistano pela Câmara de
Vereadores desta cidade. No dia 23 de agosto de 1968, quando se
preparava para gravar um programa de televisão, onde seria
homenageado pelo Movimento Tropicalista, passou mal no quarto do
Hotel Normandie, em São Paulo, falecendo do coração minutos
depois. Seu corpo foi transferido para o Rio de Janeiro, onde foi
velado por uma multidão na Câmara dos Vereadores e sepultado sob
palmas do público no Cemitério de São João Batista no
Rio de Janeiro. Nunca saiu do Brasil e
manteve sua voz grave que era marca registrada independente do estilo
musical que estava executando. Teve suas músicas regravadas por
grandes nomes, como Caetano Veloso, Marisa Monte e
Mutantes.
76. Orlando
Silva: Orlando
Garcia da Silva (Rio
de Janeiro, 3
de outubro de 1915 - Rio de Janeiro, 7 de agosto
de 1978)
foi um dos mais importantes cantores brasileiros da
primeira metade do século
XX. Orlando
Silva nasceu na rua General Clarindo, hoje rua Augusta, no bairro
do Engenho de Dentro. Seu pai, José Celestino da Silva,
era violonista e participou com Pixinguinha de
serenatas, peixadas e feijoadas.
Orlando viveu por três anos neste ambiente, quando, então, seu pai
faleceu vítima da gripe
espanhola.
Teve uma infância normal, sempre gostando muito de violão. Na
adolescência já era fã de Carlos Galhardo e Francisco
Alves,
este último um dos responsáveis por seu sucesso. Seu primeiro
emprego foi de estafeta da Western,
com o salário de 3,50 cruzeiros por dia. Foi então para o
comércio e trabalhou como sapateiro, vendedor de tecidos e roupas e
trocador de ônibus. Quando desempenhava as funções de office
boy,
ao saltar de um bonde para entregar uma encomenda, sofreu
um acidente, tendo um de seus pés parcialmente amputado, ficando um
ano inativo, problema sério, já que sustentava a família. Foi
Bororó, conforme o próprio relata no filme O cantor das
multidões que o apresentou a Francisco Alves, que ouviu Orlando
cantar no interior de seu carro, decidindo imediatamente lançá-lo
em seu programa na rádio Cajuti. Nos seis ou sete anos seguintes,
tornou-se um grande sucesso, considerado por muitos a mais bela voz
do Brasil, contando inclusive com a estima do próprio
presidente Getúlio
Vargas.
Atraía os fãs de tal forma que o locutor Oduvaldo Cozzi passou
a apresentá-lo como "o cantor das multidões", conforme
relata no filme com o mesmo nome.
77. Dr.
Antonio de Sousa: Antonio José de Melo e Sousa
(1867-1955), intelectual potiguar nascido em Papari;
ex-governador do Rio Grande do Norte, tendo ocupado várias pastas
públicas; autor de Gizinha, considerado por estudiosos paulistas
como uma das mais importantes obras do modernismo brasileiro.
78. Cosmopolita: um
dos primeiros modelos de fogão a gás fabricados no Brasil,
considerados na década de 40 como moderníssimos; era todo esmaltado
na cor branca com suas modernas asas laterais e seus
queimadores apelidados de "cachimbos"; abaixo
do forno havia a opção: "assar cozer"
79.Sítio
Floresta: extensa
área semi-rural com muitas roças, fruteiras e pequenos sítios que
interliga o centro de Nísia Floresta ao povoado do Porto.
80.
Manuel Bandeira: Manuel Carneiro de Souza
Bandeira famoso escritor brasileiro, nasceu no Recife no
dia 19 de abril de 1886; faleceu no dia 13 de outubro de 1968.
81. Querosene
Jacaré: antiga
marca de querosene, a qual vinha em latas de um litro, cinco litros e
mais.
82.
garrafadas: remédios
feitos em casa; normalmente com cascas, flores ou folhas de alguma
árvore mergulhadas em álcool, cachaça ou água guardadas em
garrafas.
83.
Papari: nome
original do município.
84.
Barbatimão: barbatimão-verdadeiro, ou ainda
barba-de-timão, casca-da-virgindade ou apenas barbatimão
(Stryphnodendron adstringens, Stryphnodendron
barbadetiman (Vell.), Acacia
adstringens (Mart.), Mimosa
barbadetiman (Vell.), Mimosa virginalis (Arruda)
é uma espécie de planta pertencente à família Fabaceae, é uma
árvore pequena, hermafrodita, decídua, de tronco tortuosos e cada
rugosa espessa e de cor clara. As folhas são alternadas, compostas
bipinadas com cerca de cinco a oito pares de pinas, os foliólulos
são arredondados e ovalados. Seus frutos são vagens grossas,
carnosas de cor castanho-claras com muitas sementes de cor parda, a
floração é em setembro. É nativa do cerrado brasileiro encontrada
em vários estados brasileiros em menor quantidade. É tóxica para
bovinos e herbívoros em geral. Em Nísia Floresta é usada com as
propriedades do Mertiolate.
85.
Pitú. antiga marca de aguardente pernambucana, amplamente
consumida em todo o Nordeste.
86.
mezinhas. remédios caseiros a base de plantas e outros
elementos da natureza.
87.
jia: rã (Rana catesbeiana) também usada como
alimento.
88.
tejuaçu. ou teiú-brasileiro, é um
lagarto da família dos Teídeos (comumente chamados teiús,
tejus ou tegus), conhecido sobretudo por sua agressividade e
voracidade. Se molestado, primeiro tenta fugir, mas, sendo
impossível, defende-se desferindo golpes violentos com a cauda. Vive
em regiões florestadas, campos de vegetação alta e campos
cultivados, mas também é visto em áreas urbanas. Atinge até 2 m
de comprimento, o que o torna o maior lagarto do Brasil. Pode
ser confundido com o teiú dito "argentino" (Tupinambis
merianae, Argentine Tegu, lagarto blanco, tegu
argentino, tegu blanquinegro).
89. cansaço. sintoma
parecido com asma.
90.
caquear: tatear, apalpar; regionalismo local.
91.
covos: armadilhas esféricas, feitas com varas para apanhar
camarão dentro de rios e lagoas.
92.
puçás: espécie de coador de café gigante. Serve para
pegar peixe e camarão.
93.
calão: paus laterais amarrados a uma rede de pesca.
94.
pari: armadilha para apanhar peixes e camarões; existe o
modelo cilíndrico e o semelhante a uma cerca de faxina, posto nas
correntezas das águas, prendendo os cardumes.
95.enxó: instrumento
que consiste em uma chapa de metal cortante e um cabo curvo, usado em
carpintaria e tanoaria para desbastar peças grossas de madeira.
96.
pilar: socar grãos no pilão.
97.
Tororomba: um dos distritos de Nísia Floresta, de
acordo com Câmara Cascudo, em seu livro Nomes da Terra, significa
“fim da enxurrada”.
98.
Jenipapeiro: distrito situado exatamente nos limites entre
Nísia Floresta e Senador Georgino Avelino, o nome provém do fruto
do 'jenipapeiro', que existia em abundância na localidade.
99.
Alcaçuz: distrito nisiaflorestense, interligado a Piranji
do Norte; alcaçuz é uma planta medicinal.
100.
Nossa Senhora do Ó: Santa Padroeira de Nísia Floresta; a
mesma Nossa Senhora da Expectação (Nossa Senhora Grávida).
101.
Parnamirim: município metropolitano que faz divisa com
Nísia Floresta.
102.
carregado: cheio de energia ruim; sensação experimentada
por pessoa que foi vítima de mau-olhado.
103.
mau-olhado: de acordo com a crença, é o sintoma de mal
estar, tristeza, algumas vezes associado a febre, cocô mole (quando
criança), causado pelo olhar de alguém. Dizem que quando alguém
admira algo e não diz “benza Deus”, causa mau-olhado, inclusive
em plantas e animais. A pessoa não tem culpa de “pôr mau olhado”.
104.
duas risadas: regionalismo usado para se referir às coisas
feitas com grande facilidade.
104. paul: terreno
levemente pantanoso e fértil.
105.
Euclides da Cunha: Euclides Rodrigues da Cunha foi um
escritor e jornalista brasileiro; ascimento: 20 de janeiro de
1866, Cantagalo, Rio de Janeiro; alecimento: 15 de agosto de 1909,
Piedade, Rio de Janeiro. Um dos mais importantes escritores
brasileiros, autor de obras como “Os Sertões”.
106.
arisco: tipo de solo arenoso, mas que devido ao material
orgânico trazido pela vegetação, associado às chuvas, irrigação
ou adubamento natural, torna-se muito fértil.
107. barro
amarelo/vermelho: tipo de solo local; foi muito usado
para barrear casas de taipa.; hoje é usado para fazer tijolos,
estradas, enchimento de baldrames de casa etc.
108.
cipó-de-sapo: cipó com circunferências e flexibilidade
semelhantes a uma corda, usado para amarrar; para que se torne
flexível é só entortá-lo para vários lados.
109.
Paulo Varela: poeta e cordelista assuense, autor de vários
trabalhos, também disponibilizados em CD's e vídeos.
110.
enxaimel: ou Fachwerk (originário de "Fach" assim
denominavam o espaço preenchido com material entrelaçado de uma
parede feita de caibros), é uma técnica de construção que
consiste em paredes montadas com hastes de madeira encaixadas entre
si em posições horizontais, verticais ou inclinadas, cujos espaços
são preenchidos geralmente por pedras ou tijolos. Os tirantes de
madeira dão estilo e beleza às construções do gênero, produzindo
um caráter estético privilegiado. Outras características são a
robustez e a grande inclinação dos telhados. Na adaptação do
enxaimel às características climáticas da região, foi necessária
a implantação, por conta da elevada umidade local, de uma estrutura
feita de pedra que sustenta as construções evitando que a madeira
se molhe. Veio ao Brasil com os colonizadores alemães.
Mestre: brincante
e grande entendedor e guia de um folguedo folclórico.
DEPOIMENTOS:
ARAÚJO,
Pedro. 83 anos (Porto)
BANDEIRA,
Joana (in memorian); 26 de janeiro de 1919 –
Depoimentos em 2002 a 2004 (Porto)
BARROS,
Manoel de (in memorian); 1997 a 1999 (Conjunto Jessé Freire)
CARVALHO,
Ana Maria Barros de, 60 anos; out. 2005 (Sítio Moita)
CARVALHO,
Terezinha Barros de Carvalho (in memorian), 76 anos.
CARVALHO,
Pedro Araújo de (in memorian), 85 anos.
DIAS,
Maria do Carmo Ribeiro, 94 anos – 1992 (Centro)
GALVÃO,
Cel. Dagoberto Félix Bezerra de Araújo. Golandi)
SILVA, José
Anísio da. 84 anos, nascido em Cururu, Campo de Santana, aos
19/12/1930 - Depoimentos em 1993 (“Zé de Tatá”). (Barreta)
LEANDRO,
Pedro (in memorian); completaria 92 anos em
2016 – nasceu em Cabedelo – PB; 82 anos; 1993 a 2000 (Centro)
LIQUINHA,
85 Anos.
MELO,
Vicente Inácio de, nasceu aos 19 de março de 1912, num lugarejo
chamado “Surubajá”, parte do distrito de Carnaúba, em Georgino
Avelino. Faleceu aos 24 de junho de 1998. (Centro).
M.J.R.
78 anos (in memorian); (,,,,,,,,,,,,,,,)
NASCIMENTO,
Maria do Carmo do, nasceu no dia 18-02-1936,e faleceu no dia
20-05-2014 – Depoimentos em 2005 (Centro).
NASCIMENTO,
João Batista do, (Sr. “Bambão”), nasceu no dia
05-06-1937 (Centro).
NASCIMENTO,
José Augusto do (Sr. “Zé Carão”); 1992 a 1996. (Centro).
NASCIMENTO, Manuel
Salvador do. Nasceu aos 5/02/1926, em Papari – Depoimentos em
1992 a 1993 (Alto Monte Hermínio).
NASCIMENTO,
Natália Gomes do (in memorian), nascida em Tororomba, em
… de …. de …...94 anos (Centro e Tororomba)
NASCIMENTO, Eutiquiano
Correia de Almeida, (in memorian), nasc. 6.9.1930 –
14.12.2005 (Barreta).
NETO,
João Lourenço (Tororomba).
N.M.N.
25 anos; 1992 a 2000 (Centro).
NASCIMENTO,
Raimunda; 1993 a 1994 (Porto).
PAIVA,
Humberto (in memorian), 77 anos; 1992 a 1994 (Engenho Descanso).
RIBEIRO,
Pedro (in memorian); 80 anos, 1997 a 2000 (Conjunto Clóvis de
Carvalho).
SANTANA, Leonísia
Rodrigues (in memorian); 1993 (Centro).
SILVA,
Lourdes. “d. Lurdes poeta”, (Moita).
TRINDADE,
Conceição (in memorian), nasceu aos 8 de dezembro de
1924 – depoimentos em 1993-1994 (Centro).
Canindé;
1992 a 1998 (Porto)
Vavá
Mendes, 46 anos; out. 2005 (Conjunto Clóvis de Carvalho)
Zé
Catita, 90 anos (in memorian), 1997 (Porto).
Mestre
Benedito, 77 anos (Porto).
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em 20.10.16
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pesquisado em 5.11.15
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https://pt.wikipedia.org/wiki/Henry_Koster pesquisado
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http://cidadesvariedades.blogspot.com.br/2014/06/blog-post_24.html pesquisado
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https://pt.wikipedia.org/wiki/Alvarenga_%26_Ranchinho pesquisado
em 11.11.2016
https://pt.wikipedia.org/wiki/Orlando_Silva
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